Os atos antidemocráticos que ocorreram no dia 8 de janeiro em Brasília impulsionaram uma campanha de ódio e desinformação contra a primeira-dama do Brasil, a socióloga Rosângela da Silva, também conhecida como Janja.
Embora ela já tivesse sofrido ataques nas redes sociais antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomar posse, a quantidade de publicações que disseminavam informações falsas e discurso de ódio contra Janja cresceu após os ataques golpistas. Esses posts tentavam difamar a primeira-dama, afirmando que ela estaria envolvida com prostituição e tráfico de drogas – o que é falso.
De acordo com o Google Trends, ferramenta que mostra os termos mais populares buscados por usuários, houve um aumento na procura de publicações que falavam sobre “janja prostituta” em janeiro, principalmente na semana entre os dias 8 e 14.
Nesse período, a Lupa também recebeu diversos vídeos explícitos que supostamente mostravam a primeira-dama envolvida em atos sexuais. O objetivo dessas publicações era tentar relacionar a imagem de Janja com prostituição, indicando que ela seria uma “prostituta de luxo” antes de começar a namorar o presidente Lula.
A semana dos atos antidemocráticos foi apenas o início de uma onda de ataques contra Janja nas redes. No fim de janeiro, outra imagem que viralizou mostrava uma mulher de lingerie segurando uma placa defendendo a prostituição. Contudo, diferentemente do que indicava texto compartilhado junto da fotografia, a mulher não era Janja, mas sim a ativista Lucimara Costa, que esteve em Brasília durante a posse do presidente Lula representando a Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig).
Além de publicações que sugeriam que Janja era uma prostituta, a Lupa também localizou posts indicando que a primeira-dama teria envolvimento com o tráfico de drogas. Uma imagem compartilhada pelas redes sociais e aplicativos de mensagem mostrava Janja com um traficante de drogas internacional que supostamente teria sido preso no Rio de Janeiro no dia 15 de janeiro, enquanto almoçava. Contudo, essa informação é falsa.
O homem preso pelas autoridades é Fernando Luiz Doval Júnior. Ele estava na lista de procurados da Interpol. Já o homem que aparece em uma fotografia com Janja é seu amigo Moacir Bortolozo. Ou seja, são duas pessoas diferentes.
Comentários no Twitter publicados em janeiro também incluíram ofensas graves contra a primeira-dama. O termo “vagabunda”, por exemplo, apareceu em diversos momentos na rede social para caracterizar a socióloga.
Especialistas acreditam que o posicionamento político adotado por Janja faz com que ela seja alvo de ataques. “A Janja não se coloca de uma forma que é esperada de mulheres que estão nesse posto de primeira-dama. Ela é uma mulher bastante progressista. O fato de ela usar calça no dia 1º [de janeiro, durante a posse do presidente Lula,] já gerou todo um alvoroço em relação à roupa que ela estava. Acho que as coisas que vão acontecendo com a Janja, ainda que ela não seja uma parlamentar, se relacionam muito com o que a gente tem identificado como violência política, que é essa violência que vai ser direcionada aos corpos que ocupam determinado lugar ideológico e essa tentativa de associar os corpos das mulheres com algo que gira em torno desse binário santa versus puta, ou princesa versus bruxa”, afirma Fernanda Martins, diretora do InternetLab.
Dedicada a pesquisar sobre violência de gênero, ela explica que os ataques focados em Janja têm como objetivo distorcer – de forma transversal – a opinião pública sobre o presidente Lula. Segundo a diretora do InternetLab, os homens que exercem cargo político são usualmente atacados pelo trabalho que realizam, sendo raramente criticados por questões do corpo. Para as mulheres da política, porém, os ataques são os mais diversos.
Violência política de gênero
A violência contra mulheres em cargos públicos existe para tentar inviabilizar e deslegitimar o espaço ocupado por elas, afirma Marlise Matos, professora no departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e Centro do Interesse Feminista e de Gênero. “É traduzi-la [Janja] como algo deplorável, negativar essa imagem pública dela. Esse esforço de desmontar essa figura que está no imaginário ameaçando o mandato masculino do poder”, diz.
