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Ao reunir vários órgãos públicos, conselhos e organizações defensoras da liberdade de expressão e dos direitos humanos, o Observatório da Violência contra Jornalistas e Comunicadores Sociais, ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, pretende melhorar a segurança de profissionais, sobretudo aqueles que trabalham longe dos grandes centros urbanos. “Montamos um grupo a partir do qual a gente consegue, de alguma forma, fechar o círculo de atores que direta ou indiretamente estariam ligados à violência praticada contra jornalistas e comunicadores. Essa foi a estratégia da criação do Observatório, que cresceu muito em participantes, o que mostra uma maior representatividade”, diz o titular da Secretaria Nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho. Em entrevista exclusiva para o Instituto Palavra Aberta, o secretário conta como foi o primeiro ano do Observatório, que tem como principal medida a criação de um Canal de Denúncias (aqui). Confira.
Instituto Palavra Aberta – O Observatório foi criado a partir da ideia de que a liberdade de imprensa está ameaçada. Qual é o grau dessa ameaça?
Augusto Arruda Botelho – Muito alto, infelizmente. E muito em razão dos quatro anos de problemas que enfrentamos durante o governo de (Jair) Bolsonaro. Não tem como não fazer a ligação entre o aumento da violência contra jornalistas e comunicadores e o governo Bolsonaro. A partir do momento em que você tem um presidente que estatisticamente atacou muito mais a imprensa do que qualquer autoridade pública, e com ataques específicos… Bolsonaro tinha uma predileção por atacar jornalistas mulheres, o que mostra bastante do perfil dele. Isso influencia os seguidores. A partir do momento em que você tem a maior autoridade política do país atacando publicamente jornalistas mulheres, você diretamente influencia, dentro de um momento extremamente polarizado no Brasil, os seus apoiadores. Isso vale para qualquer lado. Se tivesse do outro campo ideológico um presidente atacando a imprensa você correria o risco de um cenário semelhante. No caso do governo Bolsonaro, esse aumento foi real e comprovado pelo aumento no número de casos. E a forma mais vil de cercear o trabalho livre da imprensa é atacando, de forma virtual, física ou por meio de ações judiciais. Infelizmente a liberdade de imprensa no país está sim ameaçada e é papel desse novo governo e do Ministério da Justiça de Segurança Pública criar mecanismos para desconstruir essa completa distopia que é o ataque à liberdade de imprensa.
Instituto Palavra Aberta – Como surgiu a ideia de criação do Observatório?
Augusto Arruda Botelho – O Observatório foi criado por determinação do ministro Flávio Dino, que, obviamente ciente de todo histórico crescente de violência praticada contra jornalistas e comunicadores, já vinha se mostrando preocupado com esse aumento de casos. Mas a partir de 8 de janeiro, que a gente teve mais de 10 jornalistas agredidos fisicamente aqui em Brasília na tentativa de golpe que tivemos, o ministro Dino entendeu que uma medida do Ministério, do governo federal, precisaria ser tomada. Foi então criado o Observatório, com a coordenação da Secretaria Nacional de Justiça.
Instituto Palavra Aberta – Como é a representatividade dentro do Observatório?
Augusto Arruda Botelho – Ampla. Temos representante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), representante da Polícia Civil, Defensoria Pública… etc. Por quê? Porque a partir da observação de casos de violência contra jornalistas nós queríamos ter um ponto focal dentro desses órgãos e organizações para cobrar, por exemplo, o andamento de investigações. Se tem um processo, por exemplo, contra um agressor de jornalistas… e se esse processo não está tramitando de forma correta, eu vou ter dentro do Observatório um representante do CNJ que podemos diretamente passar uma demanda. Se envolve a Polícia Federal, a mesma coisa. Se envolve a Polícia Civil, a mesma coisa. Então foi uma estratégia de montar um grupo a partir do qual a gente consegue, de alguma forma, fechar o círculo de atores que direta ou indiretamente estariam ligados à violência praticada contra jornalistas e comunicadores. Essa foi a estratégia da criação do Observatório, que cresceu muito em participantes, o que mostra uma maior representatividade, o que mostra como ele vem dando certo. Hoje, nós temos comunicadores que não necessariamente estão ligados a grandes veículos e não necessariamente estejam presentes nos grandes centros. Isso porque durante as primeiras reuniões do Observatório a gente percebeu quanto a violência contra jornalistas e comunicadores se dava também no Interior do país, em cidades menores… violência contra comunicadores muitas vezes locais, de uma determinada região, que não têm amparo de um grande veículo e estão muito mais suscetíveis a pressões políticas e a poderes dessa região. Então, foi uma tentativa de trazer comunicadores que estão fora desse mainstream do jornalismo.
