Crianças e seus direitos no ambiente digital

Publicado originalmente em EducaMídia por Mariana Ochs. Para acessar, clique aqui.

Tecnologias devem ser criadas já levando em conta os direitos das crianças e legislação precisa garantir o acesso e a construção das habilidades

Se a pandemia acelerou e ampliou a adoção de tecnologias para muitas crianças, é fato que ela também evidenciou a exclusão de tantas outras, reforçando a necessidade de criarmos políticas públicas mais afirmativas de inclusão digital. 

Em um mundo mediado por tecnologia, porém, é preciso considerar que nossos direitos são impactados por muito mais do que a questão do acesso a ela. A capacidade de encontrar, filtrar e produzir informações de forma crítica, ética e segura depende não só da disponibilidade de redes e equipamentos, mas sobretudo da construção de habilidades digitais e midiáticas que permitem fazer um uso construtivo e fortalecedor desse ambiente. 

E é esse é um ponto bastante crítico quando se trata do público infantil. A Convenção sobre os Direitos da Criança foi elaborada pela Assembleia Geral da ONU em 1989. É o instrumento sobre direitos humanos mais ratificado na história, tendo sido adotado por 196 países como norteador de políticas públicas para a infância. Esse documento estabelece as condições básicas em que uma criança pode florescer e se desenvolver plenamente, com segurança e acesso a oportunidades. 

Além disso, 1989 é também o ano da World Wide Web (www). Desde então, as tecnologias digitais transformaram profundamente a forma como nos relacionamos, produzimos, acessamos informações e serviços, com enormes consequências também para a infância e a juventude.

Por isso, é inquestionável o fato de que a desigualdade de acesso às tecnologias de informação e comunicação interfere criticamente nos direitos básicos de educação, informação e participação. Diversos países já consideram em sua legislação que o acesso ao mundo digital é uma questão de equidade e inclusão, e portanto deve ser um direito básico de qualquer cidadão. No Brasil, por exemplo, o Senado Federal acaba de aprovar a PEC 47/2021, de autoria da senadora Simone Tebet (MDB/MS) que coloca a inclusão digital como um direito fundamental previsto na Constituição. 

Vale destacar também que o  design e a forma de funcionamento das tecnologias que utilizamos em nosso dia a dia, mesmo que não diretamente, também têm impacto em nossas vidas – afetando não só o nosso acesso a informações e serviços, mas também nosso bem-estar, privacidade, segurança e direito de fazer escolhas livres. O desconhecimento ou mau uso dessas tecnologias pode levar a uma violação de direitos. O impacto de inteligências artificiais que determinam o acesso a benefícios ou serviços sociais, ou ainda o design de plataformas que pode favorecer o engajamento com informações descontextualizadas ou manipuladoras, são dois exemplos disso.

É nesse contexto que a ONU publicou, no ano passado, o Comentário geral No. 25 (2021) sobre os direitos da criança em relação ao ambiente digital. O documento é fruto do esforço colaborativo de 40 estados nacionais, centenas de organizações para a infância e direitos civis e mais de 700 crianças em 28 países. Fundamentado em publicações anteriores sobre o impacto das tecnologias digitais na sociedade, o documento estabelece diretrizes para políticas públicas “à luz das oportunidades, riscos e desafios na promoção, respeito, proteção e cumprimento de todos os direitos da criança no ambiente digital.”

Este trabalho traz um grande avanço em relação a muitos esforços e políticas das últimas décadas, cujo foco principal eram os danos ou violências que as crianças podem sofrer quando expostas aos ambientes virtuais – e que portanto tinham enfoque restritivo ou punitivo. Ao reconhecer o direito das crianças e jovens à liberdade de expressão, à autonomia sobre seu desenvolvimento e à participação na sociedade, o documento oferece caminhos para realizar o enorme potencial positivo da tecnologia digital, desde que incorporada ao seu design, de forma proativa e intencional, a promoção desses direitos.

Os principais pontos do trabalho foram reunidos neste cartaz disponível para escolas, produzido pela ONG inglesa 5Rights Foundation e lançado em português pelo EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta. Se o letramento digital e midiático pressupõe um olhar mais consciente e crítico sobre as tecnologias que utilizamos em nosso cotidiano, a exploração do Comentário No. 25 da ONU em contextos pedagógicos pode disparar projetos muito ricos, a exemplo do que já acontece com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Tornar as crianças mais conscientes e vigilantes quanto aos seus próprios direitos é também uma forma de fortalecê-las. 

Compartilhe:

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
Share on linkedin
Share on telegram
Share on google

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Language »
Fonte
Contraste