Conhecimento do português proporciona acolhimento para imigrantes que vivem no Brasil

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Inclusão | Através da língua portuguesa, migrantes podem ter acesso a direitos, cultura e educação

*Foto: Há 5 anos no Brasil, a colombiana Alejandra Gomez trabalha no Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instruções às Migrações (CIBAI Migrações), projeto ligado à Igreja Católica que promove integração sociolaboral, capacitações e assistência aos migrantes em Porto Alegre (Marcelo Pires/JU)

Quando a colombiana Alejandra Gomez, de 22 anos, chegou ao Brasil, em 2019, não sabia falar português. Pela proximidade fonética com o espanhol, sua língua materna, Alejandra passou a entender parcialmente conversas em português após cerca de 3 meses morando no novo país, mas a sensação de inadequação permaneceu.

Estudante de arquitetura e marketing em Porto Alegre, a colombiana conta que precisou “se forçar” a aprender a língua oficial brasileira rapidamente para ter um melhor desempenho na faculdade e no trabalho. Após um ano estudando a língua por conta própria e convivendo diariamente com falantes nativos, Alejandra já era fluente em português. Para ela, ter o domínio da língua enquanto imigrante vivendo no Brasil significa a possibilidade de acolhimento e a sensação de pertencimento ao país que virou sua casa. 

“A língua é a ponte. Sem comunicação, ninguém consegue expressar o que quer, precisa ou sente”

Alejandra Gomez
Ensino individualizado é a chave

Numa tarde ensolarada de abril, em uma das salas de aula da Escola de Administração da UFRGS, cerca de 20 estudantes se reúnem para assistir a uma aula de português e cultura. Nenhum deles é brasileiro ou fala português fluentemente. 

Com a ajuda do professor Nathan Barcellos, do Programa de Português para Estrangeiros da UFRGS (PPE), esses estudantes de diferentes nacionalidades aprendem a língua, suas nuances e especificidades através de músicas, textos literários, eventos históricos e obras de arte brasileiras. A música Asa Branca, de Luiz Gonzaga, é um dos artefatos utilizados durante a aula não só para estimular a aprendizagem da língua em toda sua variedade e pluralidade, mas também para a compreensão de um país, seu povo e sua história, tudo com o português como pano de fundo. “O foco dessa aula é justamente expandir o repertório deles em referências brasileiras”, explica Nathan. 

Atuante no PPE há dois anos, o professor conta que as aulas de português com estudantes estrangeiros são sempre uma troca mútua de conhecimentos e uma imersão cultural. “A gente ganha outra perspectiva sobre tudo”, afirma.

Para a coordenadora do PPE, Letícia Grubert dos Santos, o mais importante no ensino de português para estrangeiros é considerar e acolher as diferentes realidades que convivem numa mesma sala de aula. “É muito importante que nossos professores tenham uma boa base teórica, mas que também conheçam as turmas dos estudantes, as realidades diferentes que se apresentam”, aponta. Nesse sentido, Nathan exemplifica uma particularidade: “Os estudantes refugiados geralmente falam português bem, porque eles costumam trabalhar, mas então eles precisam reforçar a escrita, porque eles não estão acostumados a escrever.”

A ideia de acolher e englobar os gostos, necessidades e particularidades de cada um dos estudantes no ensino da língua é o que define o Português como Língua de Acolhimento (PLAc), que visa que a aprendizagem da língua portuguesa se dê através de um contexto de inserção social, indo além do ensino da gramática. Segundo a professora do Instituto de Letras da UFRGS Gabriela Bulla, o PLAc atende às demandas específicas de cada estudante durante o aprendizado, levando em consideração os fins para os quais a língua vai ser utilizada por cada um. “Algumas pessoas querem aprender a escrever um e-mail, outras querem participar de um grupo de leitura de literatura”, explica. 

“Para além do letramento, é uma formação pessoal e ideológica na língua adicional”

Gabriela Bulla

O ensino de português para estrangeiros, no entanto, ainda esbarra com a literatura incipiente sobre o tema e com as altas taxas de evasão. “Se um aluno está fazendo o curso, mas é aprovado em um teste de proficiência em português, talvez ele não tenha tanta motivação para continuar”, exemplifica Letícia.

O que o português proporciona

Para se naturalizar brasileiro, é preciso, primeiro, comprovar a proficiência no português. Uma das maneiras de fazer isso é através do Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras), que é o exame brasileiro oficial para certificar proficiência em português como língua estrangeira. 

Além desse, outros benefícios para imigrantes só podem ser obtidos através do conhecimento da língua oficial do país. A palestina Maysar Hassan, de 63 anos, vive no Brasil desde os oito, e sempre trabalhou junto a iniciativas de amparo e acolhimento de famílias imigrantes e refugiadas que se estabelecem no Rio Grande do Sul. Apesar de ter aprendido a língua logo quando chegou ao país, ainda criança, ela conhece de perto a realidade e as oportunidades das quais são privados os imigrantes que não têm a oportunidade de aprender português. “É complicado arrumar emprego, se comunicar e se mobilizar”, observa. “A primeira dificuldade é sempre a língua.”

Alejandra, que ingressou na universidade no Brasil antes de ter o pleno domínio da língua, lembra dos obstáculos que precisou enfrentar para se manter na graduação. “Eu precisava ler textos, ouvir e apresentar trabalhos, então acabei me forçando a aprender mais rápido”, conta. Ela ainda ressalta a dificuldade no acesso de direitos de imigrantes que não conhecem a língua do novo país. “Normalmente, o migrante desconhece muitos benefícios, documentos e até processos trabalhistas, já que não está familiarizado com a cultura e as leis do país que o acolhe.”

Contando com laboratório de informática, cozinha, biblioteca, sala de reuniões e brinquedoteca, espaço do CIBAI Migrações oferece apoio a migrantes (Fotos: Marcelo Pires/JU)
Contato com o país de origem

Na família de Alejandra, existe uma regra: em casa, só se fala espanhol. Apesar da importância que o português representa na vida de imigrantes estabelecidos no Brasil, o contato com as raízes também é essencial para muitos deles. Muitas vezes, isso significa se manter falante ativo da língua materna sempre que possível. No caso da família de Alejandra, a decisão de manter o espanhol como língua principal do lar foi tomada para que as irmãs mais novas da estudante não perdessem o domínio da língua. “Para nós, é importante que elas saibam espanhol, pois isso abre mais portas, além de permitir que elas se comuniquem com a nossa família na Colômbia”, explica.

O professor Nathan afirma que sua filosofia pessoal enquanto docente de língua portuguesa para estrangeiros é de nunca impedir que seus alunos falem em suas línguas maternas. “É inevitável eles terem que usar o português, porque na aula está tudo em português, então deixo eles falarem na língua deles quando quiserem”, aponta.

Maysar, que tem o árabe como língua materna, também procura manter o idioma vivo entre sua família. Apesar de os pais, com quem conversava em árabe, já serem falecidos, ela se esforça para que os filhos ajudem a manter a cultura palestina viva dentro de casa, seja através da língua ou da manutenção de costumes, mesmo a 10 mil quilômetros de distância de casa. “Somos refugiados e o nosso país está sob ocupação. Então, para nós é muito importante manter nossa cultura, nossa tradição e, principalmente, a nossa língua.”

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