Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta. Para acessar, clique aqui.
A manutenção e a promoção de uma mídia livre, independente e plural, que fiscalize os poderes constituídos, são vitais à preservação da democracia e do desenvolvimento econômico. A afirmação é do presidente da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Flávio Lara Resende, em entrevista ao Instituto Palavra Aberta. Segundo ele, a liberdade de imprensa e de expressão está assegurada pela Constituição Federal, de 1988, mas exige de todos, sociedade e poder público, uma constante vigilância. “A tarefa de apresentar uma visão crítica sobre fatos de interesse da sociedade, com a devida checagem, é o antídoto às notícias falsas”, diz Lara Resende. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
A menos de dois meses das eleições gerais, o senhor acredita que teremos uma enxurrada de fake news como ocorreu em 2018? Qual o papel das emissoras de rádio e televisão no combate à desinformação durante o período eleitoral?
Tentativas de desacreditar o trabalho da imprensa, intimidações dirigidas aos jornalistas e ataques a veículos de comunicação, além da disseminação de notícias falsas, são algumas das constantes ações para descredenciar o jornalismo profissional como fonte de informação para a população brasileira.
A informação é um bem público e a liberdade de imprensa é um bem da sociedade. Cabe à imprensa expor todos os fatos e opiniões. As conclusões pertencem ao público. A tarefa de apresentar uma visão crítica sobre fatos de interesse da sociedade, com a devida checagem, é o antídoto às notícias falsas, papel cumprido com excelência pelas emissoras de rádio e TV, que levam conteúdo de credibilidade à população brasileira.
Se por um lado a internet permitiu ampliar o alcance da comunicação, por outro, possibilitou que a desinformação e discursos que contrariam a democracia também ganhassem maior visibilidade.
Evitar a enxurrada de fake news, em especial no período eleitoral, quando existe um jogo de vale-tudo, é um dever conjunto, que envolve poder público, imprensa profissional e sociedade.
Vale lembrar que a ABERT faz parte do Programa de Enfrentamento à Desinformação nas Eleições, lançado pelo Tribunal Superior Eleitoral, que prevê uma série de iniciativas para capacitar a população a identificar e checar um conteúdo falso, além de estimular a compreensão sobre o processo eleitoral.
Pela primeira vez em 20 anos, o Brasil entrou na zona vermelha do Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa Repórteres sem Fronteiras (RSF). O senhor acredita que as agressões a jornalistas e organizações de notícias vão piorar durante o processo eleitoral? Como evitar a escalada de violência? A democracia está ameaçada?
Há 10 anos a ABERT monitora os casos de violações à liberdade de expressão no país. Edições passadas do documento mostram que a violência contra jornalistas aumenta significativamente no período eleitoral.
Atacar a imprensa continua sendo a estratégia de determinados grupos que lançam campanhas de difamação e ódio na internet, semeando desconfiança em relação ao trabalho dos jornalistas, na tentativa de minar a credibilidade da imprensa e construir a imagem de um inimigo comum.
A manutenção e promoção de uma mídia livre, independente e plural, que fiscalize os poderes constituídos, são vitais à preservação da democracia e do desenvolvimento econômico. A liberdade de imprensa e de expressão está assegurada pela Constituição de 88, mas exige de todos nós, sociedade e poder público, uma constante vigilância.
Temos vários exemplos de nações onde a liberdade de imprensa morreu aos poucos, seja pelas intimidações, agressões e até mesmo assassinatos de jornalistas, seja pela participação de um Estado centralizador, que reprime as críticas e denúncias e torna a população refém de notícias falsas.
Lembramos sempre que enquanto ainda houver um único jornalista ameaçado ou agredido pelo exercício da profissão, está em risco a liberdade de imprensa no país.
Em alguns países estão avançadas as negociações para que as empresas digitais remunerem o jornalismo profissional. O Brasil pode seguir esse caminho?
O Brasil pode e deve seguir o exemplo de países como Austrália e França, onde foram aprovadas legislações que restabelecem um equilíbrio de forças entre as grandes plataformas e os veículos locais.
No Brasil, o projeto de lei nº 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, já aprovado pelo Senado Federal, está em análise pela Câmara dos Deputados. Dentre os pontos previstos, é importante destacar a regra que valoriza a imprensa e o jornalismo profissional na internet, ao prever uma contrapartida financeira pela divulgação de conteúdos jornalísticos pelas plataformas. Tal medida é essencial para a liberdade de imprensa, o fortalecimento da democracia e para o contínuo combate à desinformação.
Outro ponto importante do projeto de lei é a regra que impõe transparência em caso de anúncios publicitários divulgados na internet. A proposta obriga a distinção entre conteúdo noticioso, impulsionado e publicidade. Além disso, determina que a comercialização da publicidade para o mercado brasileiro deve ser realizada e reconhecida por representante no país.
A implementação de medidas de transparência, isonomia e responsabilidade na contratação de anúncios nas plataformas digitais e no combate à disseminação de fake news são avanços importantes que precisam ser implementados em nosso país.
Quais são os limites entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio?
O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que “todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por qualquer meio de expressão e independentemente de fronteiras”.
A liberdade de expressão inclui críticas e denúncias, mas não o discurso de ódio por quem não aceita o contraditório.
À toda liberdade pressupõe uma responsabilidade. Atualmente, é fácil perceber que existe um abuso sem precedentes do direito à livre manifestação do pensamento na internet, com discursos de ódio orquestrados por usuários de redes sociais que tentam atribuir à imprensa uma postura manipuladora e inimiga da sociedade.
A ABERT lembra que todo cidadão que se sentir ofendido por notícias publicadas nos veículos de comunicação tem direito a recorrer à justiça, mas que fomentar discursos de ódio e mentiras é conspirar contra a liberdade de imprensa e, como consequência, contra a democracia.
Não há dúvidas que a utilização do discurso de ódio como ferramenta para deliberadamente ferir as instituições e a liberdade de imprensa extrapola a liberdade de manifestação e é um dano à democracia.
Embora liberdade de imprensa, eleição e democracia sejam conceitos indissociáveis, infelizmente, tal princípio precisa ser repetido à exaustão.