Publicado originalmente em Agência Lupa por Alessandro Fernandes. Para acessar, clique aqui.
Esta checagem faz parte do Teen Fact Checking Network (TFCN), programa de alfabetização midiática digital MediaWise, do Instituto Poynter, que tem a parceria da Lupa no Brasil.
Texto publicado em um site sugere que algumas escolas de medicina nos Estados Unidos estão “treinando” médicos pediatras para supostamente fazer a “transição de [gênero] de bebês, mutilando-os por toda a vida.” O conteúdo também questiona a existência de programas de saúde que promovem transição de gênero segura para crianças e adolescentes. Jovens que participam do projeto TFCN no Brasil checaram essas informações, confira:
“ABSURDO: As escolas de medicina nos Estados Unidos estão tentando rapidamente normalizar os ‘cuidados de afirmação de gênero’ (mutilação e castração química) para crianças.”
– Título de texto publicado no site Verdade e Censura em 24 de maio de 2023
Falso
O conteúdo analisado pela Lupa é falso. Embora a transição de gênero seja um procedimento comum no sistema de saúde dos Estados Unidos, é falso que médicos são “formados” para mutilar e castrar quimicamente bebês.
Não há qualquer tipo de política governamental e prática médica nos Estados Unidos que mutile e afete a saúde física e mental de crianças e adolescentes. Também não procede qualquer tipo de tentativa de castração química — tanto nas universidades quanto no sistema público de saúde norte-americano.
Além disso, a afirmação de que escolas de medicina dos Estados Unidos estão “treinando médicos” para castrar ou mutilar bebês é baseada apenas na entrevista de uma médica norte-americana chamada Lauren T. Roth, professora de pediatria no Albert Einstein College of Medicine e especialista em saúde de pessoas LGBTQIA+.
Essa entrevista foi realizada em junho do ano passado para o BronxNet, mídia independente de Nova York. Na ocasião, Roth compartilhou suas percepções e estudos acerca da saúde das pessoas LGBTQIA+, incluindo das crianças que já se reconhecem como sendo de outro gênero. Em nenhum momento ela afirma que escolas estão “formando” médicos para “castrar quimicamente” bebês. Ela apenas chama a atenção para o fato de que, segundo suas pesquisas, crianças a partir de 18 meses já começam a desenvolver sua identidade de gênero.
Por outro lado, apesar do conteúdo apresentar um cenário de invasão e manipulação dos corpos das crianças, instituições de saúde mental e especializadas em transição de gênero demonstram que o processo é feito da forma mais transparente e saudável possível.
Transição de gênero é um processo seguro e assistido
Ainda que as políticas públicas de apoio e suporte à transição de gênero em crianças e adolescentes sejam recentes (dados mostram que as primeiras crianças em tratamento para transição de gênero tiveram início entre a década de 1960 e 1970), todos os procedimentos e acompanhamentos são feitos a partir de evidências científicas.
A American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria), por exemplo, desde 2018 compilou uma série de orientações e dados científicos sobre o assunto. Em Boston, o Boston Children’s Hospital criou um programa pioneiro de saúde para transgêneros pediátricos e adolescentes.
Vale pontuar que o processo de mudança de gênero em crianças passa por acompanhamento psicológico, social e psiquiátrico dos hospitais. Além disso, o uso de medicamentos e tratamentos hormonais recebe acompanhamento de equipes multidisciplinares.
Um estudo recente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostra que o uso de tratamentos hormonais em crianças e adolescentes com disforia de gênero — termo usado para quem não se reconhece no corpo em que nasceu — podem reduzir casos de ansiedade, depressão e baixa autoestima. De acordo com a pesquisa, procedimentos de “castração” e “mutilação” são incongruentes com o discurso científico e médico mais recentes.
Bloqueadores de puberdade são seguros e eficazes
Segundo estudo feito em 2021 por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), os bloqueadores de puberdade são utilizados durante o início dessa fase em adolescentes de forma a impedir a produção de hormônios do gênero que o paciente não se identifica.
Diferentemente do que afirma o site, de que tratamentos desse tipo “causam danos aos ossos” e “impedem o indivíduo de experimentar o orgasmo”, estudos mostram que há caminhos a serem contornados. Ainda que essas pesquisas observem que há um atraso no alcance do pico da massa óssea, é recomendável o consumo adequado de cálcio e vitamina D. Em relação ao orgasmo, pesquisa feita pela Universidade do Porto não encontrou nenhuma correlação com o início do tratamento hormonal que bloqueia orgasmos.
Transição de gênero no Brasil
Embora o conteúdo do site tente criar um ecossistema de desinformação sobre a transição de gênero em crianças e aponte para o que chama de “castração química”, é importante destacar que, no Brasil, crianças e adolescentes recebem acompanhamento médico constante e, no caso de cirurgias de redesignação sexual, estas só são feitas a partir dos 18 anos de idade, conforme recomendação do Conselho Federal de Medicina (FCM).
No Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, por exemplo, a equipe é formada por um psiquiatra coordenador, uma assistente social, dois psiquiatras e oito psicólogos que trabalham de forma voluntária, atendendo a demanda espontânea ou encaminhada até nós.
Atenção às informações sobre transição de gênero em crianças
Para não cair em desinformações relacionadas à transição de gênero de crianças e adolescentes, busque sempre informações em canais confiáveis de informações ou sites de institutos de pesquisa em universidades.
Outra questão relevante é sempre avaliar a qualidade das informações que você está recebendo e cruzá-la com outras publicações e pesquisas acadêmicas.
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