Dia Internacional da Democracia: Países com o Brasil seguem sem medidas estruturais de combate à desinformação a um ano de eleições

Por Helena Martins*

Neste dia 15 de setembro, Dia Internacional da Democracia, organizações da sociedade civil lançaram a campanha: “Protect People and Elections, not Big Tech”. A iniciativa alerta para a necessidade de implementação de medidas contra a desinformação e outros problemas associados à configuração atual da internet e, particularmente, das plataformas digitais. Se os exemplos dos últimos anos já são motivos suficientes para nos manter alertas, o cenário que enfrentaremos ano que vem deve ser visto como emergencial. Em 2024, mais de 2 bilhões de eleitores em 50 países irão às urnas em todo o mundo, um número recorde de eleições1. Entre os países que escolherão novos representantes estão Estados Unidos, cuja população votará inclusive para a presidência, e Brasil, onde serão escolhidos representantes para prefeituras e câmaras municipais.

Os dois países ainda enfrentam ameaças, pela extrema direita, à democracia. Nos Estados Unidos, apesar das investigações e processos contra Donald Trump, que foi indiciado na sua tentativa de anular as eleições de 2020, o ex-presidente empata com o atual Joe Biden nas pesquisas de intenção de voto. Levantamento do jornal The New York Times2 divulgado no dia 1 de agosto mostrou que ambos possuem 43% das intenções. Quando questionados sobre aprovação de Trump, ainda que a desaprovação seja de 44%, 21% afirmam que são “muito favoráveis” e 20% “algo favorável”. O levantamento do New York Times perguntou o que as pessoas avaliaram das ações de Trump pós-eleições. 39% afirmaram que ele apenas exerceu o seu direito de contestar as eleições. 53% consideraram que ele foi tão longe que ameaçou a democracia americana.

A situação decorre de muitos problemas, como a dificuldade de Biden apresentar respostas às demandas econômicas da população. Expressão disso, ao serem questionados se os Estados Unidos estão em bom caminho em direção errada, 65% dos respondentes afirmaram que o país está errado, contra 23% que responderam estar na direção certa. Esse pano de fundo é importante porque, tenho insistido, a desinformação é a expressão da disputa política em momentos de crise como o que estamos vivendo. Diante dela, a extrema direita busca se apresentar como uma solução. Para que essa narrativa tenha adesão, as instituições políticas são alvos frequentes de desinformação, o que também alimenta a desconfiança do público frente aos governos. Nos Estados Unidos, conteúdos que desacreditavam o sistema eleitoral permearam todo o pleito e seguiram circulando mesmo após os ataques de janeiro, segundo estudo do Brennan Center for Justice3. 

Além do contexto mais geral, a desinformação ganha lastro e adesão em associação com a lógica de funcionamento das plataformas digitais. Isso é sabido, pelo menos, desde o escândalo que envolveu o Facebook e a empresa Cambridge Analytica, em 2016. De lá para cá, a ideia de neutralidade foi duramente e corretamente atacada. Não obstante, não é possível afirmar que o cenário tenha sido transformado. No caso dos Estados Unidos, o centro mapeou respostas que têm sido dados ao problema da desinformação, como maior transparência dos órgãos públicos, e a aprovação de leis para combater a desinformação e proteger os eleitores no Colorado, Michigan, Minnesota e Nova Iorque. Sabendo das insuficiências da medida, o centro e outras organizações integram campanha que exige leis eficazes em matéria de transparência política digital4.

No Brasil, o cenário não é muito diferente. Após uma vitória apertada de Lula sobre Jair Bolsonaro, em 2023, ataques de bolsonaristas às sedes dos três poderes não deixaram esquecer que o desafio de suplantar a extrema direita não havia sido encerrado nas eleições. Logo após os ataques, pesquisa Atlas realizada com 2.200 respondentes verificou que a maior parte (75,8%) dos respondentes discordaram da ação. Não obstante, apesar da rejeição, o percentual de brasileiros a favor de uma intervenção militar para invalidar os resultados eleitorais era de 36%, ao passo que os contrários somavam 54%. Evidenciando a permanência do problema, pesquisa Datafolha divulgada neste dia 15 de setembro mostrou que 25% dos respondentes se dizem bolsonaristas raiz. 29% se afirmam petistas convictos. Já a expectativa em relação ao governo piorou, passando de 21% para 28%. 

