Desinformação científica é um problema público que atravessa fronteiras

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Sociedade | Educação para as relações em plataformas digitais e redes sociais, letramento midiático e aproximação de jornalistas e cientistas com a população estão entre as medidas recomendadas para o combate às informações falsas

*Foto: Freepik

De cada 10 brasileiros, cinco se deparam frequentemente com notícias que parecem inverídicas. Além disso, 36,5% admitem já ter compartilhado informações falsas com amigos, parentes ou na internet, independentemente de suspeitarem de sua veracidade. Os dados são da edição 2023 da pesquisa Percepção Pública da C&T no Brasil, que ouviu 1.931 pessoas com 16 anos ou mais de todas as regiões do país.

Desenvolvida com o objetivo de conhecer a visão, o interesse e o grau de informação da população em relação à Ciência e Tecnologia, a pesquisa é realizada desde 2015 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) a partir de série histórica iniciada em 1987. O CGEE é uma organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e, nesse estudo, contou com a colaboração do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) e com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A pesquisa do CGEE aponta que a pandemia de covid-19 representou um marco para a mudança de comportamento em relação ao consumo de informação das e dos brasileiros. Até 2015, o meio mais utilizado era a televisão. Após a pandemia, redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas digitais, que já vinham crescendo na preferência, consolidaram-se como a principal fonte para a busca de notícias sobre Ciência e Tecnologia, utilizada por 39,8% das e dos entrevistados. Entre as de maior destaque estão Instagram, Facebook, YouTube e WhatsApp, citadas por 73% das pessoas ouvidas.

Conforme os dados, a checagem de informação é uma prática pouco frequente entre o público e se relaciona fortemente com a escolaridade. A prática é menor entre as pessoas que vivem em área rural e varia, também, de acordo com a religião e a região de moradia.

O fenômeno da desinformação entre brasileiros e brasileiras também foi tema de pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, voltado ao desenvolvimento de estratégias para empresas, marcas e instituições interessadas em se identificar com seus públicos. Esse estudo aponta que 88% da população brasileira maior de 18 anos já acreditou em algum tipo de desinformação relacionada à venda de produtos, propostas eleitorais, políticas públicas, escândalos envolvendo políticos e conteúdos mentirosos sobre economia, segurança pública e sistema penitenciário.

Na opinião das pessoas entrevistadas, os maiores riscos que a desinformação traz são a eleição de maus políticos, danos à reputação de alguém, medo em relação à segurança e prejuízo à saúde. O estudo relata que 35% das pessoas que se perceberam enganadas se sentiram ingênuas, 31% ficaram com raiva e 22% tiveram vergonha. Outro dado interessante é sobre a disseminação de conteúdo: 24% das pessoas entrevistadas dizem já ter sido acusadas de propagar notícias falsas por quem discordava de sua opinião.

Mas afinal, o que é desinformação?

O conceito de desinformação engloba uma série de práticas para além da produção e disseminação de notícias falsas ou fake news. Entende-se como desinformação a utilização das técnicas de comunicação e informação para induzir ao erro ou dar uma falsa imagem da realidade por meio da supressão ou da ocultação de informações, da minimização de sua importância ou da modificação de seu sentido, com o objetivo de influenciar a opinião pública e proteger interesses privados.

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) entende a desinformação como um fenômeno que transcende fronteiras geográficas e áreas de conhecimento. Ela afeta a capacidade das pessoas de tomar decisões informadas e impacta na sua confiança em instituições científicas governamentais. Desde o ano passado, a ABC possui um grupo de trabalho específico para estudar o fenômeno, e o primeiro relatório produzido sobre o tema foi coordenado pelos pesquisadores Glaucius Oliva (USP), Ruben Oliven (UFRGS), Roberto Lent (UFRJ), Virgilio Almeida (UFMG) e Thaiane Oliveira (UFF).

Um fenômeno mundial impactado pela inteligência artificial

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também publicou em junho de 2024 a pesquisa Truth Quest, que mede a capacidade das pessoas em 21 países de identificarem conteúdo online falso e enganoso. O Brasil obteve o pior índice, 54%, enquanto a Finlândia teve o melhor desempenho geral, com 66% de acertos na análise da veracidade do conteúdo. O estudo aponta que os países da América Latina precisam melhorar sua alfabetização em redes sociais. Outra observação é a de que na América Latina mais de 85% das pessoas obtêm notícias das redes sociais, em contraste com menos de 60% na Alemanha, Japão e Reino Unido, por exemplo.

Os dados revelam que a capacidade de analisar a veracidade das informações foi maior nos países em que menos se consomem notícias das redes sociais. Além disso, a veracidade do conteúdo gerado por inteligência artificial foi mais facilmente identificada (68% de precisão) do que no conteúdo gerado por humanos. Para Ana Regina Rêgo, professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o enfrentamento à desinformação deve estar aliado ao letramento para os usos de Inteligência Artificial (IA). “Hoje em dia se vê cada vez mais conteúdos gerados por IA”, destaca a coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD).

Formada em 2019 a partir da pesquisa de Ana Regina, a RNCD é um coletivo de iniciativas acadêmicas, profissionais e ativistas que produzem e apresentam soluções para enfrentar boatos, narrativas enviesadas e falsidades.  A pesquisadora chama atenção para a questão da ética. Em ensaio publicado em janeiro deste ano na revista Organicom, vinculada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), ela reflete sobre as plataformas digitais e o fenômeno da desinformação. “Em grande medida, as IAs são alimentadas por agências com sedes no Hemisfério Sul que pagam valores irrisórios aos profissionais (turkers) que as alimentam. Outro fator preocupante se refere ao repasse para os modelos de linguagem generativa de vieses preconceituosos, que reverberam machismo, misoginia, fascismo, LGBTfobia, xenofobia, entre outros aspectos capazes tanto de gerar textos desinformativos como discurso de ódio”, ressalta.

Ana Regina analisa que essa transferência de preconceitos arraigados no contexto social é um dos principais motivos tanto de desconfiança em relação às IA quanto de preocupação no que concerne ao potencial de gerar discurso discriminatório.

“O caminho não é se contrapor às tecnologias que chegam numa velocidade cada vez maior, mas procurar alternativas viáveis de diálogo e negociação com tais estruturas tecnomercadológicas por meio da regulação e do desenvolvimento de plataformas digitais alternativas e nacionais, e que possam fazer frente às big techs, que se colocam no cenário geopolítico mundial como paraestados”

Ana Regina Rêgo

Muitas das redes sociais, como o Instagram, permitem que um conteúdo postado por um usuário seja identificado como gerado por Inteligência Artificial. No entanto, essa iniciativa deve partir de quem posta, pois não há uma fiscalização sobre isso. “Pensar sobre o desenvolvimento e os usos possíveis para a Inteligência Artificial no meio comunicativo requer adoção de princípios éticos que representem o respeito social a partir de um ambiente tecnomercadológico que esteja a serviço da sociedade, e não o contrário”, recomenda Ana Regina.

Ciência versus desinformação

documento publicado pela ABC em junho de 2024 define como desinformação científica a disseminação de informações falsas, enganosas ou imprecisas sobre questões científicas, frequentemente relacionadas aos temas saúde, ambiente ou tecnologia. Trata-se de conteúdo projetado para apelar às emoções, às crenças pessoais e aos preconceitos, sem base em evidências sólidas.

A desinformação científica é apontada como uma prática que frequentemente explora pontos vulneráveis da sociedade, criando um ambiente propício para a disseminação de informações falsas, teorias da conspiração e fake sciences. Estas, um subconjunto da desinformação científica que procura emular a credibilidade de uma pesquisa legítima, mas que, na realidade, não segue os princípios da metodologia científica, é conduzida com viés ou intenções enganosas. Um dos exemplos recentes de fake sciences é a indicação de hidroxicloroquina e de ozonioterapia para o tratamento precoce da covid-19.

Ana Regina Rêgo destaca que, conforme pesquisa desenvolvida pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma desinformação tem potencial 70% maior de viralizar do que uma informação correta. “De forma orgânica, uma desinformação chega a 100 mil pessoas, enquanto uma informação alcança até mil. Isso ocorre porque o modelo de negócios das plataformas permite impulsionar, ou seja, recomenda esse tipo de conteúdo por meio de algoritmos, com base em outros conteúdos que uma pessoa consome”, explica.

Segundo glossário da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ‘alcance orgânico’ é uma expressão utilizada no marketing digital para descrever o número de pessoas que visualizam um conteúdo de forma não paga, ou seja, sem a necessidade de que o produtor invista em anúncios. Para se entender como o alcance orgânico opera, é preciso compreender o funcionamento dos algoritmos dos mecanismos de busca, como o Google. Esses algoritmos são responsáveis por classificar e exibir os resultados mais relevantes das pesquisas dos usuários. Quando uma pessoa realiza uma busca, o algoritmo analisa diversos fatores, como a qualidade do conteúdo, a relevância para a pesquisa e a autoridade do site. Com base nesses critérios, determina quais resultados serão exibidos.

“Os algoritmos nos conhecem melhor do que nós mesmos. Então uma plataforma digital não só nos coloca em contato com determinado tipo de conteúdo como também o recomenda e monetiza. Como apela para as emoções e tem um viés de confirmação de crenças, a desinformação é um tipo de conteúdo muito viral, muito compartilhável. Vimos isso durante a pandemia”

Ana Regina Rêgo

A coordenadora da RNCD considera uma falácia o pensamento de que a inteligência artificial resolverá os problemas da humanidade. “Eu acho que está aprofundando os problemas, inclusive aqueles na produção e difusão do conhecimento. Nós temos no Brasil mais de 30 milhões sem acesso à internet e mais de 86 milhões com internet precária. Se a pessoa não tem condições de pagar um pacote mínimo de dados ou se vive com salário mínimo, como vai ter condição de checar alguma coisa que nem sabe que existe?”, pergunta.

Ana Regina pontua que as tecnologias não são neutras. Por isso necessitam de regulamentação. “A RNCD tem um grupo muito grande de coletivos da sociedade civil e da Academia que acompanha e atua pela regulação das plataformas e da Inteligência Artificial. No ano passado, tivemos um trabalho muito grande em torno do Projeto de Lei n.º 2630/2020 [conhecido por seus apoiadores como PL das Fake News e por seu opositores como PL da Censura], que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, fez o favor de botar para dormir e estamos tentando reaver. Está difícil agora por conta das eleições. Também há o PL n.º 2338/2023 que dispõe sobre a Inteligência Artificial. Então não temos só pesquisadores, mas também ativistas.”

A ABC enfatiza o apelo emocional como característica distintiva das mensagens de desinformação. Destaca que técnicas baseadas em IA para a verificação automática de fatos podem incluir o reconhecimento de emoções nos componentes textuais ou visuais da desinformação. “A IA pode desempenhar tarefas como determinar se o texto expressa uma emoção específica (raiva, medo, tristeza ou alegria); identificar a polaridade do texto (se é positiva, negativa ou neutra) em uma tarefa comumente chamada de análise de sentimento; estabelecer a posição do texto em relação a algum aspecto (como a polaridade em relação a um determinado assunto ou se o texto contém uma opinião favorável ou contrária a esse assunto); identificar se o texto possui apelo emocional, entre outras possibilidades”, indica o documento “Desafios e estratégias na luta contra a desinformação científica”.

No caso das informações visuais, o objetivo da IA empregada no combate à desinformação é identificar automaticamente se a imagem contida na notícia apresenta apelo emocional ou se a imagem de uma pessoa demonstra algum tipo de emoção. “Entretanto, é preciso considerar que identificar aspectos emocionais isoladamente a partir de informações textuais e visuais é uma tarefa altamente sujeita a erros. A percepção e a compreensão de pistas emocionais em indivíduos requerem tempo de interação, conhecimento da pessoa, histórico, personalidade e outras características que não estão presentes em textos ou imagens, como tom de voz, gestos e pistas corporais”, salienta a ABC.

A entidade enfatiza que os métodos de IA devem ser usados com cautela e rigor antes que suas respostas sejam consideradas verdadeiras. “Quando utilizados por indivíduos mal-intencionados, esses métodos podem ser características frequentemente encontradas na desinformação. É, portanto, essencial desenvolver estratégias que evitem a disseminação indiscriminada de dados gerados por IA e promover o desenvolvimento de ferramentas para identificação e marcação de conteúdo gerado por máquinas”, sinaliza o documento.

Desenvolvimento de competências infocomunicacionais

Além da regulação e da checagem de fatos, a Academia Brasileira de Ciências recomenda como forma de enfrentamento à desinformação científica o letramento e a educação midiática e informacional. Integrada a esse cenário, a professora do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCIN/UFRGS) e da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) Jussara Borges de Lima coordena o projeto “Educação para a informação: uma proposta de enfrentamento à desinformação”. 

Líder do Grupo de Pesquisa em Comportamento e Competências Infocomunicacionais (InfoCom), Jussara destaca que a desinformação é um dos problemas mais agudos da atualidade. Para ela, em uma sociedade de prosumidores, se faz necessária uma apropriação saudável e ética da informação. Desenvolvido no âmbito do marketing para dar conta das mudanças ocasionadas pelas redes sociais e plataformas digitais, o conceito de prosumidor reúne produtor e consumidor de conteúdos em uma mesma pessoa.

