Deputado evangélico, Jair Bolsonaro e outros políticos extremistas usam mídias para confundir sobre dados do desmatamento na Amazônia

Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Viviane Castanheira. Para acessar, clique aqui.

O deputado federal evangélico Fausto Santos Jr. (UNIÃO – AM) publicou em suas mídias sociais vídeo que dissemina desinformação sobre a questão do desmatamento na Amazônia. O deputado usou manchetes de jornais sobre o aumento das queimadas na região para refutar dados divulgados pela Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva, no discurso que ela fez, em 2 de dezembro, na 28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (COP28), que acontece entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Imagem: Reprodução do Instagram

O vídeo também foi publicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro que reforçou a ideia de que a ministra estaria mentindo. Além deste vídeo, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL MG) e o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) também fizeram postagens questionando a aparente contrariedade entre o aumento das queimadas e a diminuição do desmatamento na floresta amazônica, levando seus seguidores a acreditarem que Marina Silva havia mentido em seu discurso na COP28. 

Imagem: Reprodução do Instagram

Queimadas X Desmatamento

Entretanto, conforme Bereia já explicou em checagem anterior, publicada em 25 de setembro de 2023, existe uma diferença entre o sistema de medição das queimadas e de desmatamento realizada pelos institutos de pesquisas que monitoram esses dados. 

De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), as queimadas têm diferentes causas na Amazônia: fogo de manejo agropecuário – empregado por produtores rurais para limpar o terreno de pragas e renovar o solo, principalmente em áreas de pastagem; fogo de desmatamento recente – esse intrinsecamente ligado à derrubada da floresta, pois é a forma mais barata de eliminar a vegetação recém retirada, além das cinzas ajudar a nutrir o solo para o plantio de pasto; e os Incêndios florestais – onde o fogo pega a floresta viva, espalhando-se rapidamente pelas folhas secas depositadas no solo. 

Já o desmatamento é a remoção de florestas do solo, ou conversão de floresta, ou seja, mudança do ambiente florestal para outro uso da terra, como pastagens e agricultura. Portanto, nem todo foco de incêndio na Amazônia está ligado ao desmatamento. Ressalta-se que há áreas onde agricultores têm autorização para utilizar as queimadas como técnica de plantio. 

Nem todo foco de incêndio na Amazônia está ligado ao desmatamento. Ressalta-se que há áreas onde agricultores têm autorização para utilizar as queimadas como técnica de plantio, como dissemos no texto publicado em setembro. 

Imagem: reprodução do site do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPMAM)

Pesquisa realizada por um grupo de cientistas de diversas instituições nacionais e internacionais, publicada na revista Nature Ecology & Evolution, também apontou dados contrastantes entre queimadas e desmatamento na Amazônia. Os pesquisadores analisaram informações da plataforma TerraBrasilis do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 

De acordo com o estudo, apenas 19% dos incêndios de 2023 estão ligados ao desmatamento recente, mostrando que há uma dissociação entre as queimadas na floresta e o desmatamento. Também foi indicado que há  uma relação entre as condições climáticas mais quentes e secas resultantes do El Niño (fenômeno climático que provoca alterações significativas na distribuição da temperatura da superfície da água do Oceano Pacífico, com grandes alterações no clima)..

 O trabalho aponta, ainda, um efeito retardado ocasionado pelo aumento do desmatamento de anos anteriores. Algumas áreas da floresta que foram derrubadas mecanicamente nos últimos anos só agora estão se tornando secas o suficiente para serem queimadas. Além disso, há queimadas em pastagens no início da estação seca, realizada por produtores locais em áreas de pasto nativo ou cultivado.

Imagem: Reprodução do site da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) 

O que disse a ministra? 

No vídeo, a ministra Marina Silva discursa durante participação no evento da COP 28: “Florestas: Protegendo a Natureza para o Clima, Vidas e Subsistência”. Ela exalta os primeiros meses de governo do presidente Lula e destaca o sucesso da política ambiental adotada pelo país neste período, que, segundo ela, foi responsável pela grande redução do desmatamento da Amazônia. “Já conseguimos, nos 10 primeiros meses, reduzir o desmatamento que estava numa tendência de alta assustadora. Reduzimos o desmatamento em 49,5%, evitando lançar na atmosfera 250 milhões de toneladas de CO2. Se não fossem essas medidas tomadas, teríamos um aumento do desmatamento de 54% e não uma queda de 49% nesses 10 meses”, disse a ministra.

Imagem: reprodução do site da EBC

Em novembro passado, o Governo Federal anunciou os dados anuais coletados pelo Sistemas de Monitoramento PRODES do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que apresenta relatórios mais precisos sobre o desmatamento no país. De acordo com os dados divulgados, houve uma redução de 22,3% da área desmatada na Amazônia Legal de agosto de 2022 a julho de 2023 em comparação com o período anterior. 