Aqui, as medidas tomadas pelo governo Lula ao longo do ano ampliaram a expectativa de crescimento econômico. Não é possível antever qual será a situação ao longo do governo ou se a população se sentirá atendida em suas demandas. O futuro de Bolsonaro e do bolsonarismo também não está nítido, tendo em vista as investigações em curso e mesmo sua relação cada vez mais interna ao próprio governo, o que reconfigura o cenário das eleições municipais. O que é certo é que a disputa segue acirrada, inclusive no âmbito das redes digitais. Basta ver os ataques frequentes às parlamentares mulheres e ao próprio governo federal para concluir que o problema não foi superado. E, neste ponto, é onde a ausência de mudanças é mais gritante.

Logo após o 8 de janeiro, governo e Congresso aceleraram as discussões em torno de medidas para combater a desinformação. Depois de controvérsias, os esforços foram concentrados em torno do Projeto de Lei 2.630, conhecido como PL das Fake News, que chegou a ter urgência aprovada no dia 25 de abril. No dia 2 de maio, estava prevista sua votação, que acabou sendo adiada. Bombardeado por uma campanha tão nefasta quanto milionária das plataformas digitais5, o projeto seria alvo de negociações. A sociedade civil, especialmente as frentes Coalizão Direitos na Rede e Sala de Articulação contra a Desinformação, seguiram pressionando para que o tema não saísse do centro dos debates. Apesar desses esforços, até agora, o país segue rigorosamente com a mesma estrutura comunicacional e legislativa que favoreceu a desinformação em pleitos anteriores.

É verdade que está em discussão no Congresso Nacional a minirreforma eleitoral, para a qual aquelas organizações também apresentaram propostas6. Não obstante, as mudanças em discussão, muitas voltadas à ampliação da transparência de informações, como também vimos nos Estados Unidos, estão longe de alterar a dinâmica de funcionamento das plataformas. O que os dois exemplos mostram é que falta a devida atenção ao problema, que parece preocupar os governantes especialmente quando candidatos. Quem perde com isso é a sociedade, que seguirá sendo alvo de campanhas de desinformação, e a própria democracia. Se a queremos de fato e melhor, temos que enfrentar a enorme concentração de riqueza e poder no âmbito das plataformas. Sem isso, seguiremos enxugando gelo e sofrendo com tragédias, quando não participando de farsas.

*Helena Martins

Professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), integrante do Diracom – Direito à Comunicação e Democracia e da Rede Nacional de Combate à Desinformação

Links mencionados na matéria

1: Disponível em: https://www.americanprogress.org/article/protecting-democracy-online-in-2024-and-beyond/

2: Disponível em: https://www.nytimes.com/interactive/2023/08/01/us/elections/times-siena-poll-registered-voters-crosstabs.html

3: Disponível em: https://www.brennancenter.org/our-work/research-reports/how-states-can-prevent-election-subversion-2024-and-beyond

4: Disponível em: https://www.brennancenter.org/our-work/court-cases/state-washington-v-meta-platforms-inc-formerly-doing-business-facebook-inc

5: Apenas o Google pagou R$ 670 mil em anúncios contra o projeto. Disponível em: https://apublica.org/2023/05/google-pagou-mais-de-meio-milhao-de-reais-em-anuncios-no-facebook-contra-pl-das-fake-news/

6: Disponível em: https://diracom.org/nossas-acoes/noticias/entidades-entregam-propostas-ao-relator-da-minirreforma-eleitoral

**Imagem da Capa: Câmara Municipal de Curitiba

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