“Nós deixamos de ser meramente consumidores de conteúdo. A gente está produzindo conteúdo sem se dar conta. No momento em que você clica ou dá um like está produzindo conteúdo, nem que seja para uma empresa que pagou um algoritmo. Trata-se de um comportamento de consumidor que não quer apenas consumir, mas dar o retorno. É como diz o pesquisador André Lemos: as pessoas não querem mais só assistir ao espetáculo. Elas querem participar, elas querem fazer o espetáculo”

Jussara Borges de Lima

Jussara enfatiza que há uma série de pesquisas orientadas para a compreensão do fenômeno das fake news e dos mecanismos de checagem, mas poucas para o enfrentamento à desinformação. A pesquisadora trabalha há 15 anos com a ideia de competências infocomunicacionais, buscando imprimir um viés mais crítico ao consumo de informações. “Ou seja, não só ensinar as pessoas a buscarem fontes seguras, mas também a refletirem sobre isso: por que essa fonte é melhor? Por que eu preciso avaliar a informação? Por que a veracidade é importante?”.

Como professora na Fabico, ela observa a dificuldade que as e os estudantes têm de introduzir um conteúdo autoral mais criativo. “Muitas vezes estes vêm de uma formação em que os trabalhos escolares estavam muito afeitos ao ‘copia e cola’. Quando eu coloco uma questão para resolverem de forma criativa, encontram dificuldades do tipo ‘onde é que eu encontro a resposta?’. Sempre digo que têm que desenvolver, que criar essa resposta; ela ainda não existe.”

O projeto coordenado por Jussara está ancorado na premissa pesquisa, ensino, extensão e inovação. “O que a gente, na universidade, pode fazer? Como promover essa educação para a informação? Como é que a gente pode transformar isso numa política pública que chegue para mais pessoas?” A partir dessas indagações, seu grupo de pesquisa trabalha no âmbito da extensão com um curso voltado a bibliotecários, arquivistas, comunicadores e estudantes, com turma prevista para outubro deste ano.

Outras edições da formação, que ocorre de dois em dois anos, tiveram as vagas rapidamente esgotadas, o que aponta uma demanda reprimida. “Além das questões do conteúdo da informação, as aulas também abordam a relação das pessoas com o conteúdo, com o sentido. Trabalham a colaboração até aspectos mais, digamos, dirigidos. Por exemplo, como lidar com discursos de ódio, como articular uma comunicação não violenta. O curso incide sobre essas competências no âmbito da comunicação”, informa.

A professora lembra que a desinformação é uma coisa que sempre existiu e que tomou proporção e impactos maiores com a internet. “Já tivemos eleições definidas por desinformação. No âmbito econômico, há pesquisas que demonstram que o Brexit [sigla que representa a saída do Reino Unido da União Europeia] foi uma decisão grandemente amparada em desinformação. No campo sanitário, pessoas morreram em função de desinformação sobre a covid-19. Isso em nível macro”, afirma. “Em nível micro, eu acho que todos nós participamos daqueles grupos de WhatsApp da família nos quais as relações foram quebradas porque a ali se colocou mentira, engodo, difamação e calúnia. Enfim, gerou uma série de conflitos que impactaram relações, vidas”, completa.

Ao final de cada edição do curso de extensão foram realizadas avaliações com as e os participantes. Esses retornos demonstram mudanças não apenas nas relações com conteúdos e pessoas, mas em relação a seu papel social nesse contexto. “As e os profissionais e estudantes que participam da extensão começam a perceber que podem ser educadores também e que isso tem importância no meio em que vivem, trabalham e atuam”, revela Jussara.

“Nossas vagas se esgotam em duas horas, têm muita procura. Ou seja, a sociedade está percebendo a necessidade, e a gente não consegue atender. Precisamos de uma política pública que comece pelas crianças do Ensino Fundamental e alcance todos os públicos. As pessoas que hoje são maduras, idosas, também precisam de formação nesse sentido porque são grandes vítimas inclusive da desinformação”

Jussara Borges de Lima

Nesse sentido, a pesquisadora destaca a Estratégia Brasileira de Educação Midiática (EBEM) como uma iniciativa de política pública federal interessante, apesar de sua nomenclatura. “A educação não é para as mídias e, sim, para o conteúdo e para as relações intermediadas nessas mídias. Mas todos os caminhos são importantes e não podemos abdicar deles: sejam pesquisa, extensão, popularização da ciência ou política pública.”

Jussara acredita nas atividades de extensão como elo entre cientistas e comunidade. “É importante não só para levar soluções, mas para aprendermos com a própria comunidade. Isso porque as pessoas também estão encontrando soluções na sua realidade e no seu contexto”, frisa. Sobre a ideia de popularização da ciência, destaca o papel de atores que traduzem a linguagem científica para uma linguagem que fale a língua da população e a necessidade de mais investimentos e iniciativas educacionais disponíveis para a comunidade geral.

