Publicado originalmente em Meio&Mensagem por Michelle Borborema. Para acessar, clique aqui.
A escritora e pesquisadora foi uma das primeiras mulheres a liderar o jornalismo de tecnologia no Brasil e hoje pesquisa os impactos da IA generativa na sociedade.
Pollyana Ferrari se apaixonou pela escrita aos 16 anos, quando fez um curso de datilografia e ficou encantada por uma máquina de escrever com teclas redondas e brancas. Decidida a ser jornalista, ela logo deixou a pacata Piracicaba e se mudou para São Paulo. Lá, a inspiração analógica da adolescência deu lugar ao início de uma carreira marcada por uma profunda conexão com a vanguarda digital, quando tornou-se estagiária no jornal de tecnologia Datanews, da norte-americana IDG. Essa relação com as novidades tecnológicas definiria sua trajetória profissional por mais de três décadas.
“Eu tinha uns 18 anos e fiquei apaixonada pela discussão sobre a abertura do mercado brasileiro para computadores. A redação estava fervilhando”, lembra a jornalista, escritora e pesquisadora. Durante as noites dos anos 1990, ela interagia com Eliza, chatbot criado em 1966 por Joseph Weizenbaum, uma experiência rara para a época, reservada apenas a quem tinha um computador XT como ela. “Paguei uma fortuna. Não tinha nem carro, mas juntei dinheiro para comprar uma máquina daquelas por 4 mil dólares.”
A carreira de Pollyana evoluiu rapidamente. Ela conheceu Aleksandar Mandic, engenheiro da Siemens que, meses depois, fundou o primeiro BBS (Bulletin Board System) no Brasil, o Mandic BBS, em 1990. Devido ao conhecimento da jornalista, ela foi a terceira mulher a integrar a empresa, destacando-se em uma área amplamente dominada por homens. “No começo, era um ambiente de nerds. Tinha poucas mulheres, mas não havia sexismo. Fiz grandes amigos, e fizemos os primeiros hackathons em pizzarias.”
Embalada por videoclipes, shows de rock e muitos cabos, Pollyana respirava “nerdice”, como ela diz. Passou ainda pelo Estadão, onde cobriu empresas e eventos tecnológicos importantes, como Condex e Fenasoft, para o primeiro caderno de informática do jornal. Em 1992, trocou os primeiros e-mails no Brasil. Depois, mudou-se para os Estados Unidos, com o companheiro e seus dois filhos pequenos, para cobrir as inovações do Vale do Silício, na California, contribuindo em seguida para a introdução dos portais e do jornalismo digital no Brasil.
Vanguarda e novos modelos de negócio
Ainda em solo norte-americano, Pollyana foi convidada a editar o site da revista Época, que seria lançado em 1998 e marcaria uma revolução no jornalismo e na mídia digital no Brasil, tornando-se o primeiro veículo crossmídia do País. Esse trabalho inovador, coordenado por ela, atraiu atenção internacional, rendendo-lhe destaque no Le Monde e diversas entrevistas com acadêmicos interessados em explorar o novo formato. “Com uma equipe reduzida, tive o prazer de aprender na prática a criar um website de revista bem-sucedido”, relembra Pollyana.
Ainda foram muitas as primeiras vezes da jornalista. Como diretora de conteúdo no IG, criou o Último Segundo ao lado do jornalista Leão Serva e firmou a primeira parceria com a Reuters, que, até então, não comercializava notícias para portais, estabelecendo assim um novo modelo de negócio.
Durante o período, Pollyana testemunhou o crescimento dos chatbots nas salas de bate-papo da internet, algo que já existia, mas que ela não imaginava evoluir para a inteligência artificial generativa que conhecemos hoje. “É importante entender que não é tudo novo. A inteligência artificial existe há bastante tempo. As pessoas conversam com a Alexa, marcam consultas e exames de sangue online há anos. Claro, são níveis diferentes quando falamos de um ChatGPT ou de uma IA que cria o próprio vídeo. Mas existe uma trajetória, não apareceu tudo do nada.”
Transição de carreira
O entusiasmo com os portais levou Pollyana a fazer mestrado sobre o tema e tecer suas primeiras críticas sobre o impacto da tecnologia e da internet na vida das pessoas, isso ainda no início do século 21. “A ideia de todos estarem nas redes trouxe uma felicidade, mas sempre tive a preocupação de essa aceleração tomar conta da vida real. Eu trabalhava 16 horas por dia num portal de notícias, levava o filho no plantão para jogar pingue-pongue, porque precisamos fazer algo com as crianças. Ali, eu já achava que não tínhamos de viver um surto. Nada substitui um banho quente e um beijo de quem amamos.”
