Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.
Vitória Peraça Ferreira
Mestra em Jornalismo pelo PPGJOR e pesquisadora do objETHOS
Em outra ocasião, alertei para a importância da junção de esforços para combater a desinformação – um problema iminente que atinge toda sociedade em diversas alçadas. Manifestei que o governo deveria se engajar na pauta de conscientização e educação sobre desinformação, mas isso parecia muito distante em razão do governo da época, que muito usou da desinformação para benefício próprio e não perdeu a oportunidade de deslegitimar quem o desmentia – o jornalismo.
Em três meses, o governo Lula sentou para discutir uma campanha de combate à desinformação. “Brasil contra fake” foi lançada no último 25 de março, com o slogan “Quem espalha fake news, espalha destruição”, trazendo histórias reais de pessoas que tiveram suas vidas fortemente impactadas pela desinformação, sobre determinado assunto, mostrando os estragos que ela causou, causa e pode causar na vida de todos nós, visto que não há ser humano imune a desinformação.
O vídeo geral inicia com um chamado para união contra o ódio espalhado pela desinformação que pode destruir a democracia, famílias reputações e vidas. Seguido de um apelo para estancar o compartilhamento desse tipo de conteúdo e checar cada fato e sua fonte. Outros três vídeos foram veiculados. A história de Iomar nos leva a um passado ainda recente, a pandemia da Covid-19. Ele e sua família foram vítimas da desinformação sobre o vírus, e por acreditarem na desinformação e não buscarem fontes confiáveis de informação, foram contaminados pelo vírus. Iomar perdeu sua esposa, irmão, sogro e sogra na pandemia. A campanha traz ainda a história de uma mulher que foi espancada até a morte por ser confundida com uma sequestradora de crianças e a comerciante que foi linchada por moradores do bairro por uma desinformação de que estaria vendendo água durante o temporal com valor superfaturado.
A campanha foi lançada no site que tem também uma aba que se assemelha às agências de fact-checking, onde estão sendo checadas informações envolvendo o desempenho do governo federal. Na mesma página há um passo a passo de como denunciar uma desinformação no WhatsApp, YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, Linkedin e Kwai.
Bom, mas…
Exalto a iniciativa do governo federal, mas parcialmente. A campanha de conscientização, com propaganda e, com um site que traz passo a passo a forma de denunciar esse tipo de conteúdo nas plataformas é válida e deve ser reconhecida, visto que não tínhamos perspectivas governamentais nesse sentido até pouco tempo e são os primeiros três meses de mandato. Inclusive a campanha deveria se expandir pelas escolas, alertando os perigos da desinformação e como ajudar a combatê-la.
Mas a página que se assemelha ao trabalho jornalístico das agências de checagem desperta um alerta. Diferentemente das agências, o site não demonstra transparência na forma que é checada a informação e nem deixa claro a sua metodologia de trabalho no processo, diferenciando das agências mantidas pelo jornalismo profissional, que buscam também imparcialidade. O indicador para classificar o conteúdo no site parece ser até o momento único: falso.
A página acumula poucas “checagens”. Em uma pesquisa rápida pela plataforma do governo, podemos ver que há uma única vertente no método até o momento: manutenção do governo. Quase que a totalidade do conteúdo que está publicado diz ser falso. Outros não trazem explicitamente, mas o texto demonstra.
Desvio de rota
Vejo que aí sai da esfera de conscientização. Entra na esfera de comunicação institucional, podendo ser disfarçada de propaganda, em que devemos tomar muito cuidado, pois a linha da desinformação com a polarização de um discurso político é muito tênue. É preciso saber distinguir com clareza e distanciamento uma coisa da outra, mesmo que pareça difícil. Até porque no primeiro momento a iniciativa também parece boa, mas vislumbra o beneficio próprio e não traz transparência na forma que é feita – diferentemente do jornalismo que busca prestar o serviço público com transparência nos seus processos. O trabalho feito pelas agências de checagem através de jornalistas profissionais e práticas jornalísticas é um esforço legítimo que deve ser levado em consideração pela sociedade, quando houver qualquer dúvida a respeito de um conteúdo.
Combater a desinformação é um processo longo e demorado que é impossível estimar em uma escala de tempo. Medidas para seu combate ou arrefecimento estão aí, mas elas precisam ser melhor pensadas e estruturadas em prol de um todo, não só de um lado ou causa. Não é na individualidade que combateremos o todo. Ao tentar combatê-la precisamos tomar cuidando enquanto sociedade, enquanto jornalistas e até mesmo os órgãos públicos para não fazer o inverso. Precisa estar tudo bem explícito, contextualizado, os fatos ancorados e as fontes citadas.
O governo tem se mostrado disposto a dialogar com diversos atores da sociedade e coloco como necessário o diálogo no que compete à desinformação também. Se o objetivo for combater esse problema iminente para além do interesse próprio, é preciso ser mais transparente. A transparência é fundamental não somente ao jornalismo, mas aos órgãos públicos também e, nesse caso é preciso atenção para não reproduzir aquilo que apontaram nos outros.