Publicado originalmente em O Estado do Piauí por Vitória Pilar e edição de Luana Sena. Para acessar, clique aqui.
Jovens são menos de 7% dos empreendedores no Brasil e os que mais lutam contra o desemprego, aponta IBGE
Nas ruas de Teresina, um jovem negro, com a testa marcada pelo suor, entra nas lojas e oferece seu currículo aos funcionários. Othon de Lima completou o Ensino Médio em 2018, fez curso técnico em assistência de aparelhos, curso de mecânico de carros e informática. Aos 22 anos, ainda não entrou na universidade – queria cursar Engenharia Civil. Com a sua nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) não alcançou a vaga que desejava, entretanto, meses depois, sem o diploma, se viu trabalhando em obras: virou servente de pedreiro.
A situação foi ficando difícil. Mesmo com outras qualificações técnicas, o rapaz não conseguia emprego na área. Ficou pulando de “bico” em “bico”: lavador de carros, atendimento ao público, entregador de panfletos no sinal. “Eu topo tudo por um emprego”, conta à reportagem.
Othon concluiu o ensino escolar justamente em um período (até o último trimestre de 2021) em que o Piauí vive a era do trabalho informal. São mais de 27 mil pessoas que conseguiram empregos sem carteira assinada no estado desde a última amostra do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). O aumento chega a 12,6% de trabalhadores do setor privado piauiense sem documentação trabalhista, segundo os dados da pesquisa.
O cenário é ainda pior durante o primeiro ano da pandemia, em 2021, quando essa taxa atingiu os maiores valores da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. No primeiro trimestre de 2020, quase 50% dos trabalhadores do setor privado não possuíam carteira assinada no Piauí. Nessa época, o estado disparava como 3º no ranking nacional dos trabalhadores sem direitos trabalhistas.
De lá para cá, pouca coisa mudou. No segundo trimestre deste ano, foi atingida a marca de 39,3 milhões de pessoas no regime informal de trabalho. Com oportunidades ainda escassas, em um país que fechou o ano passado com uma taxa de desemprego média de 11,1%, o fator da empregabilidade para pessoas na faixa etária de Othon tem pesado a cada dia. Se, para jovens com qualificações nível técnico ou superior as vagas têm sido cada vez mais escassas, o panorama é ainda pior para jovens com pouca ou nenhuma qualificação.
Um estudo revelou que 75% dos jovens não têm preparação para o mercado de trabalho. A Comissão de Educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) destacou que o baixo nível de habilidades entre jovens de todas as faixas etárias – principalmente jovens de países de baixa renda – são os menos propensos a conseguirem habilidades necessárias para prosperar. Um em cada três países de baixa renda, possui mais de 85% dos jovens atrasados na obtenção de habilidades de nível secundário, digitais e específicas para o trabalho, diz o relatório.
Na contramão dos “nem-nem” – jovens sem trabalho ou estudo -, uma parte específica de recém-formados (70%) consegue ingressar no mercado de trabalho em menos de um ano após a formatura. Foi o que revelou uma pesquisa feita pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes). Profissionais de T.I, engenheiros e médicos estão no topo desta pirâmide da empregabilidae.
A profunda discrepância tem colocado dilemas na empregabilidade dos jovens e traz questionamentos entre a falta de oportunidade ou o déficit na preparação. Para Elanne Vitório, recrutadora de talentos, são consequências diferentes originadas da mesma causa: desigualdade social.
Na mira dos diplomas, jovens em cursos ou profissões elitizadas conseguem ascender mais rápido dentro da sua carreira. Fatores como qualificações educacionais, desenvolvimento de habilidades interpessoais e acesso à qualidade de vida potencializam o ingresso dos recém formados ao mercado de trabalho. Enquanto isso, uma parcela mais empobrecida da sociedade se equilibra entre o sub-emprego, a expectativa de uma faculdade e as necessidades financeiras cotidianas.
