Desigualdade, violência e precarização: não é fácil ser uma mulher jornalista

Publicado originalmente ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Natália Huf
Doutoranda no POSJOR-UFSC e pesquisadora do objETHOS

Apesar da crescente feminização da profissão, gênero ainda é uma questão quando se trata de paridade salarial, acúmulo de funções e crescimento na carreira

Nas últimas décadas, as mulheres têm conquistado cada vez mais espaço no jornalismo brasileiro, e já são maioria entre os profissionais da área: segundo dados da Pesquisa do Jornalista Brasileiro 2021, elas são 57,8%, e informações da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) apontam que, em 2021, eram 49,9% dos jornalistas empregados com carteira assinada. Contudo, essa presença em ascensão não significa necessariamente uma melhora nas condições de trabalho, na redução de estereótipos de gênero e na equidade salarial, bem como em questões como equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Na semana do 8 de março, data que marca o Dia Internacional da Mulher, levanto uma pauta que não é nova, mas que ainda precisa ser discutida no âmbito profissional e acadêmico do jornalismo.

Para não ficar apenas no lado ruim da coisa, é importante ressaltar que a presença de mais mulheres na imprensa – inclusive sendo elas mais jovens do que os colegas homens, como aponta a pesquisa do Perfil – é um dos fatores que contribui para uma certa “renovação” nas pautas e nos olhares. As alterações quantitativas no perfil profissional se manifestam também qualitativamente (Fidalgo, 2004) e, ao longo dos anos, testemunhamos um progresso significativo, com profissionais femininas assumindo (mesmo que aos poucos) papéis de liderança, conduzindo investigações inovadoras e deixando sua marca em diversas áreas do jornalismo.

Porém, apesar dos avanços, precisamos reconhecer que as mulheres jornalistas ainda enfrentam obstáculos substanciais, especialmente no que diz respeito à discriminação e desigualdades salariais persistentes. Pelo menos no Brasil, talento, competência e qualificação não bastam para que uma profissional mulher consiga ter seu salário equiparado ao de homem, e pode-se perceber que o prestígio e a recompensa estão diretamente vinculados ao gênero do profissional (Pontes, 2017; Veiga, 2012). Isso já era visto na primeira edição da pesquisa do Perfil, realizada em 2012, e, uma década depois, o cenário persistiu: Nicoletti, Kikuti e Mick (2023) apontam que, apesar de uma ligeira melhora na renda média das jornalistas mulheres, em 2021, apenas 37,4% recebiam mais do que cinco salários mínimos (R$ 5.500,00), valor considerado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) como o mínimo para custear as despesas básicas para viver no Brasil. Entre os homens, a porcentagem era de 45,5%.

Quando se fala em jornada de trabalho, a situação também não é das melhores: muitas vezes, se assemelha a um malabarismo constante, em que todos os dias é necessário provar a  habilidade de equilibrar carreira com as responsabilidades domésticas e familiares. Não à toa, em 2022, o colega Dairan Paul definiu a profissão de jornalista como uma que “expulsa” as mulheres:

Conforme atesta Felipe Pontes, “o jornalismo é uma profissão que tende a privilegiar os solteiros. E esse filtro dos que permanecem no jornalismo é mais estreito para as mulheres”. Isso porque o salário baixo reduz as expectativas de que constituam famílias; quando conseguem, isso se torna um problema, já que “[elas] tendem a não ver espaço nas hierarquias mais bem remuneradas do jornalismo – simbólica e materialmente dominada por homens”.

(PAUL, 2022, N.P.)

Em um contexto sociocultural que ainda espera que as mulheres desempenhem papéis tradicionais em casa, as jornalistas se veem, portanto, desafiadas a gerenciar prazos apertados, coberturas urgentes e a constante demanda de estar conectadas, enquanto simultaneamente conciliam suas vidas domésticas. Essa sobrecarga de funções não apenas exige resiliência, mas também destaca a necessidade de estruturas de apoio e políticas organizacionais – convênios das empresas com berçários, creches e escolas, estrutura de apoio para profissionais que são mães, flexibilidade de horários em plantões de final de semana, entre outras – que reconheçam essas complexidades.

