Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.
Agricultura | A partir da análise de dois períodos de baixa oferta hídrica do Rio Santa Maria, constatou-se que, em função da escassez de água, em algumas áreas o prejuízo dos produtores chegou a 15% do lucro líquido
*Foto: Rio Santa Maria (Camila Mattiuzi\Arquivo pessoal – Março 2022)
O fenômeno La Niña ocorre quando as águas do Oceano Pacífico estão com a temperatura abaixo do normal e traz mudanças para o clima de diversas regiões do mundo. No Rio Grande do Sul, é um dos grandes fatores que contribui para a diminuição dos volumes de chuva — cenário que se fez presente nos últimos três anos e culminou em uma severa estiagem, da qual o estado ainda se recupera. A falta de água não só afeta a qualidade de vida da população como também traz prejuízos econômicos importantes para a agricultura e pecuária.
Ainda não há como prever quando a próxima seca atingirá o estado, mas é consenso que ela irá acontecer. Trabalhando com essa possibilidade e tendo como foco a gestão de recursos hídricos na agricultura, Camila Mattiuzi, atualmente doutoranda no Programa de Pós-graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da UFRGS (PPGRHSA), desenvolveu sua dissertação de mestrado. A pesquisa originou o artigo “The economic value of water in crop productions and policy implications in southern Brazil”, que tem como foco o valor econômico da água e os custos da escassez para a produção agrícola e como coautores Guilherme Fernandes Marques, coordenador do Grupo de Pesquisa em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos da UFRGS (GESPLA), Josué Medellin-Azuara, professor da Universidade da Califórnia, e Ana Paula Dalcin, doutoranda no PPGRHSA.
Publicado no periódico Water Management, o artigo recebeu, neste ano, o prêmio Robert Alfred Carr, emitido pelo Institution of Civil Engineers, da Inglaterra. “A ideia da gestão de recursos hídricos é de que haja uma gestão adequada em todas as esferas, então a gente fica muito feliz porque, se isso foi notado, se isso foi destacado internacionalmente, é porque é um assunto que tem fundamento e que pode, sim, ainda ser muito explorado em diversos locais”, destaca Camila.
Valor econômico e os custos da escassez de água
Tendo como principal objetivo fomentar políticas de investimento em segurança e resiliência hídrica, o estudo analisa as estiagens de 2006/07 e 2011/12 na bacia hidrográfica do Rio Santa Maria. Os pesquisadores estimaram o valor econômico da água nessa região agrícola, o que se define pela ‘curva de benefício marginal’. Camila explica que ela é obtida da relação entre a disponibilidade de água e a disponibilidade do usuário a pagar por ela. “No dia a dia, quanto mais escassa for uma coisa, mais disponível a pessoa está a pagar por ela. Isso se aplica à água também”, comenta.
Nesse ponto, utilizou-se um modelo de otimização econômica desenvolvido a partir de trabalhos de colaboração em pesquisa entre o GESPLA e a Universidade da Califórnia, que propõe a mudança de alocação de água — a partir de uma queda de sua disponibilidade — para culturas agrícolas com maior retorno econômico. Esse modelo é calculado a partir de variáveis como produtividade, custos de produção, disponibilidade de terra, entre outras. “A gente pode chegar em momentos de restrição de água em que um produtor está usando água, que é escassa para toda a bacia, em uma cultura que não vai dar retorno econômico, uma cultura que está desperdiçando o recurso escasso. O objetivo então é pensarmos na ótica de benefício e otimização”, exemplifica Camila. “É uma coisa que pode ser planejada, porque é possível prever quando acontecerá uma estiagem”, complementa.
Outro trecho da pesquisa avaliou os custos da escassez de água, ou seja, o lucro que os produtores deixaram de obter por conta da falta do recurso hídrico. As perdas variaram de acordo com a área — se, em algumas situações, o prejuízo foi quase zero, alguns municípios tiveram até 15,5% de perda do lucro líquido.
“Ou seja, se houvesse alternativas ou inclusive serviços para que eles tivessem disponível toda a água de que eles precisavam naquele ano, haveria um retorno de 100%. Com a falta de água, houve um prejuízo de até 15,5% deste total”
Camila Mattiuzi
Outras implicações
Além da questão do aumento na eficiência no uso da água, os autores apontam uma série de implicações que têm como objetivo melhorar a gestão de recursos hídricos em uma região agrícola, como o investimento em armazenamento e em novas fontes de água e a integração com políticas ambientais. “A manutenção de vazões e a prática de serviços ambientais, por exemplo, são importantes para a conservação da bacia hidrográfica e do recurso hídrico”, define Camila.
Segundo a doutoranda, o estudo pode servir também como um norte de valores que seriam economicamente eficientes para basear a aplicação dos instrumentos de gestão, como a cobrança pelo uso da água. Ela ressalta, no entanto, que a pesquisa se limitou às duas principais culturas da bacia, arroz e soja, e que ainda há outras variáveis que devem ser consideradas para a implementação efetiva dessas políticas de gestão de água.