COVID-19 no Brasil e as redes sociais

Publicado originalmente em COVID-19 DivulgAÇÃO Científica. Para acessar, clique aqui.

Quando, em março de 2020, a mídia começou a anunciar os primeiros casos da COVID-19 no Brasil, informações sobre a doença rapidamente se espalharam pelas redes sociais. Um olhar sobre o tema pode nos ajudar tanto a entender a percepção do público sobre a pandemia quanto a traçar estratégias efetivas de disseminação de informações em saúde pública. Com isso em mente, pesquisadores do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia realizaram um estudo sobre o engajamento dos usuários de quatro redes sociais em publicações com os termos “COVID-19” e “coronavírus”. Os resultados foram publicados no Journal of Science Communication.

A enxurrada de informações que circula diariamente sobre a COVID-19 dificulta a identificação de fontes confiáveis e pode confundir quem está procurando orientação. De tão sério, o problema ganhou um termo novo para denominá-lo: epidemia de informações, ou infodemia. Embora não sejam as únicas plataformas onde esse fenômeno se manifesta, as redes sociais têm grande participação no processo, pois permitem o compartilhamento rápido de textos, vídeos, links e outros materiais com os quais o público pode interagir – são consideradas fonte de notícias por 67% dos brasileiros.

Para entender melhor a disseminação de postagens sobre a COVID-19 nas redes sociais, Luisa Massarani, Igor Waltz e Tatiane Leal identificaram, por meio da ferramenta BuzzSumo, as 100 postagens sobre o tema, em língua portuguesa, que geraram mais engajamento nas redes Facebook, Twitter, Reddit e Pinterest durante o mês de março de 2020. Além de avaliar quantitativamente as interações com o público, a equipe classificou os conteúdos como verificados ou falsos, enganosos e fabricados.

De um total de aproximadamente 52,5 milhões de interações, a maioria esmagadora aconteceu no Facebook – uma rede que permite aos usuários o engajamento por meio possibilidades variadas, como curtidas, comentários e reações. O Twitter também ganhou destaque, enquanto Reddit e Pinterest tiveram participação mais modesta.

Informação e desinformação

Os pesquisadores avaliaram cada uma das postagens quanto ao seu conteúdo, buscando categorizá-las entre informações verificáveis (isto é, que puderam ser confirmadas em outras fontes, incluindo artigos científicos), não-verificáveis e aquilo a que se denomina misinformation (termo em inglês para denominar informações distorcidas, ambíguas ou não esclarecidas) e disinformation (informações falsas, incluindo, por exemplo, fotos e vídeos manipulados e conteúdo completamente fabricado). As duas últimas categorias corresponderam a 13,5% das postagens. Curiosamente, o engajamento relacionado a essas postagens enganosas foi, em média, maior do que aquele observado em postagens com conteúdo verificável.

“O engajamento demonstra que um conteúdo chamou a atenção a ponto de promover uma interação ativa por parte do usuário”, diz o artigo. “Conteúdos com mais engajamento também recebem, exponencialmente, mais visibilidade”. Para os autores, o alto grau de engajamento em postagens de conteúdo duvidoso alerta para a rápida dispersão e grande alcance desse tipo de material.

Uma das formas pelas quais a desinformação se espalha são postagens que trazem elementos visualmente destacados, como imagens ou manchetes, que estão em desacordo com o conteúdo do material completo (texto ou vídeo) a que se referem. Por exemplo, uma notícia publicada pelo UOL com o título “Quatro pacientes de UTI tiveram alta em SP com uso de hidroxicloroquina” esclarece, no corpo do texto, que “não há comprovação de causa e efeito do uso da hidroxicloroquina. Ou seja, não é possível garantir que os pacientes foram curados graças ao medicamento”. Esse dado é especialmente preocupante se levarmos em consideração que, muitas vezes, compartilha-se e curte-se conteúdo sem que o material seja lido ou assistido por completo.

Grandes veículos de comunicação

As postagens analisadas eram provenientes de 45 veículos diferentes, dos quais 77,8% eram veículos profissionais e 22,2%, não profissionais. Porém, quase metade da amostra foi composta de conteúdos divulgados por quatro portais jornalísticos (UOL, O Globo, R7 e G1), o que reforça a importância do jornalismo para a comunicação pública da ciência. E mais: “esse dado salienta o peso que a mídia hegemônica ainda conserva no Brasil, pautando as conversações na rede e construindo um capital simbólico de ‘confiabilidade’”, avaliam os autores do estudo.

Na amostra, o único material proveniente de fonte institucional – o canal oficial da Presidência da República – foi classificado como enganoso. Em 24 de março, o presidente Jair Bolsonaro fez um pronuciamento em que criticou medidas de isolamento tomadas por autoridades estaduais e municipais e acusou a imprensa de causar “histeria”. “O vídeo contém informações distorcidas, como a de que a COVID-19 seria um mero resfriado, o clima tropical dificultaria a dispersão do vírus, e que apenas pessoas acima de 60 anos deveriam se isolar”, descreve o artigo.

Chamou atenção dos pesquisadores a ausência, no rol das postagens que mais geraram engajamento, de conteúdos provenientes de instituições ligadas à ciência e à saúde, como universidades, centros de pesquisa e agências de fomento. Este não é um resultado isolado: outros trabalhos já detectaram baixa presença desses atores no ambiente das redes sociais no contexto do debate público acerca das vacinas, por exemplo. Diante disso, Massarani e colaboradores defendem: “as dinâmicas de engajamento da rede precisam ser levadas em consideração nas estratégias da comunicação pública da ciência no país, especialmente no contexto da pandemia, em que a demanda por fontes confiáveis é primordial”.

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