As pastorinhas de Ilha Grande do Piauí: Manifestação cultural e tradição

Publicado originalmente em Ocorre Diário. Para acessar, clique aqui.

Nesta edição do Culturando nos Morros da Mariana trazemos a força de tradicionalidade das Pastorinhas da Ilha Grande. Quem nos narra essa potência é Celiane Silva, moradora do local. Celiane conversou com Lúcio, uma das pastorinhas desta manifestação da cultura popular.

O Projeto Culturando nos Morros da Mariana é desenvolvido com o apoio do Sistema de Incentivo à Cultura (SIEC) da Secretaria de Estado de Cultura do Piauí, patrocínio da Equatorial Energia e parceria da Colônia de Pescadores Z 7. Para saber mais do projeto clique aqui. 

Segue mais uma marca importante em nossa história.

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As pastorinhas de Ilha Grande do Piauí

Por Celine Silva

A cultura da Ilha Grande do Piauí se manifesta nas tradições que marcam a identidade do povo que mora aqui. São danças, folguedosartesanato e culinária que mostram a diversidade de cores, formas e sabores dos modos de vida que existem na Ilha e que contribuem com o fortalecimento da identidade da população.

Uma dessas manifestações culturais que envolve dança, amor e muita tradição é o grupo das lindas e graciosas Pastorinhas da Ilha. Formado por mulheres da comunidade, elas se reúnem na semana de 1° a 6 de janeiro para fazer as tradicionais danças nas casas dos moradores, seguindo a tradição cristã dos Reis Magos que visitaram Jesus Cristo logo após o seu nascimento.

Dona Maria Elisa, moradora da cidade já falecida, foi quem montou o grupo lá pelos anos 1990. Ela era conhecida como Maria Grande e sempre foi muito animada e animadora da comunidade. É avó do atual coordenador do grupo, Lúcio Carlos Pereira Santos, que assumiu a coordenação da dança para dar continuidade à arte de sua antecessora. Com o tempo, ele se tornou um dos principais animadores dessa dança, tradição e cultura.

Pastorinhas Lúcio e Francinete

Lúcio continua resgatando e fazendo a revitalização da identidade do grupo nas comunidades da Ilha, apesar das dificuldades. “Tentar manter a cultura viva é uma luta diária, principalmente no mundo de hoje onde as novas gerações não dão valor às tradições e ouvem músicas de fora”, diz, mas se anima quando pensa no tamanho do grupo: “mesmo assim contamos com 22 participantes”.

A história de Lucio é de admiração pela avó e pela mãe. Ele conta que foi a animação delas, apesar das dificuldades que enfrentavam, que o estimularam a reconstituir o grupo. Essa é sua história:

“Minha mãe, quando era moça, brincava de Pastorinhas com suas colegas. E avó incentivava as jovens. Mas, minha vó desistiu por dificuldades de manter mesmo o grupo. Minha mãe, já depois de casada, se animou e recolocou o grupo novamente. Chamou as mulheres casadas da comunidade para fazer parte da dança. Nessa época, elas brincavam com roupas de papel coloridos porque não havia possibilidade financeira de comprar tecidos. Anos depois, com a brincadeira mais organizada, elas começaram a comprar tecidos para fazer as roupas. Mas, certa noite, elas saíram para brincar nas casas e quando chegaram no bairro dos Morros, minha mãe e os músicos chegaram em uma casa, começaram a cantar e quando olham para trás… Só estava ela é os tocadores. Não sabe porque as pessoas não acompanharam todo o trajeto. Ela se sentiu muito triste e, aí, depois desse dia que ela desistiu. Depois de cinco anos, minha irmã conversou com uma amiga e se perguntaram: Porque não organizamos as Pastorinhas novamente? Pois se animaram e começaram a convidar novamente as mulheres”.

“Minha irmã Francinete Silva, que a gente chama de Netinha, fez o resgate da história e das músicas das Pastorinhas e chegou para mim fazendo o convite para tentarmos novamente colocar a brincadeira. Topei na hora! Aí, fomos comprar as nossas roupas e convidar os tocadores. A primeira que convidamos foi dona Dete, uma das primeiras moradoras aqui do Baixão. Ela sempre foi a percussionista da Ilha. É ela que toca o famoso tambor das Pastorinhas, faz parte da organização e é peça fundamental do grupo. É na sua residência que acontece o encontro e saída do cortejo das Pastorinhas todas as noites. E no final fazemos um jantar em comemoração à nossa brincadeira, com o dinheiro arrecadado das noites brincadas”.

