Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta. Para acessar, clique aqui.
Patricia Blanco*
?: rawpixel.com | Freepik
O período eleitoral de 2022 foi marcado por uma avalanche de informações falsas que se mostraram muito mais sofisticadas e escancaradas do que as que contaminaram as eleições de 2018. Pesquisa do NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) revela que, no segundo turno, o Brasil registrou uma média de 311,5 mil mensagens falsas por dia. Mas não foi apenas no volume que se perdeu o controle. Na prática, vivenciamos a entrada de novos formatos de conteúdos desinformativos, que vão desde conteúdos totalmente falsos até aqueles construídos a partir de opiniões travestidas de fato e que sustentam e reforçam crenças, ideologias e teorias conspiratórias.
No ambiente totalmente polarizado, esse tipo de conteúdo ganhou força e jogou luz para um debate muito mais violento, passional e radicalizado, no qual o que menos interessa é a verdade dos fatos. Um bom exemplo disso foi a disputa encampada nas redes sociais, principalmente durante o segundo turno da eleição presidencial, que teve mais foco em temas morais e religiosos do que em propostas de políticas públicas e planos de governos.
Se em 2018 as fake news foram utilizadas para gerar a polarização e provocar medo, nas eleições de 2022 o objetivo foi consolidar ainda mais este cenário, além de atacar a credibilidade dos adversários, criar teorias conspiratórias e deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro. Além disso, a nova onda da desinformação tem servido para reafirmar processos de identificação social, ou seja, o indivíduo está mais interessado em conteúdos que validem o seu ponto de vista e do grupo ou comunidade do qual ele participa.
“A desinformação vem se complexificando ao longo dos anos. Então, o que a gente está vendo em 2022 é bem diferente do que a gente viu em 2018 em termos de complexidade e de estratégia”, disse a diretora do NetLab da UFRJ, Marie Santini, em entrevista à GloboNews.
O fato é que o uso da desinformação passou a fazer parte da estratégia oficial das campanhas. Material manipulado, recortes de vídeo tirando frases fora de contexto, um alerta ou uma insinuação qualquer, uma interpretação feita a partir de uma premissa falsa inundaram os aplicativos de mensagens e as redes sociais e chegaram a ser repercutidos em veículos de comunicação no Brasil.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), desde o início do período eleitoral deste ano até o dia 20 de outubro, houve um aumento de 1.671% no volume de denúncias de desinformação encaminhadas às plataformas digitais em comparação com as eleições de 2020. Além disso, houve a necessidade de 130 novos esclarecimentos e desmentidos sobre casos de desinformação em relação à lisura do processo eleitoral. Ainda segundo o TSE, cresceram também os episódios de violência política via redes sociais, que aumentaram 436% comparado ao período eleitoral de 2018.
Nas horas que antecederam o fim do segundo turno, o TSE retirou do ar 701 URLs (endereços eletrônicos) que estariam replicando informações falsas sobre as eleições deste ano. A corte também desativou cinco grupos de Telegram que, somados, propagavam fake news para mais de 580 mil participantes. O TSE suspendeu ainda 15 perfis de “grandes propagadores de fake news”, desmonetizou sete sites e barrou 354 impulsionamentos.
As “fake news 2.0” trazem desafios ainda maiores para todos aqueles interessados em combatê-las, uma vez que só o lado técnico não está resolvendo o problema. Lidar com esses novos formatos de desinformação exigirá ainda mais empenho e estudos, já que o que está em jogo é o desinteresse pela verdade factual e o interesse pela interpretação dos fatos a partir de vieses, valores pessoais, crenças e ideologias.
Neste sentido, é preciso entender que não há uma ação específica para enfrentar o problema, mas um conjunto de ações coordenadas e multifatoriais que devem ser empreendidas concomitantemente, de forma ampla e permanente. Não há bala de prata, existem sim algumas vacinas para combater a desinformação, entre elas a educação midiática de toda a sociedade e o fortalecimento do jornalismo profissional.
*Patricia Blanco é presidente do Instituto Palavra Aberta