Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Patrícia Blanco. Para acessar, clique aqui.
Em meio à ditadura militar, no começo dos anos 1970, o Brasil enfrentou uma grave epidemia de meningite. Nos primeiros três anos da crise de saúde, de 1971 a 1974, entretanto, a doença permaneceu sob segredo imposto por uma dura censura que impedia a imprensa de relatar os fatos, agravando as adversidades. Nos anos seguintes, o país venceu a doença somente depois que o governo reconheceu a epidemia e adquiriu milhões de doses de uma vacina recém-descoberta.
A história é lembrada em um dos episódios da excelente série “Brasil em Constituição”, do Jornal Nacional (Globo), que ressalta o direito fundamental que os brasileiros recuperaram apenas em 1988, com a proclamação da Carta Constitucional.
“Eles conseguiram deter a divulgação desses dados”, disse o jornalista Fernando Gabeira à reportagem da Globo, ao comentar a manobra da ditadura. “Eles não queriam que a população se alarmasse com a epidemia e essa ideia de não querer que a população se alarme significa também deixá-la complementarmente despreparada para combater algo que a ameaça”, completou Gabeira.
A julgar pelos dados históricos, se o Brasil ainda vivesse numa ditadura, talvez não tivéssemos conhecimento das políticas errôneas de saúde e das mais de 685 mil mortes em consequência da pandemia de Covid-19. Em junho de 2020, primeiro ano da crise de saúde diante do novo coronavírus, o governo até ensaiou esconder os dados diários sobre casos e mortes confirmados, mas a informação foi garantida por um consórcio de veículos – formado por UOL, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, Extra e G1.
A diferença entre os anos de 1970 e os de agora está no regime democrático sob vigília da Constituição brasileira, que é clara: não existe censura institucional no país. Várias passagens da carta constitucional, que ficou conhecida como Constituição Cidadã, garantem não somente as liberdades de imprensa e de expressão, mas também as responsabilidades que as acompanham – ou seja, direitos e deveres. No seu artigo 5º, os incisos são claros, e vale a pena destacar alguns:
IV – “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”;
V – “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
IX – “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
A Constituição vai além e, em relação à censura, fica ainda mais explícita no primeiro e no segundo parágrafos do artigo 220: 1º) “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”; 2º) “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Pode parecer chato um texto que reproduz tantos artigos, incisos e parágrafos constitucionais, mas na verdade é mais do que necessário tornar público cada item da nossa Constituição, infelizmente ignorada por boa parte dos brasileiros.
Recente pesquisa da consultoria Quaest, encomendada pela Revista Justiça & Cidadania, revelou que 38% da população brasileira não sabe o que é a Constituição Federal. Quando somado com aqueles que sabem mais ou menos o que é e para que serve (43%), o índice de desconhecimento chega a assustadores 81%.
Para defender, é preciso conhecer. Não é diferente com a Constituição. Para proteger o estado democrático de direito e o exercício da cidadania, é necessário que as pessoas conheçam seus direitos e, com isso, seus deveres. Na medida em que não entendem e, pior ainda, estão indiferentes, o processo democrático se fragiliza.
No dia em que se comemora mundialmente a democracia, 15 de setembro, defender a Constituição brasileira é fundamental para garantir que não haja retrocessos. Seja levando ao conhecimento dos jovens, por meio da educação política nas escolas, seja em reportagens especiais, séries de TV, artigos e campanhas, promover a carta constitucional é uma das formas mais efetivas de afastar qualquer risco de enfraquecimento da própria democracia.
Patricia Blanco é presidente do Instituto Palavra Aberta