Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
Highlights
- Dose de 7 mg/kg de primaquina apresenta maior eficácia para prevenir recaídas do que a dose de 3,5 mg/kg, comumente utilizada no Brasil
- Protocolo de doses mais altas já é utilizado na Oceania, na Ásia e nos EUA
- Estudo com cooperação internacional serve de base para possível revisão do tratamento da malária vivax no Brasil e nas Américas
A malária é uma doença endêmica na região amazônica que pode ser tratada, atualmente, com uso da cloroquina, que controla a doença aguda e previne o aumento da sua intensidade, e a primaquina, que previne a recorrência de sintomas após o tratamento. Pesquisadores do Instituto Evandro Chagas, em parceria com o Ministério da Saúde e com o Centers for Diseases Control and Prevention dos Estados Unidos (CDC), descobriram que a administração de uma dose mais alta de primaquina pode ser eficaz no controle das recaídas da doença. Os resultados estão publicados na edição de quinta (31) da revista “The New England Journal of Medicine”.
Na maioria dos países das Américas, incluindo o Brasil, a primaquina é oferecida na dose total de 3,5 mg/kg, de 7 a 14 dias. A hipótese de testar uma dose mais alta, de 7 mg/kg, foi pensada a partir da experiência de países da Oceania e da Ásia, onde existe transmissão de malária vivax, causada pelo parasita Plasmodium vivax. Esta também é a dose recomendada nos Estados Unidos para casos de vivax que são importados, já que não há transmissão de malária nesse país.
De acordo com Suiane da Costa Negreiros, uma das investigadoras principais do estudo, foram destacadas duas equipes de campo para busca, cadastro e acompanhamento dos pacientes. Os pesquisadores realizaram testes de microscopia para confirmar o diagnóstico e exames moleculares dos participantes da pesquisa por quase 6 meses.
“Os 254 pacientes acompanhados foram divididos em três grupos. Estes, entretanto, foram distribuídos de forma aleatória de acordo com o esquema de primaquina. No grupo 1, foi administrada uma dose total de 3,5 mg/kg durante 7 dias sem observação direta da tomada do medicamento. O grupo 2 recebeu o mesmo regime de medicamento, mas esteve sob observação direta. O grupo 3 recebeu uma dose total de 7 mg/kg de primaquina por 14 dias com observação direta. Os resultados demonstraram que uma dose mais alta de primaquina foi mais eficaz na prevenção da recaída da malária por P. vivax, com 86% de eficácia, nos quase 6 meses de seguimento. Usando dados da análise molecular adicional, a genotipagem, essa eficácia chegou a 95%”, explica a pesquisadora.
Também segundo Negreiros, médica infectologista e professora da Universidade Federal do Acre (UFAC), os desafios da pesquisa envolveram o próprio ambiente amazônico, com regiões afastadas e alta pluviosidade. “Tivemos um grande esforço para manter o seguimento dos pacientes por seis meses com pouca perda. Adaptamos a rotina de pesquisa científica aos serviços de saúde locais e fizemos ciência dentro do dia a dia dos serviços de saúde onde nos baseamos”.
Suaine e seus colegas do Brasil, Peru e Estados Unidos explicam que a pesquisa tem um importante ganho para a sociedade brasileira, já que fomenta a discussão sobre a possível revisão do tratamento da malária vivax no Brasil e nas Américas. Também mostra a capacidade institucional estabelecida no Brasil (especialmente no Acre e no Pará) para conduzir ensaios clínicos e a importância de relações nacionais e internacionais para pesquisa científica com liderança dos colegas do país que sedia o trabalho.