Com três protagonistas negras, novelas abrem importante debate sobre representatividade

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta. Para acessar, clique aqui.

*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

*Créditos da imagem: Reprodução/Globo

Em um país onde há mais mulheres do que homens e em que 55,5% da população se declara preta ou parda (de acordo com os critérios do IBGE), nunca havíamos visto três atrizes negras protagonizando, simultaneamente, as novelas da maior emissora brasileira de televisão. Até agora.

Com a estreia de “Garota do Momento” no último dia 4, Duda Santos se une a Jéssica Ellen, de “Volta por Cima”, e a Gabz, de “Mania de Você”, respectivamente os folhetins das 18h, 19h e 21h.

Em postagem em sua conta no Instagram, a atriz Taís Araújo afirmou que presenciar esse momento da teledramaturgia é a realização de “um dos sonhos das suas ancestrais” e lembrou das parceiras de profissão Ruth de Souza (1921-2019), Léa Garcia (1933-2023) e Chica Xavier (1932-2020). Taís foi a primeira protagonista negra de uma trama global, quando interpretou Preta em “Da Cor do Pecado”, em 2004 — o que demorou quase 40 anos para acontecer, já que a primeira telenovela da emissora foi exibida em 1965.

Nos últimos anos, o crescimento da representatividade negra na TV Globo é notável não só no entretenimento: no telejornalismo, é evidente a presença de mais profissionais pretos e pardos na reportagem e na apresentação dos produtos jornalísticos de rede nacional. Já nas novelas, 2023 marcou o primeiro ano em que todas as produções eram estreladas por artistas negros: duas mulheres (Sheron Menezzes, em “Vai na Fé”, e Bárbara Reis, em “Terra e Paixão”) e um homem (Diogo Almeida, em “Amor Perfeito”).

É indiscutível: as novelas são parte integrante da nossa cultura. Para além de lançarem tendências e novos talentos, as tramas impulsionam comportamentos, mexem com o imaginário coletivo e pautam o debate público ao colocarem holofotes em temas sociais relevantes para a sociedade brasileira.

Mas, se muitas das histórias a que o Brasil assistiu por sete décadas buscavam uma verossimilhança com o cotidiano da população, não se pode afirmar o mesmo dos elencos. Publicado em 2015, um artigo dos pesquisadores Luiz Augusto Campos e João Feres Júnior, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mostrou que 91,3% dos personagens principais das telenovelas entre 1984 e 2014 foram interpretados por atores e atrizes brancos.

A sub-representação, de acordo com o estudo, era agravada pela escalação desses artistas para papéis em tramas que “costumam reproduzir imagens clichês e estereotipadas”, caso das que retratam o período da escravidão no País, por exemplo, e também pela falta de representavidade nas equipes técnicas, apontando a ausência de diretores e produtores negros.

As novelas são um dos nossos principais produtos culturais que, por mais de meio século, não refletiram a identidade étnico-racial da população. O aumento do protagonismo negro na teledramaturgia em papéis centrais e diversos — Gabz, por exemplo, interpreta uma chef de cozinha — finalmente alarga a representatividade midiática da população preta e parda, inspirando pessoas e criando histórias e imagens compatíveis com a realidade de quase 113 milhões de brasileiros e brasileiras que, enfim, conseguem enxergar parte de suas subjetividades e identidades na televisão.

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