Por Ana Regina Rêgo. Também disponível em Jornal O Dia e Portal Acesse Piauí.
O tema da regulação das Plataformas digitais no Brasil já vem sendo debatido há alguns anos. O Projeto de Lei 2630/2020 conhecido como PL das fake News e que está pautado para ser votado na Câmara Federal na próxima semana e possui mais de 70 Projetos de Lei apensados, pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
No novo governo do Presidente Lula, a pauta que já vinha quente desde o processo eleitoral de 2022, quando o que denomino de grande mercado da desinformação atuou de forma contundente, fabricando narrativas mentirosas e/ou híbridas a fim de manipular mentes a partir da ativação de afetos negativos com o objetivo de levar grande parte do eleitorado a votar em candidatos, cuja forma de convencimento só se dá pela mentira, ganhou novos contornos. O fato é que em 2023 a pauta foi novamente ativada com os atos golpistas de 08 de janeiro, quando bolsonaristas invadiram a praça e as estruturas físicas dos três poderes e novamente retorna com grande ênfase a partir das articulações para invasão e crimes em escolas brasileiras, articuladas, ao que parece, em grupos de redes sociais digitais e aplicativos de mensageria.
Faz-se, portanto, premente a aprovação de um escopo legal que possa atuar e coibir tais práticas. O mais importante, portanto, é trabalhar para a construção de um ambiente digital saudável, considerando que cada vez mais estamos a vivenciar uma experiência de vida plataformizada, onde é preciso que a eticidade pública e os valores trabalhem em prol do bem-estar social e possam ser respeitados. Para tanto, faz-se mister que as leis que venham a ser aprovadas exijam das plataformas um processo de maior transparência no trato com as informações coletadas dos usuários diuturnamente, tanto no que concerne ao processo mercadológico que nos inclui e que portanto, requer também regulação específica, como no que no se refere ao trato com a desinformação cientifica, socioambiental, racista e que comumente vem carregada com discurso de ódio, capaz de levar à prática da violência física, como vimos durante o pleito de 2022, no 08 de janeiro e agora nas escolas. Mas a lei deve abranger outras temáticas correlatas e que estão detalhadas nos mais de 70 projetos de lei apensados.
O relator do Projeto 2630/20 na Câmara Federal, Deputado Orlando Silva (PCdoB- SP), afirmou em entrevistas recentes que o PL absorveu sugestões que vieram do Governo e que tem como inspiração a lei dos Serviços Digitais da União Europeia (Digital Service Act- DSA) tais como: a ideia do dever de cuidado a partir das plataformas, a questão da análise de risco sistêmico, a criação de auditorias independentes, obrigações legais de transparência e criminalização do mercado da desinformação.
O Governo, através do Ministério da Justiça, tem defendido a responsabilização civil das plataformas pelos danos decorrentes causados por conteúdo gerados por terceiros, o que de certa forma contraria o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que reza que as plataformas não podem ser responsabilizadas por tais conteúdos, a não ser se descumprirem decisões judiciais. O entendimento do Ministério da Justiça, no entanto, é de que não contraria. Este é mais um ponto polêmico em discussão no Governo, no Congresso, no STF e nas instituições da sociedade civil que acompanham de perto as questões vinculadas a regulação das plataformas e combate à desinformação no Brasil.
Em cima das contribuições recentes do Governo ao PL 2630/20 a Coalização Direitos na Rede-CDR que é formada por mais de 50 instituições e organizações da sociedade civil e da academia e atua em defesa dos direitos digitais, lançou recentemente um documento em que chama atenção para dez pontos a serem considerados no debate e aprovação do Projeto de Lei.
Primeiramente, as regras que se referem ao Dever de Cuidado que aparentemente transferem poderes do Judiciário para as plataformas, inclusive, no que concerne a análise de crimes (mais de 60 tipos penais – arts. 12 e 13) incentivando a retirada de conteúdos de forma indiscriminada e potencializando o poder das plataformas sobre os usuários. Embora, a intencionalidade seja agilidade e proteção da sociedade, há que se considerar as nuances complexas que estão contidas no processo.
A Coalizão Direitos na Rede também sugere a criação de um órgão regulador que seja dotado de autonomia funcional, financeira e administrativa que possa atuar no monitoramento e fiscalização de leis, além de aplicar sanções para as plataformas em caso de violações. A CDR também aponta questões que devem ser debatidas amplamente, tais como a questão da assimetria regulatória agora incorporada ao PL-2630, que define que seus dispositivos somente se aplicam a plataformas com mais de 10 milhões de usuários e usuárias, a CDR sugere a adoção de um mecanismo de padronização, declaração e autenticação das plataformas digitais no Brasil que tenham esse número de usuários e usuárias. Aponta ainda falhas no Art. 37 que prevê que a criação de uma entidade autorregulatória a serem instituídas pelas plataformas e que teria como atribuições, dentre outras, avaliar o dever de cuidado das plataformas para com os usuários, moderar conteúdos, revisar decisões de moderação de conteúdo e contas, dentre outras atribuições. Vale destacar que o órgão autorregulador das plataformas não se configura como uma questão impositiva, ou seja, pode ou não ser criado pelas plataformas. A questão da auditoria externa (Art. 31) também é apontada como um ponto a melhorar, tendo em vista que o PL prevê que a auditoria externa deverá fiscalizar o cumprimento da lei; o conjunto e o tipo de conteúdo moderado, a integridade da plataforma; as políticas de moderação das plataformas, dentre outros pontos. Para a CDR, como para nós da Rede Nacional de Combate à Desinformação-RNCD Brasil, a proposta tal como está, termina por privatizar “a fiscalização do respeito à norma, em detrimento da necessidade da criação e funcionamento de um órgão regulador”.
Em sentido convergente, a Sala de Articulação contra Desinformação-SAD da qual a Rede Nacional de Combate à Desinformação-RNCD faz parte e é parceira, também lançou esses dias um documento com pontos a serem considerados na regulação. O primeiro deles é de um órgão regulador que seja independente e autônomo. Outros pontos que devem ser considerados se referem à responsabilidade das plataformas por conteúdo impulsionado, sobretudo, se esse conteúdo é nocivo e/ou ilegal, assim como, o fato de que as plataformas devem combater violência política e desinformação socioambiental.
O documento da SAD também é enfático no que se refere a uma maior transparência das plataformas sobre moderação e remoção de conteúdos, assim como, sobre sistemas de recomendação. O documento ainda sugere, dentre outras coisas, que a regulação das plataformas e que abarque o combate à desinformação tenha como vertente positiva e integrada entre governo, sociedade civil e plataformas, a criação de políticas públicas de fomento a educação/literacia digital e midiática.
Para conhecer o documento da Coalização Direitos na Rede acesse: https://direitosnarede.org.br/2023/04/12/a-democracia-brasileira-deve-assumir-um-papel-ativo-na-regulacao-das-plataformas-digitais/
Para conhecer a Rede Nacional de Combate à Desinformação acesse: https://rncd.org/
PS.: o documento da SAD deverá ser publicado nos próximos dias