Como se tornar imune a doenças?

Publicado originalmente em Vidya Academics. Para acessar, clique aqui.

Texto: Wasim A. P. Syed

Revisão: Eduardo Vidal, Robson Amaral, João Henrique e Thaís Cardoso.

Quando pegamos uma doença como um resfriado, passamos alguns dias mal, com febre, inflamação na garganta e olhos lacrimejando. Todos esses sintomas são respostas do nosso sistema imune contra os vírus causadores do resfriado. Passados alguns dias, o desconforto melhora e voltamos ao normal.

O sistema imune e anticorpos

Se entrarmos novamente em contato com os mesmos microrganismos, a resposta será mais rápida e eficiente e os sintomas serão muito mais leves do que os da primeira vez, pois o nosso sistema imune entra em ação e nos adaptamos a essa invasão criando anticorpos específicos contra esses vírus.

Os anticorpos produzidos especificamente contra o agente causador da doença – ou seus elementos, os antígenos – circulam em nosso corpo como “redes de pesca”. Nosso sistema imunológico lança essas moléculas protetoras por dias e meses no nosso sangue, até reconhecer um pedaço desses vírus e neutralizá-lo.

O problema que enfrentamos com os vírus do resfriado é que, embora tenhamos contato com as mesmas espécies ao longo da vida, esses vírus sofrem variações significativas o suficiente para enganar o nosso sistema imune, a ponto deste não reconhecê-los mais. Assim, não ficamos por muito tempo imunes ao resfriado comum.

Esse exemplo pode ser usado para entender o que é o nosso sistema imune, como combatemos uma doença causada por um microrganismo e por quê, de vez em quando, desenvolvemos a mesma enfermidade.

Mas, e se houvesse uma forma de criar anticorpos contra uma doença, um microrganismo ou uma toxina sem termos uma grande chance de desenvolver os sintomas?

Induzindo anticorpos naturais

Vejamos o exemplo do tétano, uma doença causada pela bactéria Clostridium tetani. Quando alguém é infectado, os músculos do corpo se contraem violentamente até ficarem rígidos e, se essa pessoa não for devidamente tratada, há grandes chances de morte. No entanto, essa condição não ocorre somente devido à bactéria, mas à produção de uma toxina, a tetanoespasmina.

E se pudéssemos ensinar nosso sistema imune a produzir naturalmente os anticorpos contra essa toxina? Uma ideia seria dar um pequeno pedaço dela ou transformarmos a bactéria numa versão menos danosa, menos virulenta.

Bem, há algumas formas de se fazer isso. Podemos produzir uma grande quantidade dessas bactérias, isolar a toxina e aquecê-la por um tempo ou colocá-la em alguma substância que modifique a molécula até termos certeza de que não causará os mesmos efeitos que a toxina íntegra.

É seguro?

Mas como ter confiança de que essa toxina tratada não causará a doença? Podemos testar com animais pequenos, como camundongos, ou com células musculares cultivadas in vitro. Se injetarmos essa preparação nos camundongos e eles não apresentarem os mesmos sintomas, teremos mais garantia de que não nos causará um problema. E, se fizermos o mesmo com as células musculares e não houver dano algum, poderemos ficar mais otimistas com essa preparação.

O próximo passo é testar com um grupo de pessoas que vivam em uma área de risco – ou zona endêmica -, com grandes chances de serem infectadas e desenvolverem a doença. Esse é o caso dos moradores da zona rural, uma vez que essas bactérias são encontradas nas fezes de animais, no solo e na poeira. Se este grupo de pessoas receber toxina processada e, ao longo do tempo, não adquirir a doença, maiores serão as chances de proteger uma população ainda maior, mesmo aquelas que vivam em zonas urbanas, por exemplo.

Outro possibilidade é preparar alguma forma mais fraca do vírus do sarampo. Se isolarmos o vírus – que infecta somente os humanos – e o processarmos de forma que contamine apenas coelhos, por exemplo, podemos entrar em contato com essa nova linhagem do vírus e criar anticorpos contra o vírus íntegro circulante na população.

