Colaboração entre Astrobiologia e Ecologia pode trazer novas perspectivas sobre a vida no Universo

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Biológicas | Artigo publicado no periódico International Journal of Astrobiology aponta que a falta de comunicação entre os dois campos da Biologia interfere na precisão do conhecimento produzido por ambos

*Foto: Uma das luas de Saturno, Encélado é um dos corpos celestes que apresenta condições de habitabilidade, segundo estudos recentes (Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute)

Na definição do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), Astrobiologia é o estudo da vida no Universo em conexão com o ambiente astronômico, explorando sua origem, distribuição, evolução e perspectivas de futuro. Já a Ecologia, segundo a definição do biólogo alemão Ernst Haeckel, que cunhou o termo em 1869, é o estudo científico das interações entre organismos e seus ambientes orgânico e inorgânico. Seguindo essas definições, Astroecologia seria, portanto, a junção dos estudos dessas duas áreas.

Ainda que os dois campos pareçam se complementar em propostas, a colaboração entre ambos dificilmente é incentivada, ou assumida, por pesquisadores em Astrobiologia. É o que diz o artigo publicado pela graduanda em Biologia pela UFRGS e bolsista voluntária de Iniciação Científica (IC) Juliana Meurer e pelo professor do Departamento de Ecologia da Universidade Milton Mendonça Júnior na revista International Journal of Astrobiology. No estudo, aluna e professor constatam o abismo existente entre Astrobiologia e Ecologia e destacam a importância da mesclagem entre as duas áreas a partir de metodologias que apliquem termos da Ecologia nos estudos em Astrobiologia.

Na Ecologia, por exemplo, a modelagem de nicho ecológico dispõe sobre a distribuição de espécies de vida pelo planeta e estima em que partes essas espécies poderiam existir por conta das condições do ambiente em questão. “Alguns pesquisadores [astrobiólogos] pegaram essa metodologia, que vem da Ecologia, e a aplicaram para Encélado, que é uma lua [do planeta Saturno]”, comenta a graduanda, explicando que, pelo fato de as práticas da Ecologia estarem sendo usadas na Astrobiologia, ainda que de modo incipiente, é importante que esse uso seja reconhecido para incentivar a união entre as áreas.

Milton concorda e ressalta que a problemática se encontra justamente na nomenclatura da prática. “Essas pessoas [pesquisadores da Astrobiologia] estavam usando ferramentas da Ecologia, trabalhando com uma questão que é ecológica, mas eles não chamaram o trabalho deles jamais de Astroecologia”, explica.

Uma lacuna a ser preenchida

Enquanto liam a estratégia de Astrobiologia da Agência Espacial Estadunidense (Nasa), documento que especifica o que é necessário para o estudo da área, Juliana e Milton notaram que a instituição faz uso do termo “nicho ecológico”, da Ecologia. Segundo a graduanda, o conceito utilizado pela agência espacial está em desuso. Para a Nasa, em resumo, nicho ecológico é um ambiente no espaço, o habitat. Juliana explica que o conceito do termo, na verdade, abrange tudo o que o organismo necessita para a sua sobrevivência. “O nicho ecológico tem o habitat, mas também tem a alimentação, temperatura, condições atmosféricas, tudo que garanta a sobrevivência do organismo”, detalha.

O nicho ecológico das onças-pintadas, por exemplo, inclui hábito noturno; alimentação à base de veados, capivaras, macacos, antas, tatus, porco-selvagem e diversas aves; territorialismo; e identificação das fêmeas pelos machos a partir do odor e das vocalizações que emitem em época de acasalamento. Ou seja, o nicho ecológico das onças-pintadas não se resume apenas às florestas das Américas, habitat natural dessa espécie. “Um documento importante publicado a cada 10, 15 anos, tendo autoria de 20, 30, 40 pessoas, e estava lá um termo ecológico aplicado de forma errônea, indicando que não tinha nenhum ecólogo olhando para isso”, afirma Milton acerca da lacuna entre Astrobiologia e Ecologia.

“As pessoas que têm formação em Ecologia e que atuam na área acabam não pesquisando Astrobiologia, e geralmente na Astrobiologia os pesquisadores acabam não olhando tanto para a Ecologia porque eles vêm de formações diferentes”

Juliana Meurer
O incentivo faz toda a diferença

Ainda no primeiro semestre do curso, depois da primeira aula de Ecologia I, ministrada pelo professor Milton, Juliana não perdeu tempo e logo mandou um longo e-mail para ele expressando o gosto pela Astrobiologia. O passo seguinte foi ler as publicações do professor para se inteirar sobre o trabalho publicado por ele até então.

“Com aluno recém entrando no curso e fazendo a primeira Iniciação Científica é melhor pegar leve, dar algo mais simples”, pensou o professor. Mas a estudante optou por fazer algo mais complexo e conceitual: especificar a Ecologia e seus níveis de organização (população, comunidade, ecossistema e biosfera) e como ela se encaixa com a Astrobiologia. “Eu tinha algumas ideias soltas, ela juntou essas ideias, fez um negócio consistente e escreveu um artigo científico propriamente dito e tá lá, enviado e publicado”, diz Milton.

Ao longo de todo o ano de 2022, estudante e professor escreveram o artigo a partir de revisão bibliográfica. No ano seguinte, o artigo foi submetido e posteriormente publicado na International Journal of Astrobiology.

Num cenário nacional em que a ciência carece de incentivo, Juliana encontrou, naquela primeira aula de Ecologia I, motivação para trabalhar com pesquisa. Com a experiência obtida até o momento, o interesse dela pela ciência cresceu. “Agora eu penso em fazer uma pós-graduação e eu nunca tinha pensado assim”, relata Juliana.

Para Milton, se a estudante já está engajada na IC, ele sequer imagina o que ela vai ser capaz de fazer no mestrado. O desejo da estudante é que o professor siga orientando-a futuramente, o que não será difícil, uma vez que ambos possuem interesses em projetos futuros em torno da Astroecologia, possibilitando um ping-pong de construção de conhecimentos entre orientanda e orientador.

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