Booktubers e a experiência literária

Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio por Matheus Luz Ilustração Walter Pinto Infográfico CMP. Para acessar, clique aqui.

Gravar um vídeo para a internet se tornou muito mais do que simplesmente “falar com uma câmera”, mas um ato de compartilhamento de informações e desenvolvimento de conexões. A rede proporcionou que várias pessoas pudessem mostrar aquilo de que gostam, expor o que sabem para que, do outro lado, alguém pudesse aprender e interagir com aquele conteúdo. Nesse contexto, a principal plataforma de compartilhamento de vídeos da atualidade, o YouTube, foi o ambiente no qual os chamados booktubers encontraram seu espaço para exibir seu amor pela literatura e conquistar mais pessoas para este universo de aprendizado.

Os booktubers em seus canais literários ocupam um distinto espaço dentro da plataforma, produzindo um conteúdo amplo, com resenhas, indicações de livros, maratonas de leituras temáticas, leituras coletivas com o público ou com outros booktuberstags (brincadeiras e desafios envolvendo livros), e demais vídeos que contemplam o universo das páginas. Esses produtores de conteúdo são leitores de diferentes idades, raças e classes sociais e compartilham, na plataforma de vídeos, o seu gosto pela leitura, além de apresentar as mais diversas obras para o público.

Pensando em compreender a dinâmica da escolha das obras e dos critérios adotados pelos booktubers para avaliá-las, o pesquisador Daniel Prestes da Silva desenvolveu a dissertação Booktubers no campo editorial brasileiro: estudo de caso de oito canais literários (2016 – 2018), orientada pela professora Valéria Augusti e defendida no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), do Instituto de Letras e Comunicação (ILC/UFPA).

De acordo com o autor, a pesquisa surgiu com os discursos que cercam a produção dos booktubers, como a suposta falta de critérios para avaliação das obras. Por isso a metodologia empreendida no trabalho foi dividida em duas etapas: a primeira, de caráter quantitativo, selecionou oito canais de booktubers brasileiros de um grupo que havia se reunido para propor desafios literários uns para os outros e para os seus seguidores. Em seguida, foi aplicado um formulário para obter informações sobre os booktubers e seus canais literários. Após essas duas etapas, mapearam-se as obras, os autores e outras informações editoriais sobre os livros lidos por eles.

Na segunda etapa, de cunho qualitativo, verificaram-se quais obras, autores e editoras tinham maior incidência. Dessa forma, uma obra foi selecionada, lida e analisada, com avaliação de outros especialistas em estudos literários, para então chegar aos comentários dos booktubers participantes sobre a obra.

Booktubers são tachados de leitores de best-sellers

Entre as críticas sobre o conteúdo produzido pelos booktubers, estão os critérios utilizados para a escolha dos livros, levando-os a serem tachados como leitores de best-sellers. Para o pesquisador, a principal diferença não está nos critérios selecionados para analisar uma obra, mas na forma como eles utilizam esses critérios para apresentar sua crítica. “Eles adotam os mesmos conceitos e critérios de avaliação, mas não analisam as obras da mesma forma que um professor de literatura faria em um artigo. Isso ocorre porque a intenção e a função social das análises são distintas”, explica Daniel Silva.

Em seu estudo, o autor ainda verificou que, entre os critérios de produção de conteúdo, o principal é o interesse que determinada obra desperta em quem se propõe a ler e a comentar. “Muitos booktubers têm tentado sair um pouco dos textos produzidos pelos autores de sempre, que, em geral, são homens, brancos, heterossexuais, com mais de 30 anos e com diploma acadêmico, como aponta a pesquisa realizada por Regina Dalcastagnè, em 2012, em que ela consegue perceber esse perfil do escritor brasileiro. Ou seja, percebe-se uma preocupação com a diversidade literária, com a representatividade no que se refere à autoria e à construção de enredos”, argumenta Daniel Silva.

Para além do aspecto crítico do conteúdo da obra em si, nos vídeos também é comum estarem presentes avaliações sobre o trabalho editorial do livro, a diagramação, a encadernação, a presença ou ausência de conteúdo extra, entre outros elementos. Daniel avalia que esse tipo de conteúdo, além de representar a relação afetiva do booktuber com os livros, também influencia a forma como as obras lidas serão apresentadas.

Esse aspecto de avaliação física, presente nos vídeos, tem influenciado o mercado editorial, que busca produzir o objeto “livro” com qualidades materiais que chamem atenção do leitor. Parcerias entre grandes editoras têm impulsionado a divulgação e o consumo por meio de novas estratégias do mercado, a exemplo do envio de livros para serem resenhados por booktubers. Além disso, esses canais também firmam parcerias com autores independentes, ressignificando antigas lógicas editoriais de publicação. Muitas vezes, os próprios booktubers ingressam no mercado editorial como autores, conquistando seus leitores por meio do conteúdo construído no YouTube.

“Contudo há que se observar que ocorre a captação dessa mão de obra para realizar um trabalho de marketing e publicidade não remunerado. É um ambiente que se torna complexo, pois ultrapassa a relação entre o leitor e o livro, o leitor e outro leitor. Estão inseridas a questão mercadológica e a venda de um objeto cultural, que é o objeto livro”, pondera o autor da dissertação.

Linguagem e conteúdo atraem o público mais jovem 

Na contramão das críticas, é possível notar como os booktubers têm ampliado as discussões sobre literatura na internet, especialmente entre o público jovem. Nos vídeos, a linguagem e a apresentação do conteúdo, inclusive do próprio booktuber, tornam possível, a cada pessoa, encontrar um canal que lhe agrade mais, aumentando o gosto pela leitura.

Conforme observado por Daniel Silva, os booktubers influenciam quem a eles assiste a descobrir novas obras, despertando o desejo em ler os livros comentados nos vídeos. É nesse espaço de conexões dos canais literários que leitores de diversas idades e regiões podem interagir e impulsionar o desejo pela leitura. O pesquisador também explica que essa conexão e influência podem refletir na repercussão das obras, sejam best-sellers, sejam clássicos, sejam títulos de autores independentes.

“Os canais de médio porte têm de seguidores o mesmo número da tiragem inicial de uma obra recém-lançada no mercado editorial, em torno de 2.000 e 3.000 exemplares. Imagine se pelo menos um terço desses seguidores comprar o livro. Agora imagine que não é apenas um booktuber falando daquela obra, mas vários. Isso pode impulsionar as vendas ou, no mínimo, fazer circular a informação de que aquela obra existe”, exemplifica Daniel Silva.

Para compartilhar impressões parecidas ou discutir opiniões distintas, o autor da pesquisa percebe que os booktubers têm em comum a vontade de fazer com que outras pessoas descubram no livro uma experiência prazerosa.

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