A recrutadora explica também que essa lógica não se restringe a determinadas profissões. O cenário tem sido observado – e repetido – em quase todos os processos seletivos. “Sem a preparação adequada, obviamente, as vagas serão preenchidas por aqueles que tiveram mais oportunidades de se desenvolver na carreira escolhida”, explica Elanne. “E assim, temos um ciclo que não acaba, sendo reproduzido por gerações”, complementa.
Correndo contra o desemprego, mirando no empreendedorismo
No ano passado, 94% dos demitidos no Piauí possuíam no máximo o nível médio. No mesmo período, os jovens com ensino médio completo ocupavam sete a cada dez vagas que surgiram no mercado de trabalho no Piauí. Os dados foram levantados pela reportagem através do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Caged, vinculado ao Ministério da Economia.
O contraponto tem revelado como os jovens, a todo custo, tem tentado driblar o desemprego. São eles os que mais têm fugido da desocupação e mirado no trabalho por conta própria. Como Letícia Matos que, aos 18 anos, é maquiadora há cinco. “Optei por não entrar na universidade, por necessidade, precisei trabalhar e construir meu negócio”. A jovem faz parte dos menos de 7% de jovens que empreendem no Brasil. Ao todo, são aproximadamente 1,9 milhão de pessoas.
Em 2016, eles correspondiam a 7,2% dos empreendedores brasileiros e, no auge da pandemia do coronavírus, a participação deles caiu para 5,8% – o menor patamar do período. “No segundo trimestre de 2020 o Brasil perdeu cerca de 464 mil empreendedores jovens, mas com a melhoria de cenário, após um ano, cerca de 446 mil pessoas desse grupo entraram ou retornaram a essa atividade”, observa o presidente do Sebrae, Carlos Melles em entrevista à Pequenas Empresas e Grandes Negócios.
Teresina, que concentra a maior parte dos empregos por setores no estado hoje, encontra-se na 60ª posição no ranking nacional das melhores cidades para se empreender. É o que aponta o Índice de Cidades Empreendedoras (ICE) de 2022, publicado no mês de março. Em 2020, Teresina estava na posição 77ª.
No Piauí, de janeiro a abril de 2021, em meio a segunda onda da Covid-19, o estado registrou a abertura de 2.624 empresas – isto é, um crescimento de 73,66% em relação ao mesmo período em 2020. Entretanto, mesmo com o aumento na abertura de novas empresas, entre janeiro e abril, a Jucepi – Junta Comercial do Estado do Piauí – também registrou o fechamento de 1.101 empresas.
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No último mês, o governo do estado lançou o programa “Meu primeiro negócio”, em parceria com o Sebrae e o Piauí Fomento. O projeto quer incentivar jovens piauienses com perfil empreendedor a gerar renda e emprego para novas categorias de mercado. Após capacitação profissional, os projetos devem receber um estímulo de até R$ 21 mil, com taxa de juros fixa de 5% ao ano, de 60 e 12 meses de carência. Por um ano, os vencedores do edital serão acompanhados pelas instituições parceiras. Ao todo, 100 projetos devem ser beneficiados.
Thiago Rodrigo, especialista em negócios, analisa que editais e programas podem ser uma boa estratégia para incentivar jovens ao negócio. Acompanhado de instrução e capacitação profissional, um programa como esse pode desenvolver cases de sucesso que acertem em inovação e tecnologia no Piauí. No entanto, os próprios parceiros e desenvolvedores devem compreender que um projeto como este leva bem mais que um ano para estar totalmente amadurecido e gerar receita.
“Os frutos de um programa como esse demoram, no mínimo, três a quatro anos para obterem sucesso”, analisa Thiago. Para conduzir jovens empreendedores em um estado, um edital ou programas esporádicos não são preponderantes para propiciar uma geração de empreendedores. “Se não houver educação empreendedora, desde a base escolar, é muito difícil enxergar uma cidade ou um estado com esses perfis daqui 10 ou 20 anos”, complementa o especialista e coordenador da Escola de Negócios de uma instituição de ensino superior. “Um lugar que pensa nesses perfis hoje desde a infância, tem um resultado extraordinário em duas décadas”.