Consciência negra é tecnologia ancestral de viver

Publicado originalmente em Brasil de Fato por Dani Portela e edição de Vanessa Gonzaga. Para acessar, clique aqui.

A falsa abolição brasileira surgiu em maio de 1888, há apenas 133 anos. Ela personaliza a liberdade pela metade, que ainda quer engolir nossa existência como um enorme buraco branco na história da humanidade. Falar do novembro negro é falar de como o povo negro vem deslocando as estruturas da linguagem, dos marcos civilizatórios e das estratégias para derrubar esse sistema. Vocês sabiam que faz apenas 51 anos que comemoramos o 20 de novembro? Até 1970, nos era imputado o 13 de maio como o grande símbolo da libertação negra no contexto brasileiro. A narrativa, vocês já devem imaginar, é de que ela veio pelas mãos da monarquia e toda a bondade da branquitude. Uma pessoa branca nos salvou da opressão. 

A branquitude como um lugar estrutural, tenta ser nosso começo e nosso fim. Eles tentam fazer um apagamento da nossa luta, são nossos algozes e pensam ser nossos salvadores, são os donos da caneta da história. Porém, exercitar uma consciência negra, é fazer reintegrações de posse, é tomar de volta a nossa memória, as nossas narrativas, as nossas histórias. Consciência negra é tecnologia ancestral de viver em um mundo que combinou de nos matar. Eu entrei para a política porque sou fruto dessa consciência política, de emancipação, que através de Dandara, Marielle, Carolina de Jesus e tantas outras que jogaram sementes no chão que floresceram. Estar hoje em um país que tem um mês de novembro reconhecido como principal data da luta antirracista significa que nós não vamos deixar que contem a história no nosso lugar. O movimento negro desde 1970 luta para que novembro seja somente o começo, pois precisamos ecoar a nossa resistência e reafirmar a nossa existência todos os meses. 

Enquanto isso não acontecer, continuaremos vivendo em um Brasil onde 75% da população mais pobre do país é composta por pessoas negras; em que 72,9% das pessoas desempregadas do país são negras e onde, de acordo com o Ministério da Saúde, 67,5% das famílias negras do país são atingidas pela fome. Um país melhor para o povo negro é um país melhor para todo mundo. Quando Bolsonaro decreta o fim do Bolsa Família, ele coloca em risco a comunidade negra; quando ele ameaça o SUS, reafirma o desprezo que ele tem pelo povo que mais usa o sistema público de saúde brasileiro. 

O Bolsa Família foi finalizado sob a justificativa de que seria substituído pelo Auxílio Brasil, um pagamento com um valor incerto, que tem o objetivo de ir apenas até o fim de 2022 e que sequer tem orçamento previsto. É preciso negritar que está em jogo o calote representado pela PEC dos Precatórios para que o governo pague o valor desse auxílio que está muito evidente que tem fins eleitoreiros. A Oxfam Brasil alerta que “[…] o programa apresenta uma concepção confusa, que vai das categorizações criadas para o acesso ao benefício até os mecanismos de monitoramento da sua execução e impacto” e que beira a crueldade acabar com o Bolsa Família, modelo no mundo, sem realizar debate amplo com a sociedade, deixando milhões de famílias sem saber se poderão seguir se alimentando e sobrevivendo. 

Por isso, falar de fome no mês da consciência negra, é dizer que não vão nos calar, não morreremos em silêncio, diante de um governo que não tem compromisso com o bem-estar social do povo. É urgente um projeto político a partir de uma consciência negra, pois no final das contas, no limite da violência, do racismo e da fome, consciência negra é a luta pela humanização de todas as pessoas desse país. É o levante da sociedade brasileira contra o capital e um Estado neoliberal que opera políticas de morte contra o povo negro. Afinal, nós combinamos de não morrer.

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