Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
Highlights
- Falta de recurso e descrença na ciência durante os anos da pandemia atrasaram a produção de uma vacina nacional
- Superar a dependência de tecnologia externa depende de comprometimento com iniciativas de inovação em saúde
- Priorizar investimentos em pesquisa é essencial para se preparar para novas pandemias
Um novo estudo aponta que uma liderança anticiência e o financiamento escasso em pesquisas impediram que o Brasil tivesse uma vacina própria para combater a Covid-19. Pesquisadores da Universidade da Geórgia do Sul (Georgia Southern University – Estados Unidos) e da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP) descrevem como a agenda política do governo do ex- presidente Jair Bolsonaro durante os anos da pandemia atrasaram a produção de um imunizante nacional apesar do histórico bem-sucedido do país em epidemias anteriores. O artigo foi publicado na revista científica “Studies in Comparative International Development” nesta quarta (8).
Ao analisar o histórico de iniciativas brasileiras em pesquisa, tecnologia e inovação na área de vacinas, os pesquisadores foram surpreendidos pelo fato de o Brasil não ter chegado a uma vacina própria contra a Covid-19 considerando os investimentos recentes na infraestrutura farmacêutica. Além disso, “o amplo conhecimento, a experiência em programas de imunização e pesquisas clínicas, além de o Brasil contar com ótimos pesquisadores, já seriam motivos suficientes para que o país desenvolvesse sua vacina”, diz Matthew Flynn, professor de sociologia e estudos internacionais da Universidade de Geórgia do Sul e coautor do artigo.
Em um contexto no qual os países ricos praticaram o “nacionalismo de vacinas” ao adquirirem quantidades dos imunizantes em desenvolvimento várias vezes maiores do que as necessidades de seus países, o Brasil tinha algumas opções: comprar vacinas diretamente dos fabricantes; participar de iniciativas globais de distribuição de vacinas; firmar acordos de transferência de tecnologia com detentores de patentes; ou desenvolver e produzir vacinas locais. A última opção foi a alternativa de países como a Rússia, Índia, China e Cuba.
Para os pesquisadores, qualquer outro caminho que não fosse a produção de um imunizante próprio levaria a eventuais atrasos na distribuição das vacinas, seja por entraves na importação ou competição com países mais ricos para a compra. Por sua vez, esses atrasos provavelmente resultaram em um maior número de mortes, aumento na disseminação da doença, confinamentos mais longos e maiores perdas econômicas. “Tivesse sido uma prioridade desde os primeiros casos de Covid-19 no Brasil, o país poderia ter chegado a uma vacina eficaz própria ao mesmo tempo que a China, caso os ensaios clínicos fossem bem-sucedidos”, avalia Flynn.
O atraso brasileiro pode ser explicado pelas sucessivas reduções nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento antes e durante a pandemia, explica Elize Massard da Fonseca, professora da FGV EAESP que também assina o artigo. Neste sentido, Flynn cita o veto de Bolsonaro ao aporte de R$200 milhões para a pesquisa de vacinas proposto no orçamento do governo federal para 2021. “Quando Bolsonaro assumiu o executivo, o negacionismo científico, que ditava a coalizão política, acentuou a resistência para investimentos em políticas de saúde baseadas em evidências, criando uma liderança política incompatível com o cenário para reduzir a dependência brasileira de vacinas estrangeiras”, afirma.
Sobre as possíveis futuras pandemias, Flynn se preocupa com a postura brasileira. Ele lembra que o cenário de mudanças climáticas e desmatamento de florestas intensificam o risco de ressurgimento de novos vírus. “É preciso se preparar com financiamentos de longo prazo em pesquisas e desenvolvimento da estrutura farmacêutica nacional. Sem um fluxo contínuo de recursos e um compromisso sólido do governo com a ciência, o Brasil ficará, mais uma vez, dependente de acordos com os principais produtores de vacinas”, alerta o pesquisador.