Desinformação digital em rede: um negócio lucrativo

Por Arthur Coelho Bezerra¹

Diferentemente da língua portuguesa, o idioma inglês oferece três palavras para categorizar o que chamamos, genericamente, de desinformação: misinformation, disinformation e malinformation. O prefixo mis indica a ausência de algo ou alguém (como na palavra misunderstanding, que denota falta de entendimento), daí o termo ser usualmente compreendido como “informação incorreta”, aquela que alguém compartilha acreditando se tratar de algo verdadeiro. Já a “má informação” se refere a conteúdo verdadeiro (ao menos parcialmente) distribuído sem autorização, a fim de causar prejuízo a indivíduos ou instituições. Finalmente, disinformation seria o conteúdo falso que é produzido e distribuído com a intenção de enganar: “é a mentira deliberada, frequentemente utilizada para benefícios políticos e financeiros”². 

Esta última variação da desinformação é a que nos interessa investigar aqui – ou, mais especificamente, a que Marco Schneider chama de “desinformação digital em rede”, cujo potencial destrutivo é ampliado pela misinformation tanto quantitativamente, dado o alcance da comunicação digital, quanto qualitativamente, se considerarmos que “a informação inexata compartilhada entre pessoas que gozam de credibilidade recíproca – grupos familiares, amigos, correligionários etc. – amplia seu poder de convencimento e raio de alcance”³.  

Nas redes digitais, notícias falsas são compartilhadas por quem acredita nelas ou por quem as faz circular por má fé, interesse pessoal ou canalhice, e são refutadas, desmentidas e denunciadas por quem age em defesa da verdade dos fatos. Em ambos os casos, há interação dos usuários da rede com esse conteúdo, o que gera a produção de dados por meio de cliques, comentários, compartilhamentos e visualizações, dilatando o big data que serve de matéria-prima para os negócios das empresas proprietárias de plataformas da internet.

A ampla circulação de desinformação política, científica e ambiental na internet, aliada ao recrudescimento de comunidades virtuais terraplanistas, antivacinas e discriminatórias que financiam o impulsionamento de conteúdo desinformativo nas redes (isto é, pagam às empresas para que seus algoritmos privilegiem a visualização de suas postagens), gera um tipo de interação que é estimulada a partir de critérios subjetivos de relevância inscritos nos algoritmos que organizam a informação, sendo estes critérios definidos segundo o interesse comercial das corporações bilionárias proprietárias das plataformas digitais. Mais do que levantar dúvidas, esses fatos revelam as falácias a respeito de qualquer discurso de neutralidade técnica ou moral das plataformas. 

O novo regime de informação da era digital (ou seja, a circulação de informação em formato digital como o modo de produção informacional dominante de nosso tempo) comporta uma economia política da desinformação, que prospera mediante a exploração dos dados pessoais dos usuários para fins de manipulação ideológica. Um estudo de 2019 do Índice Global de Desinformação (GDI, na sigla em inglês) estima que a receita gerada por publicidade programática de 20 mil websites classificados pelo GDI como propagadores de desinformação alcançou US$ 235 milhões, sendo o Google Ads (a ferramenta de anúncios da Google) o maior serviço de mídia programática do mundo, presente em 70% das mencionadas páginas de desinformação – uma receita estimada em US$ 86,7 milhões para a empresa4. Outra pesquisa, do Massachusetts Institute of Technology, aponta que uma notícia verdadeira leva seis vezes mais tempo para atingir pessoas nas redes sociais do que as famigeradas fake news, que possuem uma probabilidade 70% maior de serem compartilhadas na internet5. 

Por apresentar maior potencial de interação, a desinformação se torna ainda mais lucrativa para as gigantes da tecnologia do que a circulação de notícias verdadeiras, o que propicia a criação de uma indústria da desinformação ao arrepio das garantias políticas conquistadas por países que se dizem democráticos. Como afirmo em um outro texto, escrito em parceria com Juliano Borges, “é preciso reconhecer que essa indústria da desinformação é parte integrante de uma cadeia de valor articulada a núcleos de distribuição e de financiamento de informações na internet”6. 

Nesse panorama, as corporações proprietárias de plataformas como Google, YouTube, Facebook e Twitter têm papel decisivo tanto na esfera da produção de desinformação, via financiamento, como na circulação desse conteúdo em suas redes sociais. A regulação das plataformas, por meio de um arcabouço jurídico que contemple o combate a esse mercado de desinformação, é o primeiro de muitos passos a serem dados na direção de um ecossistema digital mais seguro e saudável. 

1 – Pesquisador titular do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), vice-presidente do International Center for Information Ethics (ICIE) e membro da Rede Nacional de Combate a Desinformação (RNCD). 

2 – As três definições estão em Machado & Gitahy, 2022, p. 107. Cabe destacar que, além dessas definições não serem consensuais, há outros termos que gravitam no mesmo campo semântico, como deception e doxing (discutidos em Schneider, 2022), mas foge aos objetivos deste capítulo empreender uma espécie de taxonomia do assunto.  

3 – Schneider, 2022, p. 78.

4 – Martins, 2020, P. 22.

5 – Empoli, 2020, p. 78

6 – Bezerra & Borges, 2021, p. 181.

Referências 

Bezerra, A. C.; Borges, J. Sleeping Giants: a ofensiva moral dos gigantes adormecidos contra o novo regime de desinformação. Eptic On-Line (UFS), v. 23, p. 178-195, 2021.

Empoli, G. D. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2020.

Machado, D.; Gitahy, L. Desinformação (combate a). In: Szwako, J.; Ratton, J. L. Dicionário dos negacionismos no Brasil. Recife: Cepe, 2022. p. 107-110.

Martins, H. (Org.). Desinformação: crise política e saídas democráticas para as fake news. São Paulo: Veneta, 2020.

Schneider, M. A era da desinformação: pós-verdade, fake news e outras armadilhas. Rio de Janeiro: Garamond, 2022.

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