Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta. Para acessar, clique aqui.
Mariana Ochs¹
????: Mariana Ochs
Em uma sala de aula do 5° ano, crianças de dez anos preparam uma websérie que explica como os seus influenciadores favoritos são remunerados, descobrindo a relação entre audiência expressiva e renda. Em outra sala, o 8° ano estuda o conflito em torno das terras indígenas, analisando como gráficos podem construir narrativas distintas e buscando fontes que tragam diversidade de vozes nos relatos sobre a situação. No Ensino Médio, uma turma se debruça sobre fotos de Machado de Assis, discutindo como e por que a manipulação das imagens promoveu o seu “branqueamento”.
O que todas essas atividades têm em comum é a possibilidade de levar para o cotidiano escolar, de forma transdisciplinar, a prática constante de leitura crítica e a autoria ética e criativa de mídias, preparando os jovens para que possam aprender, se comunicar, exercer os seus direitos e respeitar os direitos dos demais em uma sociedade fortemente midiatizada, em que se multiplicam não só as mensagens mas também os ambientes, formatos, intenções e autores.
A cidadania digital é um direito, reconhecido por organizações como a Unesco, e estabelecido em políticas públicas. Mas já foi o tempo em que a noção de “cidadania digital” representava apenas uma perspectiva protetora, focada em fortalecer os jovens contra ameaças como cyberbullying, roubo de senhas, predadores ou superexposição. Hoje, entendemos que exercer a cidadania – dentro e fora do ambiente digital – passa sobretudo por empoderar os jovens para que possam ocupar, de forma segura, ética e responsável, a verdadeira praça pública que é a internet, e seus diversos canais e formas de comunicação, aproveitando as oportunidades trazidas pela democratização do acesso à informação, mas enfrentando também os seus desafios. Esse é o papel da educação midiática.
Precisamos, por exemplo, mitigar o alcance e o impacto das fake news, que ameaçam desestabilizar governos, atrapalhar processos democráticos e até prejudicar a saúde pública. É crítico educar todos os cidadãos, independentemente da faixa etária, para que desenvolvam o hábito de checar as informações que recebem e que, além disso, sejam capazes de identificar fontes e informações confiáveis e entender como a mídia molda nossas opiniões e crenças. Não é à toa que, por todo o mundo, multiplicam-se projetos de news literacy (educação para a notícia); discutem-se também formas de introduzir o combate à desinformação via políticas públicas e de incorporar a educação para a informação ao design das próprias plataformas sociais.
Mas a educação midiática é muito mais do que o combate às fake news. Em tempos de polarização pós-verdade, a resiliência da sociedade às violações de direitos no ambiente digital depende de um olhar mais holístico. Não basta apenas saber avaliar a confiabilidade da informação. É preciso ir um pouco além, aprendendo a avaliar o que nos chega em textos e imagens, reconhecendo seus autores e intenção; a pensar e refletir eticamente sobre normas, valores e crenças que regem nossa atuação nas mídias; a produzir conteúdos de forma criativa e ética, avaliando se estamos ferindo os direitos de alguém; e a participar ativamente de nossas comunidades através das mídias, avaliando como podemos posso atuar para o bem coletivo*.
Em suma, ler, escrever e participar do mundo conectado requer não só o desenvolvimento de habilidades instrumentais e operacionais para lidar com as tecnologias de informação e comunicação, mas também atitudes dialógicas e reflexivas, consciência cidadã e responsabilização.
Toda a sociedade, em sua diversidade de contextos e sem distinção de faixa etária, precisa de educação midiática. Se a escola é o lugar natural para o desenvolvimento mais sustentado e sistêmico dessas habilidades, não há como negar o valor de projetos pontuais em outros contextos. Fora do contexto escolar, adultos e a população sênior também podem se beneficiar de recursos e oficinas. E projetos que escolhem um determinado recorte, focando, por exemplo, em habilidades informacionais ou no desenvolvimento de mídias comunitárias, também são valiosos.
Educar midiaticamente a sociedade é bem mais do que implementar uma disciplina: é trabalho para uma geração. É preciso desenvolver um currículo de referência; ampliar a formação inicial e continuada de educadores; fomentar as iniciativas das organizações da sociedade civil, dos veículos de comunicação e das empresas de tecnologia; mobilizar os formadores de opinião e fortalecer as políticas públicas que darão lastro a tudo isso. Enfrentar esse desafio requer um esforço coletivo em que todos são muito bem-vindos.
* Habilidades citadas no currículo do projeto colombiano https://digimente.org
¹Mariana Ochs é coordenadora do EducaMídia, o programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta