Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.
Denise Becker
Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisadora associada do objETHOS
Michael Karlsson, professor de mídia e comunicação na Universidade de Karlstad, Suécia, publicou há alguns meses em seu livro que a transparência está afetando a autoconcepção da função jornalística para jornalistas habituados a pensar que exercem alguma autonomia sobre a forma de criar conhecimento sobre o mundo.
Por ser uma norma disruptiva, a transparência está provocando uma mudança de cultura nas redações, além de uma nova orientação na relação comunicativa entre jornalistas e audiências, dando lugar à participação e o feedback mútuo, em vez da divulgação unidirecional de notícias, um modelo comunicativo que não serve mais como referência única de autoridade no ecossistema informativo pluralista do mundo digital.
A essência da transparência no jornalismo é torná-lo mais conhecido das pessoas. Envolve explicar métodos e decisões comuns da rotina jornalística interna, mas que são desconhecidas do público externo, seu real propósito envolve resgatar a credibilidade perdida e construir confiança ao conectar as pessoas com o jornalismo.
Mas de qual conexão estamos falando, se as ações que vêm sendo realizadas são mal comunicadas?
Apesar da grandiosidade desse propósito, a forma como isso vem se desenvolvendo, além de mal comunicado, ainda é pouco conhecido fora das redações. Há um movimento por parte de alguns editores no Brasil em torno da criação de políticas editoriais para valorizar a adoção da transparência em normas e práticas, mas que se perdem diante da abundância informativa dos próprios sites noticiosos ou então ficam bloqueadas por fatores como restrição ao conteúdo pago, invisibilidade e design nada atraente. Tal reflexão foi aprofundada num esforço maior de pesquisa aqui.
Ao que tudo indica, o uso do vídeo seja uma forma eficaz de comunicar a transparência das redações para as audiências, até mesmo para um público restrito de assinantes. Para editores com essa missão, apenas disponibilizar o código de ética e diretrizes editoriais numa página e esperar que o público leia, não é suficiente. Para engajar as pessoas com o “seu jornalismo”, é recomendável renovar as suas práticas e mostrar os seus processos de maneira compreensível. Além disso, é importante considerar o público leigo e sem habilidade digital.
Aqui no Brasil, a aderência de organizações de notícias às práticas de transparência tem sido protagonizada por meio das diretrizes do Projeto Credibilidade.
Como o vídeo pode aproximar o leitor do jornalismo?
O projeto Fluência em Notícias apresenta uma série de vídeos desenvolvido pela equipe de GZH Digital, do Grupo RBS, com o propósito de mostrar como funcionam os processos da Redação Integrada (GZH, Rádio Gaúcha, Zero Hora e Diário Gaúcho), para os seus leitores e ouvintes.
Com a terceira temporada de vídeos no ar, a série já esclareceu ao público como identificar as diferenças entre conteúdo opinativo e informativo, o caminho de uma pauta e seus desdobramentos até virar notícia, além de mostrar os bastidores da reportagem, com a participação de repórteres e comunicadores que atuam na redação. Ou seja, o próprio repórter explica o seu processo em vídeo.
Ao testemunhar essa notável mudança institucional de GZH, pode-se argumentar que a transparência é um componente-chave para o jornalismo recriar processos, práticas e estruturas. Portanto, é viável.
Transparência e políticas editoriais
O vídeo também pode ser mais bem explorado nas redações para explicar as políticas editoriais das organizações noticiosas. Esse compromisso ético precisa estar próximo do público.
Mostrar quais os valores, o propósito de negócio, as comunidades que cobre, os profissionais que trabalham na organização e, principalmente, como ganham dinheiro, são respostas básicas que precisam estar em destaque no site do veículo e nas redes sociais.
Nesta dissertação de mestrado, a pesquisadora descobriu que as três redações investigadas (Folha de S. Paulo, Poder 360, O Povo), disponibilizam parte dessas informações em algum lugar, mas geralmente se perdem entre tantas outras no mesmo site. Ainda, na maioria das vezes, mal comunicadas, descritas com linguagem comum aos jornalistas, e distante das pessoas.
Conforme Karlsson (2021), como uma dimensão ética fundamental do jornalismo contemporâneo, a transparência ideal em uma organização noticiosa será aquela cujo desempenho transparente é reconhecido e aceito pelo público. Sem isso, não pode haver qualquer efeito na confiança do público no jornalismo.
Em vista destas considerações, ao menos duas abordagens ainda merecem destaque em organizações noticiosas nacionais que carregam a bandeira da transparência: a) como ganham dinheiro, suas principais fontes de receita, publicidade e assinaturas; b) falar de suas políticas editoriais e de ética destacando links e pontos principais de uma forma que não-jornalistas compreendam.