Produzir informação não basta

Fábio Pereira, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) e da Université Laval, de Quebec, Canadá, atenta para as distâncias entre a ciência e a sociedade. Para ele, é necessário que o jornalismo repense suas noções de públicos não apenas com vistas ao combate à desinformação, mas também com o objetivo de aproximar as pessoas do conhecimento científico produzido e de restabelecer sua confiança. A partir de suas pesquisas, ele observa que os discursos que tendem a dizer que a ciência está em crise não se confirmam na realidade. “O que começamos a perceber é que a ciência é importante, sim, ela participa no cotidiano das pessoas, faz parte das tomadas de decisão”, afirma.

Especialista em jornalismo científico, Fábio salienta que a questão é o conteúdo. Ou seja, as pessoas realmente querem saber sobre uma ciência mais próxima dos seus cotidianos. “Como transmitir bem a ciência, como transmitir de forma simples o que os cientistas estão fazendo, como levar as pessoas a conhecer a estrutura do campo científico? Precisamos também fazer esse movimento de entender o que aquela audiência está querendo em termos de informação científica para que ela possa voltar a se informar pelo jornalismo”, pondera.

Reconectar-se com o público pressupõe que ele é variado e tem diferentes níveis de adesão ao tema. O pesquisador sublinha que, no caso da popularização da ciência, há pelo menos três tipos de audiência: “Temos um público num sentido mais estrito, que é aquela pessoa de fato apaixonada pela ciência, que vem de um processo de socialização que proporciona isso. Usamos o termo ‘amador’, não no sentido da pessoa que faz uma prática amadora, mas que ama aquele conteúdo. Este é de fato o público que se reconhece como ‘da ciência’”.

Também há aquele público que busca a ciência por sua utilidade no cotidiano, como o que se interessa por informações sobre saúde, por exemplo. O terceiro tipo é representado por aqueles que se informam em momentos de crise, como a pandemia ou o aquecimento global. “É um público que precisa entender aquilo que está acontecendo, mas que nunca se interessou por ciência antes”, diz Fábio.

O pesquisador salienta que as pessoas que têm uma relação mais periférica com a informação científica e com o jornalismo científico são as mais suscetíveis às armadilhas da desinformação. Para ele, se faz necessário tanto por parte da Academia quanto dos jornalistas um movimento de aproximação.

“Precisamos, de fato, fazer esse movimento de restituir a ciência à sociedade. Na hora de divulgar, temos de pensar não apenas no valor que uma descoberta tem no interior do próprio campo científico, mas entender no que afeta ou não as vidas das pessoas, quais são os jogos e dinâmicas sociais que participam da produção desse conhecimento”, analisa.

“Os cientistas, sobretudo, têm uma visão muito autoritativa da ciência: ‘eu descobri, então é importante’. A produção do conhecimento participa também da dinâmicas sociais. A escolha do pesquisador pelo seu tema, do que recebe financiamento, é absolutamente social. E esse tipo de dinâmica social é escondida na divulgação dos resultados, que acabam aparecendo como mérito individual de uma equipe”

Fábio Pereira

Para Fábio, a restituição das condições de produção da ciência e a exposição dos efeitos que isso tem na sociedade humaniza esse processo. “É uma forma de dizer que nós, cientistas, não somos um grupo deslocado da sociedade. Somos trabalhadores, sentimos que somos trabalhadores como vocês”.

Em relação aos perfis de pessoas negacionistas ou dadas a complôs e teorias da conspiração, o pesquisador observa que são mais minoritários do que se percebe. “Uma pesquisa realizada por um colega da Université Laval em parceria com uma emissora de rádio do Canadá analisou comentários da audiência no Facebook durante a pandemia. Ele descobriu um comportamento interessante: os próprios usuários corrigiam as informações negacionistas ou com viés conspiratório. Boa parte das pessoas que estavam lá comentando trabalhava dentro de uma lógica de procurar consenso”, relata. “Isso demonstra que nós, jornalistas e, de certa forma, as e os cientistas, temos uma visão estereotipada, um pouco negativa em relação a capacidade das pessoas de entender o que está acontecendo”, alerta.

O segundo ponto trazido pela pesquisa é que boa parte do público quer ser ouvida, participar da conversa com o jornalista e o cientista e se conectar com esses produtores de informação. “Nós, jornalistas, fomos treinados para produzir informação. Achamos que a crise de credibilidade decorre da falta de informação e conclui que as pessoas não estão lendo. Tem informação demais e ninguém aguenta tanta informação. Então precisamos prever nesses espaços de interação, momentos de troca com a audiência como uma forma de tentarmos ouvi-la”, conclui.

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