Em vídeo que circula nas redes sociais, o médico pediatra e prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni (MDB), engana ao dizer que há evidências clínicas de bons resultados do vermífugo
Matéria publicada originalmente no Avoador. Para acessar, clique aqui.
Não é verdade que a ivermectina tenha obtido “bons resultados” contra a covid-19 na Bolívia, na República Dominicana, na Nova Zelândia, na Austrália, em países africanos ou cidades brasileiras. A alegação foi feita em vídeo pelo prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni (MDB), ao anunciar a distribuição gratuita do remédio na cidade. Não há até agora estudos que associem a droga a uma redução do contágio nem ensaios clínicos que indiquem sua eficácia contra o novo coronavírus, como atestam a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Além disso, a pandemia está avançando rapidamente na maioria dos locais citados por Morastoni, como o continente africano, a Bolívia e a República Dominicana. Já Austrália e Nova Zelândia, apesar de terem conseguido reduzir o contágio pelo novo coronavírus, não adotaram a ivermectina em protocolos oficiais de tratamento.
A peça de desinformação tem sido difundida no Facebook e reunia ao menos 8.200 compartilhamentos em 20 de julho. O conteúdo foi marcado com o selo FALSO na ferramenta de verificação da rede social (saiba como funciona).
FALSO
“Vamos oferecer gratuitamente a toda a população de Itajaí um medicamento para prevenção e tratamento ao coronavírus. Trata-se da ivermectina, um antiparasitário que tem apresentado atividade antiviral considerável contra o vírus causador da doença. Isso já vem sendo observado através de evidências clínicas pelo mundo afora onde já se usa a ivermectina com bons resultados, como no continente africano, República Dominicana, Nova Zelândia, Austrália, Bolívia e no Brasil também. No nosso país temos resultados positivos registrados no Amapá, Belém do Pará, Porto Feliz, em São Paulo.”
Em vídeo que circula nas redes sociais, o médico pediatra e prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni (MDB), engana ao dizer que há evidências clínicas de bons resultados do vermífugo ivermectina para combater a covid-19 no continente africano, na Bolívia, República Dominicana, Nova Zelândia, Austrália e em algumas regiões do Brasil. Não há até agora estudos que indiquem que a droga seja eficaz contra a doença ou que tenha reduzido o contágio nesses locais, como atestam a OMS, a Anvisa e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
O site Clinical Trials, que reúne dados sobre testes de drogas pelo mundo, registra 32 ensaios clínicos que buscam avaliar a eficácia do medicamento, três dos quais no Brasil, mas as conclusões ainda não estão disponíveis em publicações científicas.
A mística em torno da droga começou depois que uma pesquisa liderada pelo Instituto de Biomedicina da Universidade de Monash, na Austrália, mostrou que a ivermectina tinha o potencial de eliminar o Sars-CoV-2 in vitro, ou seja, em laboratório. Como o Aos Fatos já explicou, esse tipo de teste costuma ser usado para aferir se um medicamento conhecido tem potencial para combater uma nova doença, mas não garante que os efeitos se repetirão em organismos complexos como o corpo humano.
De fora. Os exemplos internacionais citados por Morastoni tampouco corroboram sua defesa da ivermectina Embora seja amplamente usada como vermífugo em países da África, a droga não impediu o avanço da pandemia de Covid-19. Segundo a OMS, em junho os casos da doença mais do que dobraram em 22 países do continente. Dados do Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças do dia 19 de julho mostram que os casos confirmados chegam a 720.622 e as mortes a 15.155. E os números podem ser maiores, pois há problemas no registros de óbitos.
Na Bolívia, a ivermectina foi autorizada em maio pelo Ministério da Saúde para tratar vítimas de Covid-19, mas a situação da pandemia continua crítica. No departamento de La Paz, por exemplo, foi implementado na quinta-feira (16) um isolamento obrigatório de quatro dias para conter o avanço da doença. Segundo a presidente interina Jeanine Áñez, “o pico da pandemia está subindo”.
A ivermectina também tem sido usada na República Dominicana sem que a pandemia dê sinais de desaceleração. No dia 5 de julho, a população foi votar para presidente um dia depois do recorde de contágios por Covid-19. A Sociedade Dominicana de Infectologia manifestou preocupação ainda em maio pelo uso da droga para tratar o novo coronavírus.
Austrália e Nova Zelândia apresentaram bom desempenho na minimização de contágios de Covid-19, mas não adotam a ivermectina como protocolo de tratamento oficial.
A Austrália implementou uma quarentena logo que apareceram os primeiros casos no país, mas não recomendou o uso de nenhuma droga — a TGA (Therapeutic Goods Administration) diz na página do Ministério da Saúde que não há tratamento específico para a doença. Entretanto, o órgão concedeu uma liberação provisória para o uso do remdesivir em casos graves.
A Nova Zelândia investiu em testagem em massa e em um isolamento social rígido. Em abril, o Ministério da Saúde publicou nota na qual recomenda que a população não compre nem se trate com ivermectina para conter a Covid-19.
Brasil. Por aqui, defensores da ivermectina têm usado os exemplos de Porto Feliz (SP), Belém (PA) e Amapá, citados também por Morastoni, mas a reportagem não encontrou estudos sistematizados sobre o uso da droga nesses locais. Contatadas, as secretarias de saúde também não indicaram pesquisas que mostrem um efeito positivo do medicamento.
No caso de Porto Feliz, a ivermectina é usada na rede pública, mas os números epidemiológicos da cidade são piores do que a média de outras cidades do mesmo porte, como mostrou o site Questão de Ciência.
No Amapá, cidades como a capital Macapá aplicam a droga e o contágio no estado está em queda, mas sem estudos não é possível atribuir a redução ao seu uso. Além disso, em maio o estado adotou medidas mais rígidas de confinamento — essas, sim, balizadas pela ciência.
A distribuição do remédio pela rede pública de Itajaí começou no dia 7 de julho e até o dia 12 havia alcançado ao menos 47 mil pessoas para o tratamento de prevenção, diz a prefeitura.
Apesar de a entrega da ivermectina ser realizada por prefeitos de algumas cidades brasileiras, a droga não integra o protocolo do Ministério da Saúde de substâncias permitidas para o tratamento de pacientes com Covid-19.
Aos Fatos tentou entrar em contato com o prefeito Volnei Morastoni, mas não teve retorno.