O último trabalho de Pollyana como jornalista foi no programa Vitrine, da TV Cultura, o primeiro a abordar a chegada da internet e a revolução na TV aberta no Brasil. Como editora-chefe, ela orientava o âncora Marcelo Tas durante as entrevistas, guiando discussões sobre tecnologia. Embora tenha gostado da experiência, ela decidiu migrar para a academia em busca de desacelerar e passar mais tempo com os filhos.
“Quando disse que ia sair para meu diretor à época, ele não acreditou, pois as coisas estavam indo muito bem. Respondi que não queria mais ter três celulares e ter que atendê-los nos finais de semana. Não queria mais ter que tocar um plantão e uma home. Eu já tinha um sinal de que não desejava essa aceleração para a minha vida pessoal, mas foi ali que tomei minha decisão.”
A transição envolveu uma mudança de vida. Embora deixar o cargo de diretora para se tornar professora e pesquisadora significasse mais tempo de qualidade com os filhos, também representava uma redução de salário. “Não tenho problema em dizer isso. Meus filhos eram pequenos e eu nunca conseguia levá-los ou buscá-los na escola. Mas pensei que me arrependeria daquilo no futuro e refleti: estou nessa aceleração a troco de quê?”
Para ela, a decisão foi acertada. Após o mestrado, ela engatou no doutorado e passou pelo momento de virada na carreira. “Precisamos fazer escolhas. Não apenas as mulheres que optaram por ser mães, mas também muitos homens estão refletindo se realmente querem cargos de direção, preferindo ter mais tempo livre. Essas jornadas intensas, que os RHs começaram a repensar após a pandemia, não são saudáveis para ninguém. Hoje, meus filhos são homens adultos legais, cozinham, têm bichos, então está tudo certo.”
Desinformação e o lado sombrio da IA
Pollyana começou a se apaixonar pelo universo acadêmico. Em 2015, iniciou uma pesquisa sobre desinformação, tema no qual tornou-se referência no Brasil e que estuda até hoje. Após prestar concurso e ser aprovada na PUC de São Paulo, começou dando poucas aulas, que mal pagavam suas contas. Quando a IA chegou com força, suas análises críticas à tecnologia começaram a ganhar novos elementos de pesquisa.
“O problema é a desconexão. A pessoa atropela a outra no trânsito, não dorme, e ali na rede se sente poderosa. Isso sempre me preocupou. Não sou antitecnologia, mas a IA tem que funcionar para todos. Para melhorar a saúde, o SUS, a escola. Para chegar aonde não tem. Se for para um grupinho que quer morar em Marte, não vai dar certo.”
Para a jornalista e pesquisadora, há um perigo humano, de comunicação e de negócios ao se desconectar do afeto. “Você pode ser uma multinacional de beleza ou uma empresa de IA, mas se você não humanizar e não pensar naquele ser humano que está trabalhando com o prompt, ou cuidando da eletricidade e da faxina, você perde a referência do humano e não se conecta com as pessoas.”
IA, marcas e futuro
Pollyana também enfatiza que a busca por cliques e a aceleração do consumo digital não são fenômenos novos, mas a evolução da falsificação de informação traz riscos adicionais. “Precisamos segurar a ideia de ganhar cliques a qualquer custo e achar que a IA vai acelerar a conquista do consumidor. Isso nós já víamos nos portais dos anos 2000. Já havia o clickbait, só que agora a falsificação da informação também evoluiu. Esse é o perigo.”
Ao longo da vida, Pollyana adotou uma postura crítica em relação ao uso de telas e tecnologias, especialmente com seus filhos. Ela também diz usar pouco as redes sociais e a própria inteligência artificial para fins pessoais.
“Se não pensarmos direito sobre tudo isso, o futuro será sombrio. Sou a favor de regular. Não é uma questão de partido ou de País, mas uma necessidade social. Já perdemos as redes sociais, porque elas estão aí há 20 anos e não as regulamos. Em IA, temos uma possibilidade de criar parâmetros para todos. Se precisa ter marca d’água, se veículos e marcas devem mencionar quando um conteúdo for criado e não existir no mundo de verdade. A pergunta é: vamos mudar isso ou capitalizar em cima da dúvida novamente?”
Na visão da pesquisadora, que já escreveu mais de 9 livros sobre comunicação digital, incluindo o último, sobre IA generativa, o futuro depende das escolhas que fazemos agora. “Se não fizermos nada, se não pensarmos em todos, não vai todo mundo migrar para o prompt. Não vai. As redes sociais já estão dominadas pelos algoritmos, são terra de ninguém e daqui a pouco vão embora. Vai haver um cenário distópico mesmo. Mas acho que dá tempo.”