Dexametasona para tratamento da COVID-19

Publicado originalmente em COVID-19 DivulgAÇÃO Científica por Catarina Chagas. Para acessar, clique aqui.

Medicamento tem ação comprovada para pacientes com comprometimento pulmonar, mas não deve ser usado precocemente, nem em casos leves ou moderados – situação em que pode agravar o quadro da doença.

Uma das denúncias recebidas pelo aplicativo parceiro Eu Fiscalizo nos últimos dias tratava de uma postagem sobre a importância da dexametasona – um corticosteroide – para salvar vidas durante a pandemia de COVID-19. A informação parece fora de contexto: embora o medicamento venha sendo utilizado, com sucesso, em pacientes graves, não deve ser usado de forma profilática ou preventiva, e nem em casos leves da doença. Os especialistas que consultamos reforçam, também, os perigos da automedicação.

O médico Marcio Bittencourt, do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, explica que há vários corticoides no mercado, e que o próprio corpo humano produz esses hormônios. Nos medicamentos, usa-se doses mais altas dessas substâncias para, por exemplo, tentar modular a resposta imune do paciente.

Segundo o cardiologista Luís Correia, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, a dexametasona é uma medicação de benefício comprovado no caso de pacientes com COVID-19 internados por complicação respiratória, isto é, pacientes que estão precisando de suplementação de oxigênio ou mesmo ventilação invasiva. A evidência científica que embasa o uso da dexametasona é o estudo Recovery, realizado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, que testou diferentes medicamentos para o tratamento de pacientes hospitalizados. Em junho de 2020, a equipe divulgou um comunicado de imprensa informando que a dexametasona “reduz em até um terço a mortalidade entre doentes hospitalizados com complicações respiratórias graves da COVID-19”.

Correia, no entanto, ressalta que pacientes que não estão com sintomas de falta de ar não têm uma inflamação pulmonar importante e, assim, não seriam beneficiados pelo uso do corticoide, que é um anti-inflamatório. “É dar um remédio a quem não precisa”, avalia, sublinhando que, como qualquer fármaco, a dexametasona também pode causar efeitos colaterais e, portanto, a automedicação é contraindicada.

Para a biomédica Ana Paula Herrmann, do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, usar dexametasona de forma indiscriminada é desvirtuar o conhecimento que a ciência já gerou sobre a ação desse medicamento em pacientes com COVID-19.

“Os corticosteroides, em geral, inibem a resposta do sistema imune. Isso é importante na fase inflamatória da doença, quando a resposta do nosso organismo à infecção acaba sendo mais prejudicial do que o próprio vírus”, explica a cientista. “Essa resposta inflamatória exagerada pode acabar causando dano nos tecidos, e a dexametasona tem razão de ser usada para inibir essa fase inflamatória, quando o paciente já está em estado grave, necessitando de oxigênio suplementar”.

Herrmann também citou o Recovery para justificar por que não se deve usar a dexametasona em casos leves de COVID-19: o estudo apontou indícios de que, nesses pacientes, a dexametasona pode ser prejudicial. “Os corticosteroides não devem ser usados nas fases iniciais da doença, justamente porque vão inibir a resposta do sistema imune – a única arma que temos para combater o vírus no início da infecção”, aposta a biomédica.

Bittencourt concorda. “A medicação, usada na hora certa e do jeito certo, ajuda. Se usada na hora errada e do jeito errado, não só não ajuda, como atrapalha”, resume. “A automedicação precoce não faz nenhum sentido. Essa medicação deve ser usada, por indicação médica, nos casos mais complexos”.

Por fim, Herrmann ressalta a importância de diretrizes claras para guiar a atuação dos médicos no tratamento da COVID-19 no país: “Infelizmente, o que vemos é uma falta de protocolo. Qual é o critério específico que diz se um paciente deve ou não começar a fazer uso de dexametasona? No Brasil, não há muito consenso estabelecido e documentado, então, cada profissional acaba seguindo o seu próprio entendimento do que seja um tratamento adequado. Precisamos de um consenso e de um protocolo, de diretrizes terapêuticas para guiar o tratamento da COVID-19”.

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