Instituto Palavra Aberta – No caso desses jornalistas que estão fora dos grandes eixos, como a Amazônia, como vai ser a ação perto chegar perto dessas pessoas?
Augusto Arruda Botelho – De duas formas. Estamos montando, isso já vai ser colocado em prática no começo de 2024, encontros regionais do Observatório justamente para poder ter em regiões fora de Brasília, onde estamos originalmente concentrados, pontos focais por meio dos quais a gente pode fazer uma aproximação local. Então, esses encontros regionais terão a finalidade de aproximar do Observatório regiões longe dos grandes centros. Além disso, a própria filtragem das denúncias pela equipe do Ministério vai fazer com que as denúncias sejam encaminhadas para o local correto e, a partir desse encaminhamento, poderemos fazer um acompanhamento desses casos locais, oficializando e aproximando mais o trabalho junto a autoridade local de onde ocorreu o episódio de violência.
Instituto Palavra Aberta – O senhor se surpreendeu com a capilaridade de organizações que defendem as liberdades de imprensa e de expressão?
Augusto Arruda Botelho – Muito. Positivamente, muito. Principalmente no último encontro, em que nós trouxemos comunicadores independentes de outras regiões. Reforça a necessidade de o Observatório perceber como ocorrem casos de violência que nós jamais ficaríamos sabendo que acontecem. É muito importante, essencial, esse trabalho de interiorização, porque tem casos que simplesmente não recebem a divulgação que precisariam receber.
Instituto Palavra Aberta – Já há casos sobre os quais podemos falar?
Augusto Arruda Botelho – Tem um caso no Mato Grosso que nos chamou a atenção. E a Amazônia é sempre um foco de grande preocupação, tivemos o tristíssimo episódio do indigenista Bruno Araújo e o jornalista inglês Dom Phillips. É algo que a gente tem sempre no nosso radar. Principalmente porque temos aqui na Secretaria vários trabalhos ligados à pauta ambiental. A gente trabalha muito a questão ambiental, a corrupção ligada ao crime ambiental, lavagem de dinheiro e crime ambiental, então é um tema que perpassa muitas outras estratégias que temos aqui na Secretaria.
Instituto Palavra Aberta – Temos já alguns resultados práticos da ação do Observatório?
Augusto Arruda Botelho – O observatório já se manifestou em casos concretos que nós identificamos, por exemplo, que a investigação não estava tramitando de alguma forma dentro da lerdeza natural do sistema de investigação da Justiça. Estava lento demais. Aí o observatório peticionou no inquérito policial específico. É importante dizer que nós criamos um canal de denúncias dentro do Ministério. Do ponto de vista concreto, isso é algo muito importante porque, deixa eu voltar lá para trás, uma das ideias que tivemos foi a criação do banco de dados único, que a gente pudesse ter todos os casos de violência no mesmo local, e pudéssemos fazer o acompanhamento desses casos, porque a partir da observação e acompanhamento é que posso fazer o diagnóstico e, a partir do diagnóstico, propor política pública. Eu entendi que juntar tudo no mesmo lugar seria um bom começo. Mas houve uma dificuldade técnica, jurídica e logística muito grande de pegar bancos de dados de outras organizações e outros órgãos, como o CNJ e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), e juntar em um local só. Tentamos durante meses fazer isso, e enfrentamos desde problemas de TI, de exportar de um lugar para outro, até problemas de LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) etc. Então, decidimos criar um canal de denúncias a partir do que, então, todas as queixas que entram por meio desse sistema ficam no site do Ministério, passam pelo crivo e análise de uma equipe nossa que já tem expertise de fazer isso. Esse conhecimento é possível porque o Ministério criou dois canais de denúncia muito exitosos. O primeiro foi o de 8 de janeiro, em que recebemos dezenas de milhares de queixas, e também na Operação da Escola Segura a partir do massacre de Blumenau. Então, essas denúncias que podem chegar através do nosso canal serão analisadas e já serão encaminhadas para o local certo… delegacia, Ministério Público etc., dependendo do tipo de queixa. E aí com isso vamos criando um banco de dados único. Pelo menos desta nova safra de denúncias. Obviamente a gente nunca espera que sejam muitas, mas eu vou estar criando uma política pública perene, ela não vai ficar restrita à minha gestão. Se amanhã eu saio da Secretaria, este canal está aí, fica oficializado dentro dos servidores do Ministério da Justiça. Quem fizer a denúncia vai receber o número de protocolo. Ou seja, essa denúncia vai estar aqui de forma a construir aqui dentro um banco de dados único.
