Dificuldade para conciliar vida acadêmica com prática de atividades físicas e esportes entre universitários é tema de estudo

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS por Alexandre Briozo Gomes Filho. Para acessar, clique aqui.

Saúde | Manejo da ansiedade e do estresse são fatores positivos da inserção de atividade física no curso superior, enquanto a falta de tempo, o cansaço e possíveis lesões representam os prejuízos dessa combinação

*Foto: Marcelo Pires/JU

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 47% da população brasileira é sedentária. A ausência de acesso ao lazer e ao esporte por uma parcela da população justifica parte do sedentarismo na sociedade, comumente desvinculado de questões institucionais e associado a motivações pessoais do indivíduo. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país mais sedentário da América Latina e ocupa o 5.° lugar no ranking mundial.

Quem vê a vida ativa dos universitários em termos de aulas, trabalhos e demais atividades acadêmicas por vezes ignora que, na maioria das vezes, por trás de todo o esforço mental, há negligência quanto à saúde física diretamente relacionada à saúde psicológica. Mikael Almeida Corrêa é doutor em Psicologia pela UFRGS e desde a graduação pesquisa temas associados à Psicologia do Esporte, que diz respeito ao rendimento pessoal esportivo por meio do manejo da ansiedade, da pressão pré-competição e do burnout de atletas, por exemplo. Atualmente, ele é psicólogo da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). A partir do mestrado, Mikael tem-se dedicado a estudos que relacionam a prática da atividade física com a rotina acadêmica de estudantes universitários.

Em artigo publicado na revista Estudos e Pesquisa em Psicologia, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o psicólogo apurou melhoras no desempenho acadêmico obtidas por estudantes do ensino superior que exercem atividades físicas com regularidade, como também verificou as dificuldades de se conciliarem as duas coisas. O estudo foi realizado a partir de um survey aplicado em estudantes de diferentes níveis do ensino superior (graduação, especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado) em todo o país, totalizando 260 respondentes. Junto com a professora da UFRGS Ana Cristina Garcia Dias, o psicólogo concluiu que são necessárias medidas institucionais que promovam a atividade física no ensino superior.

Perfil dos Respondentes
Auxílio e prejuízo

“A gente não tem prática de exercícios nos câmpus e, quando tem, eles estão jogados no espaço”, diz Mikael. Segundo ele, há, na universidade, um potencial não explorado nesse sentido porque a instituição universitária ainda não olha a prática de atividades físicas como essencial para a saúde do estudante.

“Claro que é importante para o estudante ter acesso a atendimento psicológico, ter o benefício do restaurante universitário e transporte, tudo isso é muito legal. Mas ter acesso à convivência e a ambientes de lazer também é muito importante, e talvez vá ser uma grande prevenção para o adoecimento psicológico”

Mikael Almeida Corrêa

No survey, foram feitas quatro perguntas sobre o auxílio e os prejuízos que a prática de atividades físicas pode trazer ao desempenho acadêmico e à adaptação à vida acadêmica. Melhoras no funcionamento cognitivo e na disposição física foram algumas das respostas no que tange ao auxílio fisiológico. Quanto ao auxílio psicológico e ao aprendizado de valores de vida, os respondentes apontaram o controle da ansiedade e o desenvolvimento de qualidades tais como uma ética para o trabalho e o respeito ao próximo.

Em relação ao esforço nos estudos para produzir bons resultados, as bolsas para atletas foram apontadas como agentes motivadores. A melhoria no desempenho acadêmico relatada se dá pelo alívio da ansiedade e pela promoção do bem-estar. “[A atividade física] Ajuda a reduzir o estresse, a angústia e a tristeza, o que, indiretamente, aumenta minhas relações sociais e o desempenho acadêmico”, relata um dos participantes do estudo. A prática de exercícios antes dos estudos como forma de controle da ansiedade e manejo do estresse é adotada por outra participante.

Dos prejuízos relatados pelos respondentes, a falta de tempo e a exaustão após a atividade física são os que mais se destacam. Alguns estudantes relataram a perda de aulas e provas por conta de treinos e campeonatos. Para outros, as lesões decorrentes das práticas físicas e as faltas de sono e de boa alimentação são apontadas como fatores prejudiciais à vida acadêmica.

“Hoje em dia eu não tenho mais saúde física numa caixinha e saúde mental na outra: tá tudo junto. Se eu passo fome, moro num lugar que não tem saneamento, eu não vou ter uma saúde mental 100%. Se eu tô com problema na articulação, com excesso de peso, com uma escassez de estímulos para a liberação de endorfina e serotonina, provavelmente meu humor já vai estar ruim e meu sono também”

Mikael Almeida Corrêa

Essa realidade também é vivenciada pelo próprio autor do estudo, que relata que a graduação foi o período mais sedentário de sua vida. “Eu tenho benefícios em praticar atividade física, mas eu chego com sono em aula. Ou eu tenho que matar aula para participar porque quem disse que o currículo acadêmico é adaptado de modo a favorecer a prática de atividade física?”, diz o psicólogo. Entre o exercício físico e o bom desempenho acadêmico, o último acaba sendo prioridade. Para ele, ser gentil consigo mesmo e se exercitar dentro dos próprios limites é uma possível solução para os prejuízos. Segundo indicação da OMS, fazer atividade física por 20 minutos todos os dias é suficiente para tirar alguém da linha do sedentarismo.

As exigências da excelência

Em tese de doutorado recentemente defendida no PPG Psicologia da UFRGS, Mikael deu continuidade à pesquisa de mestrado, avaliando o efeito preditor que a atividade física e o esporte têm sobre variáveis positivas de saúde mental, como otimismo, inovação e autoestima. Além disso, a percepção dos próprios universitários sobre as barreiras que dificultam o acesso à atividade física é outro ponto explorado. “É muito delicado enxergar isso só do ponto de vista individualista e deixar de notar que tem todo um arranjo institucional e social que ‘espreme’ a pessoa. Caso ela queira ser competitiva nas outras atividades que ela queira ter, ela vai ter que abrir mão da saúde dela, se não ela não bate nem na trave”, conta o psicólogo.

Tendo a publicação de artigos baseados na tese em seu horizonte e recém-titulado doutor, Mikael decidiu dar uma pausa na vida acadêmica. O pós-doutorado é uma possibilidade, mas o descanso da pressão acadêmica é necessário. Agora se direcionando para os estudos da filosofia, a ideia do autor é trabalhar com psicologia clínica.

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