Coprodução de conhecimento une pesquisadores e atores sociais

Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio UFPA. Para acessar, clique aqui.

Por Paula Drummond, especial para o Beira do Rio| Foto: Paula Drummond

“ Lar”, responde a jovem indígena Munduruku, quando perguntada sobre os significados da palavra Amazônia. Sentado em círculo, sob o teto de uma oca, o pesquisador mineiro Filipe França (Universidade Federal do Pará e Universidade de Bristol, Reino Unido), que atua na Amazônia há anos, buscava entender como aquele grupo Munduruku de Belterra (PA) compreendia conceitos como Amazônia, biodiversidade, conservação, ameaças e soluções.

 A mesma dinâmica foi repetida em outras dez ocasiões, com grupos sociais que possuem diferentes relações com o território amazônico: agentes públicos estaduais de diferentes estados da Amazônia, gestores federais, representantes de ONGs, comunidade acadêmica e lideranças de comunidades tradicionais. A preocupação de fundo era entender, primeiramente, como esses diferentes grupos enxergam as questões relacionadas à conservação da Amazônia. E garantir que os envolvidos compreendam suas diferenças e convergências, uma das premissas da coprodução de conhecimentos.

 A coprodução de conhecimentos tem sido usada como uma estratégia promissora para abordar desafios complexos de sustentabilidade. Isto porque essa perspectiva busca conectar pesquisadores com diversos atores sociais para produzir conhecimentos, ações e mudanças sociais de forma colaborativa e participativa. A expectativa dessa estratégia é, por meio de processos baseados em conhecimentos diversos e confiáveis, desenvolver soluções com, por e para aqueles que estão em posição estratégica para usá-las.

 A coprodução de conhecimentos também é um dos eixos estruturantes do recém-inaugurado Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sínteses da Amazônia, o INCT SinBiAm, sediado na UFPA. O objetivo do INCT é integrar dados em larga escala, aprimorar a capacidade de síntese, e comunicar os resultados para apoiar políticas públicas para a conservação e manejo da biodiversidade amazônica. Para isso, o INCT vai organizar seu trabalho em rede com várias instituições da Amazônia.

 “A partir do momento em que colocamos povos indígenas, comunidades quilombolas e ribeirinhos como protagonistas em nossas pesquisas e discussões, criamos uma oportunidade de muito aprendizado ao interagir com seus conhecimentos seculares e sua forma harmoniosa de viver com a floresta, bem como, de entender suas aspirações, demandas e necessidades para fomentar políticas públicas”, explica Leandro Juen, professor da UFPA e um dos coordenadores do Instituto.

 Comunidades, agências ambientais e tomadores de decisão

 Além do envolvimento dos povos indígenas e de comunidades quilombolas, o INCT pretende coproduzir conhecimentos com tomadores de decisão e agências ambientais, considerando as necessidades que essas agências identificam em sua atuação na região. Este processo irá permear toda a abordagem do INCT SinBiAm.

 A produção convencional da ciência ambiental tem sido, geralmente, entendida como um esforço primordialmente técnico, conduzido por um grupo restrito de especialistas que zelam pela legitimidade e rigor ao processo. Entretanto, nas últimas décadas, a velocidade com que as mudanças ambientais se desenrolaram pressionou a comunidade científica a envolver um conjunto mais amplo de atores na produção de conhecimentos a fim de enriquecer as informações capazes de aumentar a efetividade na tomada de decisões. Somados a isso, os apelos para o envolvimento da sociedade na coprodução de conhecimentos proliferaram na governança ambiental e de recursos naturais, na adaptação climática e nos estudos científicos do sistema terrestre, entre muitos outros.

 “Muitas vezes, nós, os cientistas, estamos acostumados a ser os detentores da ciência e corremos o risco de achar que somos os únicos detentores dos conhecimentos. E isso não é a realidade”, conjectura Filipe França, também coordenador do INCT SinBiAM. “Acho que o maior desafio é a falta de treinamento [dos cientistas] para compreender as diferentes linguagens e as diferentes aplicações da ciência”, explica França.

 Coprodução é um processo participativo, mas nem todo processo participativo envolve a coprodução. Se a questão de pesquisa parte da demanda das pessoas de um determinado território, e pesquisadores e comunitários realizam a coleta de dados conjuntamente, isso pode ser considerado uma pesquisa participativa, explica James Moura Jr., pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Bristol e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).

 Entretanto, a coprodução de conhecimentos estende-se desde uma fase colaborativa de estruturação do problema e construção de confiança, passando pela geração de conhecimentos, até uma fase de exploração dos impactos práticos do processo. “Para que isso ocorra, os comunitários precisam continuar sendo reconhecidos como produtores de conhecimento, além de terem seus conhecimentos integrados naquelas análises. Seus nomes devem estar, de fato, na autoria e não apenas nos agradecimentos dos artigos científicos”, complementa o pesquisador.

 Cada processo de coprodução envolve potencial único

 Um estudo publicado em 2021, na Science, assinado por mais de 40 autores de todo o mundo, analisou 32 iniciativas em seis continentes que coproduzem diversos resultados para o desenvolvimento sustentável dos ecossistemas em escalas local e global. O estudo identificou seis modos de coprodução que mostram como abordagens distintas para lidar com propósito, poder, política e trajetórias são adequadas para alcançar diferentes tipos de resultados.

 O grupo de cientistas mostrou que cada modo de coproduzir tem um potencial único para alcançar resultados específicos, mas também apresenta desafios e riscos, tais como criar efeitos indesejados como “câmaras de eco” (algo similar às “bolhas” criadas nas redes sociais), reforço do status quo e a cooptação por interesses poderosos.

 Por fim, os autores destacam que a coprodução requer facilitação cuidadosa para unir perspectivas, valores e identidades diversas, e que o engajamento em várias escalas e em longo prazo são essenciais para alcançar resultados. Ainda que a coprodução se apresente como um caminho mais desafiador, o grupo de pesquisadores do SinBiAm não desanima. “Acreditamos que seja o caminho correto para tentarmos mudar esse cenário de devastação que, infelizmente, assola a Amazônia”, finaliza Leandro Juen.

 SAIBA MAIS Atualmente, o Instituto reúne 57 membros de 32 instituições de pesquisa, das quais sete são internacionais e 25 no país. Destas, 15 são instituições que estão na Amazônia. Destaque para a sede, UFPA, que participa com cinco campi: Altamira, Marajó, Soure, Bragança e Belém. As pesquisas participatórias focadas na coprodução de conhecimentos também contam com apoio da Universidade de Bristol, através dos projetos “Sínteses para Políticas na Amazônia” (SynPAm, financiado pelo Instituto PolicyBristol) e “Vozes da Amazônia: coprodução de conhecimentos para informar práticas e políticas ambientais” (Vozes, financiado pelo Instituto Cabot para o Ambiente).

Sobre a pesquisa: Iniciado em 2023, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sínteses da Amazônia, o INCT SinBiAm, tem como objetivo integrar dados em larga escala, aprimorar a capacidade de síntese e comunicar resultados para apoiar políticas públicas para a conservação e manejo da biodiversidade amazônica. O INCT tem financiamento do CNPq e está sediado na UFPA, onde é coordenado por Leandro Juen (UFPA), Fabrício Baccaro (UFAM), Juliana Schietti (UFAM) e Filipe França (UFPA e Universidade de Bristol, Reino Unido).

 Beira do Rio edição 170

Compartilhe:

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
Share on linkedin
Share on telegram
Share on google
Language »
Fonte
Contraste