Catástrofe climática prejudica a distribuição de medicamentos pelo SUS no Rio Grande do Sul

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Saúde | Enchentes afetaram vários serviços e sistemas, provocando mudanças em protocolos e em locais de atendimento

*Foto: Cristine Rochol/PMPA

A catástrofe climática no estado também prejudicou o acesso a medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Devido ao alagamento de parte da área central de Porto Alegre, o quadro elétrico do Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul (Procergs) precisou ser desligado em 6 de maio para preservar a infraestrutura e salvaguardar os dados armazenados. O desligamento ocasionou a inoperabilidade de vários serviços e sistemas, como a Administração de Medicamentos (AME), o que acarretou alterações na solicitação e no acesso a remédios fornecidos pelo SUS. Mesmo com o retorno do sistema nesta segunda-feira, 27, algumas medidas tomadas após a ocorrência permanecem vigentes.

Inundações também inviabilizaram a assistência presencial em diversos locais. Tendo em vista a calamidade pública, mudanças em protocolos e de alguns locais de atendimento foram divulgadas pela secretarias de Saúde do estado e de Porto Alegre.

Medicamentos Especiais via Farmácia RS

O Departamento de Assistência Farmacêutica da Secretaria Estadual da Saúde (SES/RS) emitiu no dia 7 de maio um comunicado sobre a distribuição de medicamentos especiais como imunossupressores, anticonvulsivantes e antirretrovirais, entre outros.  A orientação é que a entrega seja feita às pessoas que possuam a segunda folha do recibo da última prescrição pelas farmácias que mantiverem listas atualizadas dos pacientes e de seus tratamentos ativos ou por estabelecimentos farmacêuticos que tenham impresso o requerimento Rame 16, que permite a identificação de pacientes com processos administrativos ou judiciais. Segundo informações fornecidas pela Assessoria de Comunicação Social da SES/RS na segunda-feira, 27, o ofício continua em vigor enquanto durar o estado de calamidade pública.

A jornalista Geovana Benites é usuária de Baricitinibe, cujo preço nas drogarias pode ultrapassar os R$ 6 mil. Indicado principalmente para o tratamento de artrite reumatoide e de doenças autoimunes em adultos, seu uso deve ser contínuo, interrompido somente sob orientação médica. Também toma 24 cápsulas mensais de Metrotexato ou MTX, usado no tratamento do câncer e doenças autoimunes. “Como são remédios especiais, muito caros, tem esse trâmite em que é preciso abrir processo para conseguir gratuitamente pela Farmácia do Estado. A cada seis meses preciso renovar o meu”, explica.

Geovana estava apreensiva, pois, apesar de seu processo no sistema estar vigente, havia uma lista dos medicamentos que estavam sendo distribuídos. Sua mãe foi duas vezes ao Centro Logístico de Medicamentos Especiais (CELME), localizado na Avenida da Azenha, e por fim conseguiu retirar os medicamentos no final da tarde de sexta-feira, 25. “Eles têm uma lista física de pacientes, mas não são todos os medicamentos que estão dando. Meus medicamentos já haviam acabado e eu não posso ficar sem por muito tempo”, conta.

A SES/RS criou a possibilidade de se abrir novos processos de pedido de medicamentos via solicitação administrativa por e-mail. “Quando o paciente for na farmácia de seu município, receberá a informação do e-mail adequado, pois são vários, dependendo do grupo de doença e do grupo de consultores. O melhor é o paciente pegar a orientação específica e correta no município”, informa a Assessoria de Comunicação Social da pasta.

Medicamentos da Atenção Primária via Farmácias Municipais e Farmácia Popular

A Atenção Primária à Saúde (APS) é a principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS) e do centro de comunicação com toda a Rede de Atenção do SUS. As ações da APS ocorrem no local mais próximo da vida das pessoas, ou seja, nos bairros e nos municípios. Compreendem iniciativas como o acesso a medicamentos e insumos listados no Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF), disponibilizados por meio das farmácias municipais e do Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), do Governo Federal. O programa complementa a disponibilização de medicamentos por meio da parceria com farmácias e drogarias da rede privada.

O Farmácia Popular disponibiliza medicamentos gratuitos para o tratamento de diabetes, asma, hipertensão e, desde junho de 2023, para osteoporose e anticoncepcionais. Oferece de forma subsidiada remédios para dislipidemia, rinite, doença de Parkinson, glaucoma e fraldas geriátricas. Nesses casos, o Ministério da Saúde custeia até 90% do valor de referência tabelado. Para pessoas beneficiárias do Bolsa Família, o acesso é totalmente gratuito.

