Atingida pelas enchentes, Escola de Administração da UFRGS levanta reflexões sobre o prédio e seus espaços

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS por Pedro Henrique Tubiana Pereira. Para acessar, clique aqui.

Comunidade | Com inúmeras perdas materiais de importantes setores localizados no andar térreo, pessoas que por ali circulam, trabalham e estudam refletem acerca da importância desse espaço em suas vidas

Foto: Móveis e objetos foram removidos do andar térreo e levados para o pátio da Escola de Administração para a realização da limpeza do local (Crédito: Marcelo Pires)

Quando Angela Maria Souza de Oliveira chegou na Escola de Administração (EA), no dia 6 de maio, para mais uma semana de trabalho, encontrou as portas do prédio fechadas e a água tomando conta da calçada. A funcionária de empresa terceirizada – que recebe os alunos e auxilia os professores quanto à disponibilidade das salas – tinha passado a noite sem acesso à internet e não recebeu o comunicado de suspensão das atividades em função das intensas chuvas que assolavam o estado. 

“Eu consegui pegar o ônibus, até então estava normal. Quando o ônibus fez o retorno no CAFF [Centro Administrativo Fernando Ferrari], ali a água já tava bastante empoçada”, relata Angela sobre o percurso até a EA, que fica entre a rua Washington Luiz e a avenida Loureiro da Silva. “Tava só eu, o motorista e a cobradora dentro do ônibus, bem estranho. Bah! Parecia que a gente tava dentro de um filme de catástrofe”, acrescenta.

A partir do dia 6, a água que Angela observou invadindo as calçadas seguiu subindo em função do desligamento da Estação de Bombeamento de Água Pluvial 16 até inundar o andar térreo da Escola de Administração. Era nesse pavimento que Angela passava seus dias, trabalhando na recepção, logo na entrada. 

Perdas materiais

“Perdemos coisas na biblioteca, com certeza”, imaginou a bibliotecária-chefe Carolina Fauth Vassão ao tomar ciência da situação da Escola após os primeiros dias de caos generalizado. “Foi o primeiro momento que tomei um susto.” A água da chuva e dos esgotos que invadiu o setor foi responsável pela perda de praticamente metade do acervo.

A primeira atitude de Carolina foi entrar em contato com a diretora do Sistema de Bibliotecas para sinalizar que, ainda que não conseguisse quantificar, algum prejuízo o setor teria. Para além da enorme perda do acervo e do mobiliário, a estrutura geral do ambiente também foi comprometida. “Pelo fato de ter ficado muitos dias com aquela água parada, local fechado, sem ventilação, aquilo virou um caldeirão para bolor, pra mofo. Mesmo os livros que estavam na última prateleira ficaram em contato com aquela situação de ar podre”, descreve a bibliotecária.

Com a organização de uma força-tarefa, os livros restantes passaram por uma triagem e hoje se encontram em uma sala no Centro Cultural da UFRGS.

Em uma reunião aberta, no dia 13 de junho, sobre a situação da Escola e as perspectivas de futuro, abordando as reformas a serem realizadas, o professor Fabio Meira sugeriu que fosse organizada uma vitrine com alguns exemplares da biblioteca perdidos pela água, a fim de que tal tragédia para sempre seja lembrada.

Carolina, que estava presente na reunião, em outro momento comentou que não sabe se isso seria de fato viável por razões sanitárias, já que a lama pode ser veículo de doenças. Concorda, no entanto, sonre a necessidade de se preservar a memória. Para isso, sugere a elaboração de uma linha do tempo em alguma parede da nova biblioteca, que, após as reformas, não se encontrará mais no andar térreo. 

Convivência

Carolina aponta que, para a biblioteca, a pandemia foi um divisor de águas. “Ela modificou muito a maneira das pessoas estarem na Universidade.” A presença física vem se reduzindo de 2020 para cá.