Podemos aplicar a mesma lógica de indução de anticorpos naturais contra quaisquer outras doenças, como a poliomielite e a caxumba. E, se esses microorganismos processados não forem imunogênicos o suficiente — isto é, incapazes de induzir uma resposta imune — , podemos adicionar algumas substâncias não-tóxicas aos humanos para ajudar, como o alumínio e esqualeno.

Uma ideia de gênio, não?

Como era feito

Técnica de variolação por inoculação da pústula de um paciente com Varíola, na China. Fonte: The History of Vaccines.

Essa ideia não é nova! Há mais seis séculos, as civilizações tratam doenças dessa forma, colocando pessoas em contato com uma versão mais branda para criar imunidade contra a mais grave.

Os egípcios, no séc. XIII, aplicavam uma técnica de prevenção chamada variolação contra o vírus da varíola, uma doença mortal. A técnica se espalhou pelo mundo, chegando a Índia no séc. XVI. No século seguinte, partes da África e da China já praticavam a variolação. Os curandeiros manipulavam uma lesão causada pelo vírus em um paciente com sintomas atenuados, secavam-na, transformavam em pó e inoculavam em uma pessoa saudável, através do nariz, boca ou de um corte.

Legenda: Criança com Varíola. Fonte: PHIL/CDC

Por centenas de anos, grande parte dessas populações que mantinham essa cultura se tornaram imunes à varíola, no entanto, algumas pessoas contraíam a doença e morriam da mesma forma. Com o tempo, a técnica se expandiu pelo mundo, chegando à Inglaterra no começo de 1700, e aos Estados Unidos, e desenvolveu vertentes alternativas.

Na Inglaterra, as mulheres que trabalhavam na ordenha de vacas e infectavam-se com o vírus da varíola desses animais, a Variolae vaccinae, uma vez recuperadas da versão mais branda da doença se tornavam imunes à varíola humana.

Varíola da vaca, a Variolae vaccinia. Fonte: The History of Vaccines.

Edward Jenner, um cientista inglês do século 18, estudou de forma criteriosa essa alternativa de variolação e comprovou que ela era realmente mais segura e eficiente do que a versão tradicional.

Edward Jenner. Fonte: The History of Vaccines.

Em 1796, o sucesso dos estudos de Jenner foi divulgado e replicado em outros países, e o resultado era sempre satisfatório: quem era imunizado contra a varíola da vaca, não desenvolvia a varíola humana!

As primeiras vacinas

No final do século 19, Louis Pasteur demonstrou que a inativação por aquecimento da bactéria do antraz, o Bacillus anthracis, também imunizava contra a bactéria virulenta. Pasteur atribuiu o nome de vacina a esse medicamento, em homenagem a Jenner e seus estudos com a Variolae vaccinae.

Louis Pasteur. Fonte: Wikipedia.

Hoje, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, as vacinas salvam entre 2 e 3 milhões de pessoas por ano. Por outro lado, 1.5 milhão ainda morrem pela falta de imunização. Há mais de 15 tipos de vacinas oferecidas pelo Sistema Único de Saúde brasileiro de forma gratuita. Veja o calendario de vacinas aqui.

Vacinas previnem e eliminam doenças

Desde quando as vacinas foram introduzidas no mundo, algumas doenças comuns entre nós desapareceram dos jornais e da memória popular: em 1979, a varíola foi erradicada do mundo, e desde 1989, o Brasil e as Américas nunca mais registraram um caso de poliomielite. A poliomielite ainda existe em outros continentes, como Ásia e África, mas se a cobertura vacinal contra a doença continuar se expandindo, a tendência é que, em alguns anos, ela seja erradicada de todo o mundo, como a varíola.

Poliomielite e vacinas.

A vacinação é uma ótima estratégia de saúde pública para a imunização da população, sendo assim, devemos incentivar a sua produção e amplo acesso.

Referências:

  • Artenstein, A. W. Vaccines: A Biography. 2010. DOI: 10.1007/978–1–4419–1108–7.
  • Organização Mundial da Saúde.
  • History of Vaccines.

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