Do genocídio ao Ministério: o que muda no Brasil com os indígenas no poder?

Publicado originalmente em Brasil de Fato por Murilo Pajolla. Para acessar, clique aqui.

O antropólogo Darcy Ribeiro externou na década de 50 uma preocupação assustadora: os povos indígenas do Brasil estavam sendo levados ao desaparecimento. Não era alarmismo. A população estimada pela Funai em 3 milhões, antes da chegada dos colonizadores, havia caído para 70 mil em 1957. 

Por isso, não foi meramente retórica a declaração de Sonia Guajajara ao tomar posse, no dia 11 de janeiro de 2023, como a primeira ministra dos Povos Indígenas do Brasil. “Não será fácil superar 522 anos em quatro”, declarou, na cerimônia histórica. 

Faz menos de um século que o genocídio passou a ser denunciado com veemência por homens e mulheres que, decididos a interromper o massacre, fundaram as primeiras organizações indigenistas. Entre eles, estava o filósofo e teólogo gaúcho Egydio Schwade.

“Foi uma longa caminhada para se chegar a este sucesso com a criação do Ministério. Acho a iniciativa muito boa e audaz, de grande futuro mais do que lindo para toda a América. Entretanto, minha expectativa continua cautelosa”, pondera Schwade.

Desafios 

Schwade acompanha o desenrolar da política indigenista desde os tempos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que pretendia “pacificar” e “integrar” os indígenas à sociedade dos colonizadores. 

“O SPI que conheci na década de 60, com todos os seus erros e crimes, foi melhor do que a Funai que Joenia Wapichana [nova presidenta da Funai] recebeu [de Bolsonaro]. Por isso meus receios continuam”, justifica. 

Com três concursos públicos realizados nos últimos 30 anos, o quadro de servidores da Funai na Amazônia caiu pela metade em desde 2013. Rebatizada neste ano de Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o órgão tem R$ 600 milhões no orçamento de 2023 para gastar com 726 terras indígenas.

“Esse orçamento não é suficiente, mas o presidente Lula já sabe disso e, com isso, eu espero que a Funai tenha um apoio financeiro a mais por conta das necessidades do órgão que é tomar conta de 14% do território brasileiro”, reconheceu Joenia em entrevista ao site Ecoa Uol

O que muda na Funai?

O presidente da associação de servidores da Funai, a Indigenistas Associados (INA), Fernando Vianna, espera que a criação do Ministério dos Povos Indígenas se traduza no fortalecimento do serviço público “tanto em termos de orçamento, como de sustentação política e mesmo de condições de trabalho”. 

“Um ministério específico para articular o indigenismo de Estado representa, em princípio, um salto de qualidade em termos do reconhecimento da importância do trabalho a que nos dedicamos, que se resume na proteção e promoção dos direitos indígenas”, projeta Vianna.

Ainda não está claro, porém, como esse processo se dará na prática. A Funai será oficialmente integrada à pasta de Sonia Guajajara a partir de 24 de janeiro, quando entra em vigor o decreto presidencial que modifica a estrutura ministerial. Até lá, o órgão indigenista segue sob o Ministério da Justiça.  

“A suplementariedade do Ministério dos Povos Indígenas em relação à Funai será construída com o tempo. Mas a gente parte de uma estaca zero de positividade e otimismo, já que o condutor desse processo é o movimento indígena brasileiro, que tem demonstrado muita maturidade de propósitos”, diz o presidente da INA. 

Indígenas no poder  

A colonização confinou o povo Terena em territórios fragmentados e espalhados por pequenas “ilhas” indígenas cercadas por fazendas no Mato Grosso do Sul. Na última semana, Alberto Terena falou ao Brasil de Fato enquanto acompanhava a cerimônia de posse de Sonia Guajajara. 

“Todos estão muito emocionados pelo fato de a gente ter passado quatro anos com uma proposta anti-indígena de governo. Quando a gente começa a fazer parte deste governo que propõe ouvir o nosso povo, é muito importante para nós. É um momento histórico”, afirmou, em meio aos aplausos da multidão. 

Representante do Conselho Terena a da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ele espera que as demandas mais urgentes dos povos possam ser atendidas. E prevê que as políticas públicas possam ser formuladas pelos próprios indígenas, que poderão conhecer de dentro as limitações burocráticas do Estado.

“A Sônia [Guajajara] tem todo o preparo de uma extensa jornada de lutas dentro do movimento indígena. Ela traz para si a responsabilidade de assumir esse ministério. Somos representados pela Sonia, estamos junto com ela e estaremos dentro da proposta desse ministério”, frisou a liderança Terena. 

Edição: Thalita Pires

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