Publicado originalmente em *Desinformante por Liz Nóbrega. Para acessar, clique aqui.
A máxima das redes sociais “se você não paga pelo produto, você é o produto” pode estar ameaçada? Na semana passada, indícios de que o TikTok e a Meta poderiam lançar assinaturas pagas sem anúncios circularam na imprensa. O novo contrato, caso instaurado, será parecido com o YouTube Premium, que permite ao usuário usar o serviço sem publicidade por R$24,90 ao mês.
Parece que as plataformas só querem aumentar seus lucros, mas é um debate que relacionado aos desafios que as plataformas têm pela frente para se adequarem a novas leis, em especial, na União Europeia.
Em janeiro deste ano, a Meta foi multada em quase € 400 milhões pela Comissão de Proteção de Dados da Irlanda, que é a autoridade de proteção de dados que tem maior “poder” por concentrar a sede de várias big techs na Europa. De acordo com a autoridade, a empresa violou o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR) por não dar outra opção aos usuários que não ceder seus dados para anúncios direcionados.
“Quando a regulação da proteção de dados de privacidade na União Europeia entrou em vigor, o que a Meta fez foi basicamente anunciar isso para os usuários. Eles falaram ‘agora mudaram as regras e a gente tem que pedir o consentimento de vocês para coletar e processar dados para anúncios’. E aí você tem a possibilidade de dizer: ok, aceito esses novos termos ou então não aceito e não vou mais usar o serviços do Facebook. Isso foi judicializado e a autoridade chegou à conclusão que isso não é dar uma opção real aos usuários, eles estão simplesmente dizendo ou vamos coletar e processar esses dados ou você não usa a plataforma”, explica o pesquisador sênior de Direito e Tecnologia do Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, João Archegas.
No entanto, pelo tamanho e monopólio das plataformas, torna-se inviável a lógica do “aceite ou deixe”. Archegas pontua que Cortes ao redor do mundo já reconheceram a importância do acesso às plataformas digitais, justamente porque elas assumiram um espaço ímpar no que diz respeito ao diálogo público, então dar apenas essas duas opções pode, inclusive, representar uma violação de direitos fundamentais, como direito liberdade de expressão, direito à participação.
Então, como alternativa a essa questão, a Meta estuda lançar uma assinatura que pode custar entre US$ 14 e US$ 17 por mês para que o usuário possa usar os serviços sem anúncios personalizados e tenha o “poder” de escolha dessa situação, suavizando o dilema que a empresa tinha instaurado anteriormente para tentar convencer a autoridade europeia de proteção de dados. “Esse momento é um ponto de inflexão. Essas plataformas estão estudando outras alternativas para os seus modelos de negócio que sejam mais amigáveis à privacidade dos usuários e que agrade também as autoridades regulatórias, principalmente na União Europeia onde elas estão tendo mais problemas”, avalia Archegas.
O coordenador acadêmico do Data Privacy Brasil, Pedro Martins, destaca que, a favor da Meta, existem dois casos na União Europeia com jurisprudências parecidas. O primeiro deles é um jornal austríaco que realizou o mesmo procedimento – cobrar uma assinatura ou usar os dados para publicidade – que foi considerado lícito pela justiça europeia. Um outro caso remete à multa que o aplicativo Grindr recebeu na Noruega pelo compartilhamento de dados e que foi colocada como alternativa à possibilidade de cobrança para o uso, sem publicidade personalizada a partir das informações dos usuários.
“Por outro lado, em razão do poder que essas grandes plataformas de redes sociais concentram, a alternativa de oferecer uma assinatura pode ser interpretada de forma diferente. Pessoas que dependem do uso dessas plataformas para atividade profissional, por exemplo, ficariam reféns de um pagamento para proteger sua privacidade. O grau de liberdade em assinar ou não um jornal, entrar ou não em um aplicativo de relacionamento, é diferente do grau de liberdade de estar em uma plataforma que media diversas relações sociais essenciais ao dia-dia contemporâneo”, explica Martins.
João Archegas acredita que as autoridades europeias não vão compreender essa alternativa da Meta como viável porque ele acredita que existe uma filosofia que prega a proteção de dados e privacidade em primeiro lugar, então talvez essa não seja realmente a solução que se procura na União Europeia, porque se o usuário não tiver condições de pagar significa que ele está menos protegido na sua privacidade.
No mesmo sentido opina Lucas Reis, CEO da Zygon – empresa especializada em marketing digital – pesquisador e doutor em Big Data. Para ele, a solução apresentada é ruim porque pessoas de baixa renda não teriam possibilidade de fazer assinaturas das redes sociais e estariam mais expostas para o uso de seus dados.
Da mesma forma analisa Pedro Martins: se por um lado a plataforma tem liberdade para cobrar pelos seus serviços, por outro pode gerar a questão de que apenas pessoas ricas poderão ter seus direitos garantidos, algo bastante criticado pela sociedade civil europeia. “Não tem uma resposta muito simples, isso precisa ser estudado junto com questões concorrenciais, questões de liberdade de expressão. Não é só uma questão de adequação à lei, é uma questão de tensionamento de modelo de negócios”, acrescenta o coordenador acadêmico do Data Privacy Brasil.
Por outro lado, pontua Lucas Reis, esse debate sobre o pagamento ou não para o uso sem anúncios nas plataformas pode ajudar a colocar o tema do valor dos dados pessoais em alta, inclusive em maior destaque para os próprios usuários, que, analisa Reis, ainda têm um entendimento incipiente sobre a questão. Sobre o ponto de vista comercial da questão, o CEO da Zygon destaca que a eficiência publicitária do Facebook pode cair com esse movimento, assim como outras plataformas que pretendem a mudança, como o TikTok e o X (antigo Twitter).
“Isso tem um efeito no mercado de publicidade. De acordo com dados do IAB, 53% da publicidade digital no Brasil vai para plataformas de redes sociais e, o mercado que já estava começando a se acomodar nesse investimento, vai, cada vez mais, ter que se mexer e ir para outros lugares já que a eficiência da publicidade no Facebook, por exemplo, vai cair ou o volume de usuários que vai estar acessível para publicidade eventualmente vai cair”, explica Reis.
E no Brasil?
O Brasil tem sua Lei Geral de Proteção de Dados, legislação que se assemelha em alguns aspectos à GDPR da União Europeia. No entanto, analisam os especialistas, no Brasil ainda não existe um nível de maturidade institucional para tratar de questões como essas.
“A Autoridade Nacional de Proteção de Dados está começando a entrar no ritmo agora, mas na prática ainda não chegou lá, não fez uma análise específica sobre esses assuntos. Então é difícil dizer se a gente vai chegar na mesma conclusão ou não, mas eu posso dizer que há elementos normativos para isso na LGPD”, explica Archegas ao comentar que, apesar de o Brasil ter sido pioneiro na legislação sobre internet, com a aprovação do Marco Civil da Internet em 2014, atualmente a União Europeia encabeça os debates sobre tecnologia e direciona posicionamentos ao redor do mundo.
Para Pedro Martins, o debate no país sobre a temática ainda é incipiente e outras regulações, como a de plataformas digitais ou de inteligência artificial poderiam auxiliar na construção de um arcabouço para qualificar o debate público sobre esse fluxo informacional visto que, apesar de trazerem temáticas diferentes, todas se entrelaçam no modelo de negócios das plataformas.