Em meio ao relato, Lucio fala com certa tristeza sobre as dificuldades que enfrenta pela falta de auxílio: “Infelizmente, enfrentamos dificuldade de apoio para nossa cultura. Não temos patrocínio de nenhum órgão público”, reclama, mas diz que isso não desanima, “mesmo assim, não deixamos a peteca cair e continuamos colocando todos os anos nossa brincadeira nas ruas”.

Ações paralisadas desde 2021: efeitos da pandemia nas manifestações culturais

As apresentações foram paralisadas em 2021 por conta da pandemia: “está com um ano que tivemos uma pausa por conta dessa pandemia que nos assola”, mas se anima quando diz que tudo isso vai passar.

As Pastorinhas representam a visita e os presentes que a Família Sagrada recebeu dos Reis Magos dias após o nascimento do menino Jesus. Nesse cortejo, algumas personagens se destacam na apresentação. Lucio conta quem são e o que simbolizam.

“Em nossa brincadeira temos a ‘Camponesa’, que tem o papel de alegrar a noite ao dançar e espalhar suas flores pelo lugar que visitamos e temos a ‘Ciganinha’ que tem um dos papeis principais da dança. Ela é a responsável por receber a oferta que os donos das casas nos oferecem. Essas ofertas podem ser em dinheiro, comida e bebidas. Há a oferta de vinho, que não pode faltar na noite para animar o nosso cortejo. A comunidade participa em peso para apoiar as nossas mulheres. Somos a alegria do mês de janeiro”.

As canções cantadas nas casas onde as Pastorinhas chegam são poéticas. Lúcio cita duas que, segundo ele, são as principais: “Temos a canção de entrada, que se chama ‘Acorda’, que é justamente para acordar o morador para receber a apresentação. E a da despedida, que claro, é cantada quando o grupo se despede da casa que o recebeu. São saudações que emitem todo o sentimento de acolhimento e desejos de felicidade.

Para Lucio, as Pastorinhas são importantes na sua vida porque fazem parte da sua infância, da sua formação e da força que avó, mãe, irmã e as outras mulheres lhe proporcionaram. Elas trazem à memória e ao coração a alegria e o orgulho de viver em uma comunidade:

“Eu tenho muito orgulho em saber que em nosso bairro Baixão tem uma brincadeira tão bonita e tão saudável, que representa nossa comunidade, que atravessou gerações e chegou até mim. Só fico triste porque sinto que vai ser difícil a nova geração fazer a continuação de nossa brincadeira. Também sinto um descaso do  município que não faz nada para divulgar e promover nossa cultura. Não tem incentivo nas escolas para que as crianças possam conhecer e possam se interessar por nossa cultura local. Mas, vamos resistir com nossa alegria. A alegria das Pastorinhas!”.

afirma Lúcio

As Pastorinhas da Ilha Grande do Piauí não é apenas uma dança ou uma brincadeira de começo de ano. Mas, é um símbolo vivo de resistência da cultura e da arte do nosso povo. É o fortalecimento da identidade da comunidade ilhagrandense.

ACORDA
Acorda, chega na janela que o céu está estrelado,
O Santo Reis do Oriente em vossa porta é chegada.
Desperta de um grande leito, abre a janela vem ver.
Vem ouvi a bela serenata, Com o raio da lua ilumina,
O Santo Reis do Oriente, as portas mandas abrir.
DESPEDIDA
Temos a canção de despedida que é assim:
Andorinha bateu asas e foi embora
Está na hora da nossa partida,
Adeus meu anjo abraçar, abraçar meu anjo querido,
Eu digo adeus que já me vou, eu já me vou,
Outro dia eu vou voltar, eu vou voltar,
Adeus, até outro dia, até outro dia,
Que esse dia já passou, que já passou,
Tenho saudade, aqui não fico, eu vim aqui para cantar
As moças são deliciosas, belas e formosa. Lindas com uma rosa.

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