Publicado originalmente em Agência Lupa por Ítalo Rômany. Para acessar, clique aqui.
Circula nas redes sociais um post publicado pelo deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP) que afirma que Tiradentes não foi enforcado, mas fugiu para a França e retornou ao Brasil anos depois com o apoio de Dom João VI. É Falso.
Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que esse conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação?:
Tiradentes | Após seu suposto enforcamento e esquartejamento, Joaquim José da Silva Xavier embarcou para a França, onde viveu muito bem, criando até família. Anos depois, voltou ao Brasil, por sugestão de D. João VI, e montou uma ‘botica’, no Rio de Janeiro. É curioso que sua existência nunca tenha sido divulgada durante o Brasil Imperial. Naquela época existia imprensa livre e majoritariamente republicana. A menção à sua figura surge com ares de mito após o Golpe Militar de 1889. Como era alferes, ou tenente, foi convenientemente alçado a herói militar da Independência, ou da República, uma vez que era esse o objetivo dos inconfidentes. Registros da época atestam sua saída do Brasil antes de sua execução, pois recebeu o perdão real. A Verdade sempre aparece.
– Legenda de post que circula no WhatsApp
Falso
Ao contrário do que diz o post do deputado, não há evidências que provem que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, não foi enforcado. Também não há indícios de que ele tenha fugido para Paris e em seguida retornado ao Brasil. De acordo com o escritor Lucas Figueiredo, autor da biografia de Tiradentes pela Editora Companhia das Letras, os milhares de documentos que compõem o processo judicial da Conjuração Mineira, conhecidos como Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, não deixam margem a dúvidas de que Tiradentes foi condenado e, em seguida, enforcado.
Joaquim José da Silva Xavier foi um mártir da Inconfidência Mineira — conspiração ocorrida em 1789 contra o domínio português. Por causa desse episódio, foi preso em maio de 1789 e executado em 21 de abril de 1792, na Praça da Lampadosa (atual Praça Tiradentes), no centro do Rio de Janeiro. Após o enforcamento, sua cabeça foi cortada e o corpo esquartejado.
Figueiredo lembra que dois frades acompanharam o julgamento, a leitura da sentença, bem como a execução de Tiradentes — eles foram escolhidos por seus superiores para dar auxílio religioso. Ambos deixaram registros escritos sobre o episódio.
A saída de Tiradentes da prisão após a leitura da sentença, o caminho percorrido a pé até a forca e o enforcamento em si foram relatados com detalhes nos textos. Um dos escritos é “Memória do êxito que teve a Conjuração Mineira e dos fatos relativos a ela acontecidos nesta cidade do Rio de Janeiro desde 17 até 26 de abril de 1792”, de 2 de maio de 1792. O outro, “Últimos momentos dos inconfidentes de 1789 pelo frade que os assistiu de confissão“, foi escrito pelo frade que acompanhou o julgamento, Raimundo da Anunciação Penaforte. (Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, tomo 44, parte 1, 1881, pp.161-85).
A condução dos restos mortais de Tiradentes, do Rio de Janeiro a Minas, também foi registrada pela burocracia colonial e consta nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, volume 9 (páginas 149-150).
A parada final da comitiva com os restos mortais de Tiradentes foi Vila Rica (atual Ouro Preto). Lá, conforme conhecido pelos livros de história, teve a cabeça espetada num mastro, que foi levantado na praça central da cidade. O encerramento da cerimônia se deu com uma sessão solene da Câmara de Vila Rica, que contou com a presença do governador, de vereadores e do bispo, entre outras autoridades.
Não há provas que Tiradentes fugiu
O professor Álvaro de Araujo Antunes, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto, lembra que a versão de que Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes) teria fugido para a França foi apresentada por um ex-bancário especialista em grafologia, Marcos Corrêa. Ele teria encontrado semelhanças entre a assinatura de Tiradentes e a de um tal Antonio Xavier de Sousa em uma relação de pessoas que estiveram presentes na Assembleia Nacional francesa, em 1793. Mas isso nunca foi provado, afirma o professor.
Antunes lembra que, embora “livre”, a imprensa no regime imperial estava submetida à Constituição de 1824, que no seu artigo 179 definia: “Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa sem dependência de censura, contanto que haja de responder pelos abusos que cometerem no exercício desse direito, nos casos e pela forma que a lei determinar”.
“Para a época, noticiar que D. João VI ajudou um criminoso de lesa-majestade, não cumprindo com a sentença de sua mãe, D. Maria I, seria uma calúnia punível por lei, quando não um atentado à monarquia”, reforça o professor Álvaro Antunes.
Outro lado
A reportagem enviou e-mail para o gabinete do deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), mas não houve retorno.