Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.
É inegável que hoje temos muito mais informações disponíveis sobre qualquer assunto, e muitas delas ao alcance de apenas um clique. Mas isso não significa que todas tenham qualidade e sejam, portanto, confiáveis. Também não é verdade que estejam distribuídas de forma homogênea, chegando a todos os estratos da nossa sociedade e refletindo suas respectivas demandas. Por mais contraditório que pareça, o cenário de infodemia em que nos encontramos também é repleto dos chamados desertos de notícias, um entrave para sistemas democráticos – e que fica ainda mais evidente em períodos eleitorais.
O termo, bastante difundido entre jornalistas, empresas de comunicação e entidades da área, serve para descrever conjunturalmente regiões onde não há cobertura jornalística local. Ou seja: desertos de notícias são áreas que não contam com a investigação, apuração e publicação de informações relevantes para as comunidades que ali vivem, que acabam relegadas muitas vezes apenas ao noticiário nacional.
A ausência de jornalismo local é um problema maior do que parece. Além de não verem suas pautas representadas e divulgadas, como forma de pressionar o poder público a solucioná-las, as populações que vivem nesses territórios acabam sem conhecê-lo em sua totalidade. Por mais que o olhar jornalístico tenha critérios editoriais e, portanto, perspectivas ao retratar (e denunciar) a realidade, não há dúvidas sobre a sua importância para a conscientização de cidadãos e cidadãs sobre questões sociais, direitos civis e políticas públicas.
De acordo com a última edição do Atlas da Notícia, divulgada em fevereiro deste ano, 47% dos municípios brasileiros têm ao menos um veículo jornalístico. Apesar da taxa representar quase a metade do País, o documento alerta para o fato de que algumas dessas cidades são consideradas “quase desérticas”, pois possuem uma ou duas empresas de comunicação, situação considerada delicada do ponto de vista do acesso à informações qualificadas. Ao todo, 29% da nossa população vive em desertos ou quase desertos de notícia, o que representa cerca de 61 milhões de habitantes.
Ainda que não estejamos vivenciando uma eleição municipal, o voto para os cargos legislativos e executivos estaduais também deve levar em conta questões regionais, ainda mais quando se trata de regiões socioeconomicamente vulneráveis, como algumas localidades do Norte e Nordeste do Brasil.
Apesar dos dados do Atlas da Notícia mostrarem uma melhora recente — 71 municípios nordestinos deixaram a classificação de desertos de informação, por exemplo —, é impossível ignorar os riscos a que essas localidades estão submetidas, especialmente em tempos conectados com alta disseminação do que chamamos de “fake news”, que podem ocupar esses vácuos, prejudicando o senso crítico e, consequentemente, a escolha nas urnas no próximo pleito eleitoral.
É preciso destacar que, mesmo midiaticamente educado, o cidadão que vive numa região classificada como desértica em termos de jornalismo profissional não consegue se informar de maneira suficiente simplesmente porque não há informação de qualidade disponível sobre sua comunidade. Ainda que evite a desinformação, o acesso a conteúdos que conversem com o seu contexto cultural e econômico é escasso.
Por isso, é fundamental que iniciativas de jornalismo cidadão e local sejam fortalecidas, dentro e fora dos veículos tradicionais. Linhas editoriais também devem ser repensadas de forma a aproximar leitores, ouvintes e telespectadores do fazer jornalístico por meio de pautas que efetivamente os representem. Se o voto é uma das maiores expressões cidadãs dentro de um regime democrático, a difusão de informação localizada e precisa é imprescindível para que ele seja concedido de forma consciente.
Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta