Publicado originalmente em Coletivo Bereia por Gabriella Vicente e João Pedro Capobianco. Para acessar, clique aqui.
A deputada federal, de identidade religiosa católica, Carla Zambelli (PL-SP) publicou, em seus perfis nas redes digitais, a informação de que os incêndios no Pantanal aumentaram quase 900%, com 880 focos de queimadas nos cinco primeiros meses de 2024, e que este é um recorde desde 2020.
Zambelli aproveitou as mobilizações em torno do Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, que neste ano tiveram como foco a tragédia no Rio Grande do Sul, para atacar o governo federal. Ela criticou o discurso da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil Marina Silva (Rede), divulgado no dia 5, e acusou o presidente Lula da Silva (PT) de cometer ‘barbaridade’. Bereia checou o discurso da deputada.
Imagem: reprodução Facebook
Incêndios no Pantanal
A Organização Não-Governamental (ONG) WWF Brasil, que atua em causas ambientais, divulgou, em 3 de junho, uma análise comparativa entre os registros de focos de queimadas, de janeiro a maio, de 2024 e 2023, que apontou um aumento de 898%. O levantamento, baseado nos dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), também comparou a taxa com a média do mesmo período nos últimos três anos (2021 a 2023) e revelou que os 880 focos, valor cumulativo dos primeiros cinco meses deste ano, é o segundo maior registro dos últimos 15 anos. O maior registro de focos de queimadas, para o mesmo período analisado, ocorreu em 2020, com 2.128 focos.
A analista de conservação da WWF Brasil Cyntia Santos, ao comentar o relatório da ONG, ressalta que a falta de chuvas, a pouca quantidade de água acumulada no território e o acúmulo de matéria orgânica seca, características dos solos pantaneiros, são os principais fatores que intensificam os incêndios.
Ainda sobre o relatório, o especialista em conservação da WWF Brasil Daniel Silva afirmou que “não adianta conservar só um bioma, precisamos ter políticas consistentes para diferentes áreas do país. E, no Brasil, barrar o desmatamento é o ponto mais importante para evitar efeitos ainda mais severos da crise climática”.
Imagem: incêndio no pantanal – Joédson Alves/Agência Brasil (2023)
A publicação da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) apresenta, como fonte, matéria da CNN que divulgou a análise do WWF. A postagem acusa o presidente da República Lula da Silva de “cometer barbárie”, mas não apresenta as causas dos incêndios nem a forma como o líder do governo tem conduzido a situação.
A publicação não explora, tampouco, fenômenos climatológicos em curso que contribuíram para o atual cenário no pantanal. A WWF Brasil afirma que a seca é impulsionada pelo forte fenômeno climático El Niño, que ocorreu no país em 2023 e que, desde o início deste abril, “especialistas já alertavam que o bioma poderia passar, em 2024, por uma de suas piores secas da história”. À época, a chuva no estado de Mato Grosso do Sul estava cerca de 600 milímetros abaixo do esperado.
Ações do Governo
A ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva, o governador de Mato Grosso do Sul Eduardo Riedel (PSDB) e o governador de Mato Grosso Mauro Mendes (União), assinaram, em 18 de abril passado, o termo de cooperação de defesa, proteção e desenvolvimento sustentável do Pantanal.
O documento, com validade de cinco anos, sela o compromisso dos dois estados da federação em gerir um grupo de trabalho composto por equipes técnicas, criar respostas a incêndios florestais, responsabilizar culpados, elaborar mecanismo de monitoramento da fauna silvestre e investir em produção sustentável e turismo.
Em fevereiro deste ano, entrou em vigor a Lei do Pantanal, nova norma estadual de Mato Grosso do Sul para conservação, proteção, restauração e exploração ecologicamente sustentável em toda Área de Uso Restrito do Pantanal, após consultas e negociações feitas pelo Grupo de Trabalho composto por técnicos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), da Procuradoria Geral do Estado (PGE), do Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul (Imasul) e da secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc) do Mato Grosso do Sul.
O presidente Lula da Silva, ao assumir o cargo em janeiro de 2023, alterou o nome da pasta para Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática e designou a internacionalmente reconhecida ambientalista, ex-ministra Marina Silva para dirigi-la. Em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho, a ministra Marina Silva fez um pronunciamento em rede nacional e discursou durante evento em que apresentou os resultados e as medidas do atual governo para as questões ambientais no Brasil.
Imagem: reprodução YouTube
Entre as medidas anunciadas pelo Ministério, estão o lançamento do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Pantanal, na Caatinga, na Pampa e na Mata Atlântica, com previsão de lançamento em 2024. O comunicado expôs, ainda, dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (Prodes), segundo os quais houve queda de 9,2% no desmatamento no bioma Pantanal, de agosto de 2022 a julho de 2023, na comparação com o mesmo período anterior.
Foi anunciado, também, a criação de um pacto entre o governo federal e os entes estaduais para implementação de ações conjuntas de prevenção e combate a incêndios florestais no Pantanal e na Amazônia. Além disso, foi anunciada a reestruturação da política climática brasileira.
Imagem: reprodução Balanço Geral MMA
Recorde de incêndios (2020)
Em 2020, o Pantanal foi atingido por incêndios históricos. O bioma teve 26% – cerca de quatro milhões de hectares – de sua área destruída pelo fogo. Apesar de ser considerada uma região adaptada a incêndios, que se renova em conformidade aos ciclos de seca e de chuvas, incêndios de grandes proporções provocam perdas significativas de vegetação e de fauna.
As causas dos incêndios à época foram os mesmos fenômenos de seca e falta de chuvas, no entanto, o então presidente da República Jair Bolsonaro declarou, em setembro daquele ano, em discurso apresentado na cúpula de biodiversidade da Organização das Nações Unidas (ONU), que “algumas ONGs” comandavam crimes ambientais no Brasil e no exterior.
Além disso, seu governo não implementou políticas de controle e prevenção e punição. O Ministério do Meio Ambiente, à época comandado pelo hoje deputado federal Ricardo Salles (PL), chegou a anunciar a suspensão das ações contra o desmatamento na Amazônia, em razão de suposta inviabilidade fiscal. O enfrentamento dos crimes ambientais no período foi agravado pelo que foi avaliado como sucateamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Em 2023, a Justiça Federal no Pará aceitou uma denúncia do Ministério Público Federal contra Salles por uma mudança de regras no Ibama, em fevereiro de 2020, que permitiu a exportação ilegal de madeira. O caso, que veio à tona em 2021, já havia resultado no afastamento do então ministro do governo Bolsonaro.
Imagem: reprodução UOL
Naquele mesmo 2021, Carla Zambelli, que já havia reproduzido o discurso de que ONGs colocavam fogo na Amazônia, assumiu a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. Em seu discurso de posse do cargo, a então deputada não fez qualquer menção aos índices recordes de queimadas e desmatamento registrados durante a gestão Bolsonaro.
Em entrevista ao Jornal da USP à época, o professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) Luiz Côrtes, disse que, dado o histórico de Zambelli, não era possível esperar que ela defendesse causas ambientais.
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Os dados sobre incêndios no pantanal divulgados na publicação feita pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) são verdadeiros e condizem com os números divulgados pela organização WWF Brasil, reconhecida por sua atuação na proteção do meio ambiente. A análise propagada pela deputada alerta para a realidade ocasionada pelas mudanças climáticas, situação enfrentada pelo Brasil e por outros países, independentemente do governo.
A deputada dissemina desinformação, no entanto, ao omitir em sua publicação as causas do fenômeno, além de dizer, sem respaldo na realidade, que o atual presidente da República “está fazendo” o que chamou de “barbaridade”. A deputada também não apresenta o contexto e a realidade do bioma em questão.
O levantamento da WWF Brasil e o alerta de especialistas sinaliza preocupação em evitar o que ocorreu em 2020. Não aponta negligência ou descaso com a situação do Pantanal da parte do atual governo federal, nem responsabiliza qualquer pessoa de forma individual. Bereia considera imprecisa a publicação da deputada.
A omissão deliberada de informações, mesmo quando acompanhada de dados verdadeiros, é uma estratégia política que visa ensejar interpretações limitadas ou exageradas sobre fenômenos e acontecimentos. Especialmente no que diz respeito ao tema ambiental, é necessário entender o fenômeno de maneira completa e buscar, sempre, o que dizem as autoridades no assunto.
Referências da Checagem:
WWF
https://www.wwf.org.br/?88741/Em-alerta-Pantanal-ja-acumula-o-maior-numero-queimadas-desde-2020 Acesso em: 8 jun 2024
Inpe
https://terrabrasilis.dpi.inpe.br/queimadas/situacao-atual/estatisticas/estatisticas_estados/ Acesso em: 8 jun 2024
CNN
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/incendios-no-pantanal-aumentam-quase-900-e-regiao-totaliza-maior-indice-desde-2020-diz-wwf-brasil/ Acesso em: 8 jun 2024
G1
https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2024/04/18/ms-e-mt-assinam-plano-integrado-de-protecao-contra-queimadas-no-pantanal.ghtml Acesso em: 8 jun 2024
https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2020/10/11/queimadas-no-amazonas-em-2020-superam-recorde-de-2005-e-registram-maior-numero-da-historia.ghtml Acesso em: 9 jun 2024
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/09/27/secom-divulga-informacao-incorreta-sobre-queimadas-em-2020.ghtml Acesso em: 9 jun 2024
Governo do Mato Grosso do Sul
https://agenciadenoticias.ms.gov.br/lei-do-pantanal-entra-em-vigor-governo-foca-na-fiscalizacao-e-decreto-traz-primeiras-regulamentacoes/ Acesso em: 8 jun 2024
Poder 360
https://static.poder360.com.br/2024/06/Apresentacao-Dia-do-Meio-Ambiente-2024.pdf Acesso em: 8 jun 2024
YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=cwNdOXENtBU Acesso em: 8 jun 2024
Jornal da USP
https://jornal.usp.br/atualidades/questao-ambiental-nao-vai-avancar-com-carla-zambelli-na-comissao-de-meio-ambiente/ Acesso em: 9 jun 2024
Folha de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2021/03/pro-governo-e-sem-mencionar-desmate-ou-queimada-carla-zambelli-assume-comissao-do-meio-ambiente.shtml Acesso em: 9 jun 2024
UOL
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/08/28/justica-aceita-denuncia-ricardo-salles-exportacao-madeira.htm Acesso em: 10 jun 2024
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Foto de capa: Joédson Alves/Agência Brasil (2023)