Em um momento no qual a Escola de Administração pensa em reformas, o professor Vinícius Andrade Brei se preocupa com os espaços destinados à convivência: “A Escola perdeu muito esse aspecto de convivência depois da pandemia e com o sucateamento de forma geral da educação universitária, que perdeu muitos recursos”.

“A universidade não é só um lugar que você vai, assiste aula e vai pra casa”

Vinícius Andrade Brei

Para além das redes de contato profissionais que podem ser estabelecidas no espaço da Universidade, dando origem a empresas, parcerias de trabalho e pesquisas, o professor defende que “são vários os tipos de benefícios que a convivência universitária traz para todos. Professores, técnicos e alunos”.

“Na reforma proposta, havia muitos espaços de trabalhos administrativos no andar térreo, que poucas pessoas acessariam. Acho que seria interessante que a gente tivesse espaços públicos, coletivos, de trabalho em conjunto, de reuniões de pequenos grupos e auditório. Privilegiar mais o coletivo do que o individual. A gente já tem muito espaço individual”, sugere o docente. 

Foto: Marcelo Pires/JU
Juventude impossibilitada

“Tive a experiência da pandemia [na UFRGS] do início até o final”, compartilha o estudante de Administração Tiago Folador, que teve seu primeiro semestre na Universidade interrompido pela crise mundial de saúde. Na época, ele cursava Engenharia Civil. A troca para o curso de Administração aconteceu no último semestre de ensino remoto emergencial (ERE).

Hoje, no sexto semestre, a vivência universitária de Tiago, atual presidente do Centro Acadêmico da Escola de Administração (CAEA), é mais uma vez interrompida. A sede do CAEA, lugar de tantas memórias boas e de interações entre os colegas, foi mais um dos espaços invadidos pela água. 

“Sou uma pessoa muito apegada a lugares. Eu me sentia muito bem na Escola de Administração. Sempre dava uma passadinha na sala do CAEA”

Tiago Folador

“Na minha gestão, o centro acadêmico vai ficar sem um lugar fixo. Isso é uma dor muito grande pra mim”, revela.

Estudante de Administração Pública e Social, Pâmela Paiva integra o Centro Acadêmico da Administração Pública e Social (CAAPS), que, pouco antes das enchentes, tinha conquistado um espaço próprio em um movimento de independência em relação ao CAEA.

“A gente tava mobiliando a sala ainda, recém começando. Ia abrir no dia 24 de maio. Aí veio a enchente e não deu, a gente provavelmente perdeu tudo que tava lá”, lamenta.

A estudante compartilha boas memórias da rotina anterior às inundações: “A gente tinha aula no Câmpus Centro e depois eu ia com meu grupo de amigos pra EA”. Era assim acordado entre os amigos: “Vamos jantar no RU [restaurante universitário] e ali do RU a gente pega aquela ruazinha do lado do [bar] Xirú pra ir até a EA”.

“Eu ficava mais tempo na EA do que em casa”.

Pâmela Paiva
O caminho pela frente

Ainda que com previsão de reformas no andar térreo, a perspectiva é de que o retorno das atividades aconteça nos demais pavimentos da Escola de Administração. 

Sobre o possível retorno das aulas presenciais, Pâmela Paiva expressa receio: “Eu sei que tem colegas meus que não vão conseguir voltar. É como se a gente estivesse seguindo a vida e deixando as coisas pra trás. Eu quero voltar a ter aula, mas sei que não é o momento certo, na minha cabeça. Mas quando é o momento certo? Pra cada pessoa vai ser um momento diferente”. 

Angela Maria Souza, da portaria, sente falta dos estudantes e professores. “De vez em quando tem atividades com os professores ali no saguão mesmo. Uns jogos, tipo dinâmica. Eu acho interessante, quando vê tô eu lá no meio deles, parece que estou estudando junto com eles. Estou sempre enturmada, é muito bom o convívio. Sinto falta de todo mundo”, relembra com saudades.

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