Já segundo números do sistema de monitoramento DETER também do INPE, que faz alertas diários para apoio à fiscalização, considerando apenas os meses de janeiro a setembro de 2023, a projeção de queda no desmatamento foi de 49,5% em comparação com o mesmo período de 2022, confirmando informação divulgada pela Ministra em seu discurso. 

Quanto à  informação sobre o volume de 250 milhões de toneladas de carbono/CO2 que o Brasil evitou lançar na atmosfera, também abordado por Marina Silva no discurso, Bereia contatou a assessoria da ministra. Em resposta, a pasta alegou ter usado dados do portal TerraBrasilis (plataforma desenvolvida pelo INPE para disseminação de dados geográficos gerados pelo instituto nos diversos sistemas de monitoramento) e cálculos realizados pela área técnica do próprio ministério para chegar a esse montante.  

Imagem: apresentação de slide no site da EBC

Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), no entanto, atestam uma queda ainda mais significativa no período. Para a instituição não-governamental, a destruição acumulada de janeiro a outubro fechou em 3.806 km², o que representa uma queda de 61% em relação ao mesmo período do ano passado,  a menor área desmatada desde 2018.

 A ONG usa o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), ferramenta de monitoramento da Amazônia Legal baseada em imagens de satélites, desenvolvida pelo Imazon em 2008, para reportar mensalmente o ritmo da degradação florestal e do desmatamento na região.

Imagem: reprodução site Imazon

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Bereia classifica o conteúdo divulgado pelo deputado Fausto Santos Jr e repercutido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e  outros políticos da extrema-direita, como ENGANOSO. A publicação usa dados verdadeiros para manipular seguidores em mídias sociais e levá-los a acreditar que as autoridades brasileiras estão erradas e mentem.

Bereia alerta para os danos deu ma publicação como esta: em apenas três dias, até o fechamento desta matéria, o vídeo teve 16,5 mil visualizações no perfil do deputado Fausto Santos Jr., que tem um alcance menor, e 2,7 milhões de visualizações no perfil do ex-presidente Jair Bolsonaro, com apenas um dia no ar. 

Conforme foi explicado pelo Bereia e por muitos outros portais de notícias e especialistas no assunto, o aumento das queimadas na Amazônia neste ano pouco tem relação com o desmatamento praticado em 2023 (19%, segundo pesquisadores). Por isso, há a diferença entre o número do desmatamento que diminui e o número de queimadas que aumenta. 

Bereia insta leitores e leitoras a desconfiar, pesquisar e conferir materiais de oposição política postados em perfis já conhecidos como propagadores de falsidades.

Referências de Checagem:

Bereia

https://coletivobereia.com.br/deputados-federais-catolicos-publicam-conteudo-enganoso-para-acusar-o-presidente-lula-de-mentir-sobre-a-amazonia-em-discurso-na-onu Acesso em 6 de dez 2023

Site IPAM

https://ipam.org.br/cartilhas-ipam/tudo-o-que-voce-queria-saber-sobre-fogo-na-amazonia-mas-nao-sabia-para-quem-perguntar Acesso em 6 de dez 2023

Site da UFPB

https://www.ufpb.br/ufpb/contents/noticias/estudo-aponta-que-na-amazonia-o-desmatamento-cai-mas-queimadas-aumentam Acesso em 6 de dez 2023

Revista Nature Ecology & Evolution

https://www.nature.com/articles/s41559-023-02233-3.epdf?sharing_token=xGN-XIpwRHQCp4p0jvGDqdRgN0jAjWel9jnR3ZoTv0PFsSF_9w8fEfnpivMKXoWvSPMVKAyBwRYEh6UqL7Q2UODJfkquUz19fsLLbA7Sm1Bbh51NW5CarEmwtNPpwvxiatWY3STwoS4PJsrqcNuYDUCkRs-Q0mrbmG6WtUqSmDU%3D Acesso em 6 de dez 2023

TerraBrasilis

http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/ Acesso em 6 de dez 2023

Site do Ministério do Meio Ambiente

https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/alertas-de-desmatamento-caem-57-na-amazonia-e-sobem-141-no-cerrado-em-setembro-1 Acesso em 6 de dez 2023

https://www.gov.br/mma/pt-br/taxa-de-desmatamento-na-amazonia-cai-22-3-em-2023/coletiva-de-imprensa-prodes-22-23.pdf Acesso em 6 de dez 2023

Agência EBC

https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202312/lula-quebra-protocolo-e-se-emociona-em-evento-sobre-florestas-na-cop-28 Acesso em 6 de dez 2023

Imazon

https://imazon.org.br/imprensa/desmatamento-na-amazonia-cai-61-de-janeiro-a-outubro-mas-ainda-e-o-6o-maior-em-16-anos/#:~:text=%C3%81rea%20desmatada%20nos%20primeiros%2010,campos%20de%20futebol%20por%20dia&text=O%20ritmo%20de%20desmatamento%20segue,consecutivo%20de%20redu%C3%A7%C3%A3o%20na%20devasta%C3%A7%C3%A3o Acesso em 6 de dez 2023

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Foto de capa: Flickr/Amazônia Real

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