Publicado originalmente em Jornal da Universidade. Para acessar, clique aqui.
Artigo | Docente associada ao Nerint, Cristina Soreanu Pecequilo examina o cenário eleitoral dos países nórdicos e a conjuntura política europeia
*Por: Cristina Soreanu Pecequilo
*Foto: Flávio Dutra/Arquivo JU 17 fev. 2011
Nos últimos meses, a retomada do poder pelos sociais-democratas no conjunto dos países nórdicos, entendidos, em uma visão abrangente, como a Escandinávia – Suécia, Noruega e Dinamarca -, a Finlândia, a Islândia e a região da Groenlândia, é apresentada como uma vitória das forças progressistas e que sinalizaria uma mudança no perfil do eleitorado europeu, abandonando as visões de extrema-direita. A alternância de diferentes projetos de poder e a reestruturação de coalizões partidárias são, entretanto, fenômenos associados a qualquer dinâmica política.
Por isso, não deveriam ser associados a movimentações quase inéditas e que mudarão, da noite para o dia, o destino dessa ou daquela nação. Essas lógicas que deveriam ser encaradas como parte “do jogo” são cada vez menos compreendidas, e as avaliações sobre os resultados eleitorais tendem a ser encaradas como um “tudo ou nada”.
A recente experiência nórdica não pode ser vista nem como uma consolidação da extrema-direita no passado, nem como um renascimento da social-democracia. Ela é uma expressão da volatilidade contemporânea gerada pelo choque de diferentes posições sem que nenhuma tenha forças para se tornar ou manter majoritária.
Exemplificando: ainda que nunca tenham deixado de figurar nos índices internacionais como os “países mais felizes do mundo”, ou os “melhores lugares para se viver”, sendo encarados como modelos de um estilo de vida mais sustentável e empático, simbolizado no termo dinamarquês “hygge”, essas nações ganharam visibilidade por fatos menos positivos: o aumento dos casos de suicídio e alcoolismo, os atentados violentos contra minorias, a divulgação de pautas xenofóbicas, misóginas, fundamentalistas e fascistas.
No campo concreto, essas contradições expressaram-se eleitoralmente nas últimas duas décadas, com a ascensão justamente dessas linhas mais à direita e conservadoras ao poder, em detrimento das forças sociais-democratas. Antes um dos poucos pilares de resistência ao projeto neoliberal de Estado na Europa e no mundo, as nações nórdicas e seus mecanismos de proteção social e inclusão pareciam sucumbir à onda neoconservadora.
Menos do que o desmonte generalizado desse Estado de bem-estar, esses novos projetos, porém, centravam-se em alguns temas-chaves mais ligados à identidade, à nacionalidade, à União Europeia (UE) e em resposta às demandas de abertura de fronteiras e de inclusão de migrantes. O gerenciamento da pandemia de covid-19, da vacinação, e os movimentos antivacina somaram-se a essa agenda. Além disso, alguns desses países, mesmo não sendo membros da UE, como a Noruega, cresceram em importância geopolítica devido a seu papel no mercado energético de gás e petróleo. Às vésperas do inverno, o continente europeu e o Reino Unido recém-saído do bloco enfrentam uma crise energética de grande porte devido à escassez e ao preço inflacionado desses recursos. Quaisquer movimentações abruptas tendem a trazer mais temores de desequilíbrio que poderiam gerar ondas de instabilidade. Assim, é natural um certo alívio com esse novo quadro político.
A trajetória recente indica que a instrumentalização de todos esses temas pela extrema-direita, somada à fragmentação da extrema-esquerda e de parte das forças sociais-democratas em torno dos temas ambientais e identitários, favoreceu a migração de um eleitorado de centro mais para a direita. Isso deriva de uma tempestade perfeita que combinou os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos (EUA), a recessão econômica de 2008 nas principais economias avançadas e a crise dos refugiados a partir de 2011, devido à Primavera Árabe, com o substancial aumento da imigração islâmica. Episódios como o Brexit, a eleição de Donald Trump nos EUA, a ascensão conservadora na Hungria e na Polônia, e a continuidade da força da extrema-direita nacionalista na França e na Alemanha impulsionaram a imagem de solidez desse movimento. A França, inclusive, enfrentará uma eleição em 2022 cujos rumos se mostram incertos.
Mas a volta dos sociais-democratas ao poder é exceção ou tendência? A experiência nórdica não é exceção, pois reflete uma resposta do eleitorado à ineficiência das coalizões vigentes em responder aos desafios do dia a dia do governo.
As vitórias da direita baseadas em promessas populistas e na externalização dos problemas para qualquer outro grupo ou Estado, seja ele o imigrante, a China, a UE ou a pandemia de covid-19, rapidamente são desconstruídas à medida que a natureza da crise é estrutural e multidimensional: político-estratégica, social e econômica. Seria, então, uma tendência e razão de otimismo, ao lado da eleição alemã que também revalidou uma agenda moderada e com raízes na social-democracia?
Não necessariamente a presença ruidosa da extrema-direita e as dificuldades de unificar a fragmentada coalizão progressista, de centro e extrema-esquerda prevalecem. Afinal, a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen (2019-atual), em entrevista de 2017 ao Financial Times, destacou: “Acredito que o mais importante de ser um partido social-democrata é, na verdade, ser relevante. Somos capazes de encontrar soluções para os problemas que as pessoas estão enfrentando?”.
Os resultados eleitorais atuais – que demandam amplas negociações de coalizões para formar governos – indicam que a pergunta de Frederiksen não foi adequadamente respondida. Com isso, não se compreende que, no fundo, a questão central que decide o voto do eleitor seja menos romântica e mais pragmática: qual partido político ou candidato defende um projeto que atende aos meus interesses?
Cristina Soreanu Pecequilo é professora de Relações Internacionais da UNIFESP, pesquisadora do CNPq e associada do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT) da UFRGS.