Publicado originalmente em Revista Eptic. Para acessar, clique aqui.
A Revista Eptic, produzida pelo Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), informa que está aberta chamada de artigos para o Dossiê Temático de sua próxima edição (vol. 24, n. 2), com o tema “Políticas de comunicação para um Brasil democrático”. O dossiê será coordenado por Murilo César Ramos (Universidade de Brasília) e Helena Martins (Universidade Federal do Ceará), com publicação prevista para agosto de 2020.
Os trabalhos devem ser enviados até o dia 30 de maio.
Políticas públicas são processos fundamentais à afirmação de direitos em qualquer sociedade que tenha a democracia como valor universal. Saúde, educação, trabalho, renda, previdência, habitação, meio ambiente, transportes e energia são exemplos de áreas cujas políticas deveriam ser facilmente reconhecíveis por toda a população, mas que frequentemente não o são, porque esta é privada daquele direito que lhe permitiria reconhecer e lutar por todos os outros: o direito à comunicação. E aqui não se está falando de ditaduras somente, mas de sociedades que, com maiores ou menores graus de desenvolvimento e prosperidade, se pretendem democráticas, onde a informação que circula amplamente é, em geral, objeto de apropriação privada. Dada sua relevância para a organização social hoje, seja na economia, política e cultura, a própria comunicação tem sido afirmada como direito fundamental, como foi consagrado, após anos de pesquisa e debates, no relatório “Um Mundo, Muitas Vozes” da Unesco, em 1980. O direito à comunicação significa que todas as pessoas devem poder e condições para se expressar livremente, ser produtoras de informação, fazer circular essas manifestações, sejam elas opiniões ou produções culturais. Portanto, não basta ter liberdade de expressão ou acesso a uma vasta gama de fontes de informações. É preciso que Estado e sociedade adotem medidas para garantir que todos e todas possam exercer esse direito. A partir das últimas três décadas do século XX, a internet, como rede mundial, provocou significativas mudanças nesse cenário, parecendo transformar o apelo do paradigmático relatório patrocinado em uma proposição acertada, mas insuficiente. Cabe, passados pouco mais de 40 anos, resgatar aquele apelo, tendo em vista uma situação na qual as muitas vozes que de fato têm circulado na internet se transformam elas próprias em muitos mundos, gerando toda espécie de ruído discursivo, e não comunicação, em um cenário marcado pela mundialização do capital, afetando sobremaneira os sistemas locais, e pela crescente concentração também em torno das plataformas digitais.
Um grande embaraço a que as políticas de comunicação sejam o caminho natural a que os direitos à informação e à comunicação sejam reconhecidos é a interdição que ele sofre das mesmas instituições que dele mais se beneficiam: as empresas que o exploram com fins de lucro, e o privatizaram. Um cenário que não é exclusivamente brasileiro, que pode até ser menos agudo em países do centro do capitalismo, mas que aqui tem paradoxalmente assumido ares de verdadeira censura. No Brasil, sequer remédios, alguns potentes, como os serviços públicos europeus de radiodifusão, muitos ainda dominantes, outros paliativos, como o marginal, mas eticamente relevante, serviço público estadunidense, têm sido admitidos. O duro embate para que o capítulo dedicado à Comunicação Social na Constituição de 1988 existisse, que desfigurou algumas das suas propostas originais mais relevantes, e o fato de muito ainda restar regulamentá-lo, são talvez os exemplos mais vivos da interdição acima mencionada. O breve experimento da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) é mais um testemunho disso. Plataformas digitais, como Google e Facebook, também têm reproduzido essa prática de cerceamento de debates, como visto recentemente em torno da discussão do PL 2630.
Indo de encontro a esse cenário, nas últimas décadas houve várias iniciativas na América Latina em torno da promoção do direito à comunicação, caso da aprovação da chamada Lei de Meios na Argentina, aprovada por um governo progressista e atacada, depois, por um sucessor marcadamente de direita. [liberal]. No Brasil, promessas de democratização da comunicação nunca foram efetivadas, apesar de mobilizações, como a feita em torno da Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, e da elaboração de propostas, como o Projeto de Lei da Mídia Democrática e o Projeto de Lei debatido durante o fim do segundo mandato do governo Lula, recentemente tornado público pelo Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom) da Universidade de Brasília, que acabaram não sendo concretizadas pelas escolhas políticas feitas naquele período. Em um ano eleitoral e tendo em vista a necessidade de um amplo debate que contribua para a atualização de um programa para o macrossetor, envolvendo radiodifusão, telecomunicações e internet, a Revista EPTIC propõe-se a contribuir com essa formulação, reunindo em seu próximo dossiê textos sobre políticas de comunicação no Brasil. Isto posto, esperam-se contribuições para questões como:
– A Economia Política da Comunicação e os estudos de Políticas de Comunicação frente aos desafios atuais
– Políticas públicas para a comunicação no Brasil, em perspectiva comparada com outros países
– Regulação da convergência audiovisual-telecomunicações-informática
– Marco legal para a radiodifusão no Brasil: desconcentração, pluralismo, diversidade e responsabilidade
– A EBC e o necessário resgate do sistema público de comunicação no Brasil
– Políticas de apoio à comunicação comunitária
– Políticas e regulação das plataformas digitais no Brasil
– A LGPD e a eficácia da proteção de dados no Brasil
– Mecanismos para a efetivação da proteção de dados
– Combate à concentração das plataformas digitais no Brasil
– A revisão do SeAC e a regulação dos serviços sob demanda