Ela lembra que a violência sofrida por Janja não é algo inédito, tendo acontecido com outras mulheres que entraram na política brasileira, como a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). A especialista realizou um estudo sobre o caso de Dilma e disse que a própria imagem da ex-presidente foi vinculada ao presidente Lula, sendo, em muitos momentos, hiperssexualizada – ou seja, foram usadas partes do corpo de Dilma para atacá-la.
Além disso, existe um padrão de ataques que tentam induzir o público a acreditar que essas mulheres em cargos públicos são loucas, bruxas ou histéricas. “É assim que o tribunal da internet faz os julgamentos”, afirma Marlise Matos.
A diretora do InternetLab, Fernanda Martins, também lembra do caso da ex-deputada federal Joice Hasselmann, que foi comparada em diversos momentos com um porco nas redes sociais. Neste mês, Hasselmann concedeu uma entrevista para a Marie Claire, e comentou sobre esses ataques. “Ganhei 20 quilos, e todo esse peso foi decorrente de uma crise profunda e longa de estresse, somada a depressão. Passei um processo de dois anos de bullying, praticamente apanhando todo santo dia do gabinete do ódio. Pessoas que me chamavam de monstro, de Peppa, de tudo o que você pode imaginar. Todos fazendo esse julgamento por conta do peso que adquiri”, afirmou a ex-deputada.
Histórico dos ataques
Os ataques contra Janja começaram desde que o presidente Lula anunciou o seu namoro com ela, em 2019. Na época, a Lupa desmentiu uma informação falsa envolvendo a socióloga. Logo após Lula anunciar que os dois iriam se casar, começou a circular nas redes sociais que o petista havia pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para passar sua lua de mel em Dubai. Em nota, a assessoria de imprensa do Instituto Lula negou que o presidente tivesse planos de fazer essa viagem. Já a assessoria do STF disse que não encontrou requisição nesse sentido no sistema de acompanhamento processual.
Em 2020, essa informação falsa voltou a ser compartilhada. Janja publicou no Twitter uma checagem do Fato ou Fake que desmentia o boato. Em suas redes sociais, ela ironizou, dizendo que os responsáveis pela criação dessa desinformação poderiam ter escolhido um destino mais romântico para a viagem do casal.
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No ano passado, durante as eleições presidenciais, Janja destacou em duas ocasiões a necessidade dos apoiadores ficarem alertas com os conteúdos falsos compartilhados nas redes sociais (aqui e aqui).
Ao longo da campanha de 2022, ela foi alvo de diversos ataques e comentários sexistas, assim como Michelle Bolsonaro, esposa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Muitos comentários traçaram comparações entre as duas, sugerindo que Michelle seria mais bonita do que Janja, por exemplo.
“Com Janja até acredito faltar tesão, mas com uma mulher linda como a Michelle Bolsonaro, não há quem resista. Qualquer um seria imbroxável (sic)”, diz trecho de um comentário no Twitter, fazendo menção ao termo utilizado por Bolsonaro.
Posicionamento de Janja
Janja não fala abertamente sobre todos ataques que vem sofrendo nas últimas semanas, seja em redes sociais ou em entrevistas. Contudo, no final de janeiro, a primeira-dama decidiu processar o conselheiro do Corinthians Manoel Ramos Evangelista, o Mané da Carne, após ele publicar uma postagem chamando Janja de “putana”. Ela pede R$ 50 mil em danos morais.
A defesa da primeira-dama afirma que Ramos atacou a sua honra ao propagar declarações em páginas públicas que “ofenderam não apenas a autora do processo, mas também todas as mulheres”. Além disso, destacou que ela foi submetida a um vexame, já que a publicação foi destaque na mídia nacional. Em seu Twitter, Janja repostou a reportagem publicada pela Folha de S.Paulo que falava sobre o episódio e disse que não iria se calar diante da violência.