Instituto Palavra Aberta – Casos antigos podem ser cadastrados no Canal de Denúncias?
Augusto Arruda Botelho – Num primeiro momento não, por uma questão de teste de como vai funcionar o canal. Nós temos a ideia sim de tentar trazer por exemplo os casos de 8 e janeiro, que já são casos acompanhados pelo Observatório, até emblematicamente eu acho importante trazer esses casos para este banco de dados que estamos criando agora. Isso ainda não foi feito porque estamos numa fase de testes iniciais e não quero que dê nenhum problema no sistema. Então a gente vai esperar um pouquinho para poder trazer casos antigos, a ideia é começar pelos casos de 8 de janeiro.
Instituto Palavra Aberta – Em que ponto estão esses casos?
Augusto Arruda Botelho – Por questão até de sigilo de algumas investigações, o Observatório não pretende dar andamentos específicos de casos, mas os casos ainda não se transformaram em ações penais, ainda se encontram em fase de investigação, segundo as informações que temos.
Instituto Palavra Aberta – O Observatório tem grupos de trabalho. Quais são e como atuam?
Augusto Arruda Botelho – Um deles trata de violência contra jornalistas mulheres (Violência de Gênero). Esse grupo de trabalho é coordenado pelo Ministério das Mulheres em parceria com o Ministério da Justiça. Temos o grupo de trabalho de Raça e Diversidade. Temos o grupo de trabalho de Caminhos Processuais e Protocolos Legais, porque nós identificamos que delegacias e fóruns têm protocolos específicos de atendimento. A gente entendeu a necessidade de ter protocolos específicos gerais para casos que envolvam violência contra jornalistas. Temos o grupo Ataques Digitais e Protocolo de Proteção. E um grupo que trabalha uma das problemáticas que mais aparecem no âmbito do observatório que é o assédio judicial. Entendendo o assédio judicial como uma forma de violência contra jornalistas. Então temos um grupo de trabalho específico.
Instituto Palavra Aberta – Como o observatório é visto dentro do governo. Ele parece ter uma ação transversal, não?
Augusto Arruda Botelho – Posso dizer com muita alegria que ele é muito bem-visto, pois cada vez mais outros órgãos do governo pedem para participar. A Secom (Secretaria de Comunicação Social), por exemplo, participa desde o começo, nós tivemos agora a Secretaria da Presidência da República querendo participar, esteve na última reunião. Outros ministérios querendo participar. A adesão tem sido maior a cada encontro. O Observatório cresce mais a cada encontro. Todos muito imbuídos dessa missão de minimizar os impactos d violência contra jornalistas e comunicadores.
Instituto Palavra Aberta – Não há risco de o trabalho do Observatório de se sobrepor a ações das outras organizações e órgãos de governo?
Augusto Arruda Botelho – Todas as pautas que eu trabalho aqui na Secretaria eu tento fazer um trabalho, como você observou, transversal. Não quero me sobrepor ao trabalho de ninguém. A ideia é somar. O CNJ, por exemplo, tem um histórico já de trabalhar o tema. Então serão ótimas todas as contribuições que o CNJ puder dar e trabalhar junto com a gente, e o contrário também é verdadeiro. Eu venho de uma escola pragmática de trabalho que me impede de ter qualquer tipo de vaidade em detrimento da eficácia dos projetos que coloco em prática. Se tiver que pegar iniciativas de outros lugares e trazer as pessoas ou me juntar a iniciativas em andamento, eu quero é resolver.
*Crédito da imagem: Isaac Amorim/MJSP