Já a Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME) de Porto Alegre abrange o que é disponibilizado pelo município. Os remédios que podem ser retirados gratuitamente com receita simples, como anticoncepcionais, analgésicos, antialérgicos e para pressão alta e diabetes, são entregues nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Os que necessitam de receita especial/controlada ou antibióticos são fornecidos apenas nas Farmácias Distritais, com auxílio farmacêutico conforme a receita.

Nesta segunda-feira, 27, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre divulgou em seu perfil no Instagram a lista das Unidades de Saúde e Centros de Referência temporariamente fechados devido às enchentes, indicando para onde a população dos locais atingidos deve se dirigir. A pasta informa que estão fechadas 12 unidades na Zona Norte, 3 na Zona Leste, 2 na Zona Sul e 1 na Zona Oeste. Além das outras unidades de saúde, que estão abertas e podem atender à população, estão disponíveis quatro unidades móveis, no Boulevard Assis Brasil, no Bourbon Assis Brasil, no Shopping Total e no Largo Zumbi dos Palmares.

Moradora da Vila Safira, na zona norte de Porto Alegre, Pâmela (sobrenome preservado a pedido da fonte) retira medicamentos para asma, sinusite e rinite crônica na Farmácia Distrital do IAPI. Sua mãe também tem acesso via SUS a remédios e bolsas de colostomia. “Conseguimos as bolsas e os remédios no dia 1.º de maio, antes da catástrofe. Tivemos sorte. Fazemos esta retirada uma vez por mês”, diz Pâmela. “Estamos preocupadas porque pode ter problemas se ela ficar sem as bolsas e sem os cuidados da ostomia. Já precisamos comprar em outra ocasião e o preço mais barato foi de R$60 cada. Vamos ver como será daqui para a frente”.

Recentemente, Pâmela teve um ataque de asma. Após apresentar tosse forte e contínua, telefonou para a US de seu bairro e foi informada de que o atendimento estava restrito às pessoas atingidas diretamente pela enchente ou a casos graves. “Meu caso era de tosse asmática, não considerado grave. Me disseram que eu poderia procurar a Unidade de Saúde em outro momento”, relata. Ela resolveu passar a noite para ver se melhoraria. Na manhã seguinte, com muitas dores nas costas e dificuldade para respirar, foi até uma farmácia credenciada ao PFPB e explicou para atendente que o medicamento Sulfato de Salbutamol (genérico do Aerolin) que possuía estava vencido.

“Como muitos dos postos na volta estão fechados por causa da enchente, o transbordo de pessoas vem para cá. Até porque tem muitos vizinhos que estão abrigando familiares. Então, eu não consigo retirar nada pelas farmácias [municipais] aqui. Eu só consigo retirar no IAPI e com a receita”, explica. “A atendente viu meu estado e conseguiu os medicamentos com um papel de contingência que o governo está usando. Fez tudo de forma manual”, disse. Para chegar até a Farmácia Distrital do IAPI, Pâmela tem duas opções: ou pega dois ônibus ou um que faça a rota da Avenida Assis Brasil. Neste caso, precisa caminhar cerca de 1,5 km. “O posto perto de casa dá para ir a pé, só que para conseguir acolhimento tem que chegar às 6 horas da manhã e já está lotado. Isso quando se consegue. Casos mais graves são passados na frente”, conta.

Ministério da Saúde avalia estragos na rede de assistência

Em nota, o Ministério da Saúde informa que suas equipes técnicas já deram início às discussões para a segunda fase de enfrentamento da calamidade no Rio Grande do Sul. Trata-se da reconstrução da rede de assistência em saúde no estado, duramente afetadas pelas enchentes dos últimos dias. O grupo envolve o Ministério da Saúde, a Secretaria Estadual de Saúde, as secretarias municipais de Saúde e o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems-RS).

Na prática, a pasta está organizando as primeiras informações que estão chegando das visitas das equipes aos municípios. São duas frentes de análise: os municípios menos prejudicados e os que apresentam mais danos. São avaliadas questões como o que se perdeu, se houve dano estrutural da edificação, qual a dimensão dos estragos, das perdas, e se é possível uma reestruturação. Os dados são preliminares, mas já se sabe quais unidades básicas de saúde (UBS), unidades de pronto atendimento (UPAs) e até hospitais têm poucas chances de serem retomados.

O secretário de Atenção Primária à Saúde do MS, Felipe Proenço, afirma que alguns casos são dramáticos. “Sabemos de unidades que foram totalmente evacuadas. Além disso, outras fizeram a transferência dos pacientes de menor gravidade para atender os de maior gravidade. Temos nosso olhar, nossos instrumentos e mapeamento, mas precisamos escutar a avaliação do estado, do Cosems. Eles avaliam a necessidade e conhecem bem o estado”, pondera.

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