Publicado originalmente em Agência Lupa por Evelyn Fagundes. Para acessar, clique aqui.
Circula nas redes sociais um áudio no qual um homem faz diversas afirmações alegando que a água distribuída pelas estações de tratamento, sem especificar a cidade, porém citando empresas de água e saneamento que operam no Rio Grande do Sul, não passaria por processos de desinfecção adequados e, portanto, seria imprópria para o consumo. É falso.
Por WhatsApp, leitores sugeriram que o conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa?:
“As concessionárias públicas, dentre elas Dmae, Corsan […] [possuem] estações de tratamento de água que foram construídas no século passado, na década de 70, outras no século passado, na década de 50, com tecnologias que eram adequadas para tratar a água naquela época […]”
– Transcrição de trecho do áudio que circula nas redes sociais
Falta contexto
Embora algumas estações de tratamento de água tenham sido construídas na década de 1970, é incorreto afirmar que o tratamento de água atualmente se baseia nas tecnologias do século passado, como alegado no áudio.
De acordo com o artigo 14 da portaria nº 888 de 2021 do Ministério da Saúde, que define os parâmetros para o controle de qualidade da água para consumo humano, as empresas e operadoras devem passar por modernizações e reparos, mantendo suas instalações em conformidade com as normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e demais normas pertinentes.
“Realmente, há estações que foram construídas na década 1970, mas também há estações construídas recentemente. Isso daí é fato. Essas estações de tratamento, apesar de terem sido construídas em tempos mais antigos, foram atualizadas com técnicas que não tinham na época, por exemplo, filtração em carvão ativo não havia na época, ou até filtração por separação”, afirmou o engenheiro químico José Eduardo Cavalcanti, do Instituto de Engenharia (IE), em entrevista à Lupa.
O Dmae — Departamento Municipal de Água e Esgoto de Porto Alegre, citado no áudio, já se manifestou nas redes sociais afirmando que a água distribuída está “dentro dos parâmetros de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde e não possui riscos à população”. A Lupa contatou o departamento, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação.
A Corsan — Companhia Riograndense de Saneamento, também mencionada, disse em nota encaminhada à Lupa que a água passa por testes diários de segurança, que foram redobrados recentemente nos períodos de grandes chuvas e que a empresa “segue rigorosamente todos os padrões estabelecidos pela portaria de potabilidade”.
A Companhia explicou que dobrou a quantidade de análises diárias, “são mais de 500 em cada unidade de tratamento; os laboratórios foram aprimorados com novos equipamentos e reforçada a parceria com os institutos de aferição e certificação”, pontuou.
Além disso, a empresa afirmou, no comunicado enviado, que possui um Centro de Operações Integradas (COI) que acompanha o tratamento de água nos 317 municípios onde a companhia opera. “Qualquer anomalia nos parâmetros de potabilidade da água (como cor, odor, gosto, flúor, turbidez, cloro livre e alumínio residual) é detectada em tempo real, favorecendo a tomada das devidas providências”, afirmou sobre o procedimento, que segue a portaria nº 888.
“As águas são classificadas pela ANA, Agência Nacional de Águas, em classes de águas. Classe um, dois, três e quatro. Há muitos anos, as águas captadas pelas concessionárias são do tipo classe três e quatro, ou seja, esgoto a céu aberto […]”
– Transcrição de trecho do áudio que circula nas redes sociais
Falso
As estações de tratamento não captam esgoto a céu aberto para o tratamento de água destinada ao consumo humano. Segundo o engenheiro químico José Eduardo Cavalcanti, as águas utilizadas para abastecimento residencial, são de mananciais protegidos ou semi-protegidos. “Isso de dizer que capta esgoto a céu aberto, isso não existe, isso é mentira. Nenhuma estação de tratamento de água capta água esgoto. São de mananciais. Mas, existem mananciais mais protegidos e outros menos protegidos”, afirmou Cavalcanti.
“Por exemplo, em São Paulo, você tem água do Cantareira, um manancial bastante protegido, mas você tem a água do Guarapiranga, um manancial menos protegido, tem muita gente em volta do manancial, uma população grande em volta”, explicou. “Nessas situações que tem uma população em volta do manancial, o tratamento é mais sofisticado. Porque se usam mais produtos químicos para poder fazer [o consumo]”.
De fato, segundo Cavalcanti, existem quatro classes de água, além da classe especial, para o enquadramento do uso. A classe um é a de melhor qualidade e a classe quatro, a de pior qualidade. A água de classe quatro, por exemplo, não é destinada ao consumo humano, mas sim para navegação e harmonia paisagística, segundo documento elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA).
Sobre a situação no Rio Grande do Sul, a Corsan também falou sobre a captação da água na nota enviada à Lupa. “A Corsan faz a captação de água bruta em mananciais — como rios, arroios e barragens —, por meio de bombas. A água segue daí para as estações de tratamento, onde passa por rigorosos processos de purificação (floculação, decantação, filtração, desinfecção, fluoretação e bombeamento para reservatórios).
Tabela ilustra usos das classes de água. Créditos: Enquadramento dos corpos d’água, ANA, p. 11, 2020
“[…] Essas estações de tratamento de água não conseguem remover da água componentes invisíveis que ali estão presentes, como metais pesados, agrotóxicos, hormônios, antibióticos […]”
– Transcrição de trecho do áudio que circula nas redes sociais
Falta contexto
Segundo nota encaminhada à Lupa pela Agência Nacional de Águas (ANA), as empresas que prestam serviços de abastecimento não podem distribuir água com níveis de contaminantes que ultrapassem os limites definidos como seguros. Além disso, conforme a Portaria nº 888, essas empresas devem verificar, em frequências estabelecidas para cada circunstância, os níveis dos chamados “componentes emergentes” e “comunicar à autoridade de saúde pública quaisquer alterações na qualidade da água dos mananciais de abastecimento que revelem risco à saúde”, conforme o artigo 14 do texto.
“Os prestadores de serviço de abastecimento precisam atender a Portaria de Potabilidade do Ministério da Saúde (Portaria GM/MS nº 888 de 2021), que inclui metais, substâncias orgânicas, agrotóxicos, metabólitos, cianotoxinas, subprodutos da desinfecção, entre outros parâmetros a serem analisados. A água não pode ser distribuída sem que atenda a todos esses parâmetros”, afirmou a ANA em nota encaminhada à Lupa.
Além disso, conforme explicou José Eduardo Cavalcanti, as águas captadas para tratamento são de mananciais protegidos ou semi-protegidos e, com isso, possuem menos “componentes emergentes” em comparação com águas de classes mais poluídas. “Eles estão em rios que não são captados [para tratamento]. Os mananciais que são captados não são poluídos com esgotos domésticos, a não ser em pequenas quantidades. Os mananciais são protegidos, uns mais, outros menos”, afirmou Cavalcanti.
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