No dia a dia de trabalho, há ainda o acúmulo de funções. Embora esse não seja um problema exclusivo das mulheres jornalistas, visto que cada vez mais o mercado espera que os profissionais sejam multitarefa, contratando apenas um para fazer o trabalho de vários, a pressão constante no ambiente de trabalho, somado às exigências externas, pode levar as profissionais a altos níveis de estresse, ansiedade e exaustão. Isso traz grandes consequências para suas carreiras, mas também para a saúde física e mental. Para citar alguns exemplos, o estresse decorrente da gestão simultânea das crescentes demandas profissionais e pessoais; a falta de tempo para aprimoramento profissional, participação em treinamentos ou desenvolvimento de novas habilidades; e, em casos mais extremos, o peso desse acúmulo leva algumas profissionais a considerarem a desistência da profissão ou a migração para outras atividades, como as assessorias de imprensa.

Há ainda muito que se poderia falar sobre a experiência e as vivências das jornalistas mulheres no Brasil. Precarização, desigualdade e violência são cotidianas, com algumas melhorias aqui e ali, mas um contexto geral ainda bastante desanimador. Reconhecer esse cenário é o primeiro passo para uma mudança de mentalidade e cultura nas organizações, de modo que as profissionais possam ter a oportunidade de crescer em suas carreiras e manter o equilíbrio entre o trabalho e a vida privada.

Referências

FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas. Maioria dos jornalistas empregados formalmente são mulheres, brancos e com idade entre 30 e 39 anos. FENAJ, 2024. Disponível em: https://fenaj.org.br/maioria-dos-jornalistas-empregados-formalmente-sao-mulheres-brancos-e-com-idade-entre-30-e-39-anos/#:~:text=Os%20jornalistas%20brasileiros%20empregados%20com. Acesso em: 3 mar. 2024.

FIDALGO, J. Jornalistas: um perfil socioprofissional em mudança. Comunicação e Sociedade, [S. l.], v. 5, p. 63, 2004. DOI: 10.17231/comsoc.5(2004).1246. Disponível em: https://revistacomsoc.pt/index.php/revistacomsoc/article/view/1238. Acesso em: 3 mar. 2024.

LIMA, S.; MICK, J.; NICOLETTI, J. (Coord.). Perfil do Jornalista Brasileiro 2021: características sociodemográficas, políticas, de saúde e do trabalho. Florianópolis: Quorum Comunicações, 2022. Disponível em: https://perfildojornalista.paginas.ufsc.br/files/2022/06/RelatorioPesquisaPerfil. Acesso em: 3 mar. 2024.

NICOLETTI, J.; KIKUTI, A.; MICK, J. A precariedade tem gênero? Condições de trabalho, saúde e violências das jornalistas brasileiras. In: BARROS, J. V.; NICOLETTI, J.; LIMA, S. P. (Orgs.) O trabalho de jornalistas no Brasil: Desigualdades, identidades e precariedades. Florianópolis: Editora Insular, 2023. p. 67-88.

PAUL, D. Jornalismo, uma profissão que expulsa mulheres. objETHOS – Observatório da Ética Jornalística. 2022. Disponível em: https://objethos.wordpress.com/2022/11/21/jornalismo-uma-profissao-que-expulsa-mulheres/. Acesso em: 3 mar. 2024.

PONTES, F. S. Desigualdades estruturais de gênero no trabalho jornalístico: o perfil das jornalistas brasileiras. E-Compós, [S. l.], v. 20, n. 1, 2017. DOI: 10.30962/ec.1310. Disponível em: https://e-compos.org.br/e-compos/article/view/1310. Acesso em: 3 mar. 2024.

VEIGA, M. Gênero: um ingrediente distintivo nas rotinas produtivas do jornalismo. Estudos em Jornalismo e Mídia, Florianópolis, v. 9, n. 2, p. 490-505, 2012. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/article/view/1984-6924.2012v9n2p490. Acesso em: 3 mar. 2024.

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