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Artigo | Luisa Crepaldi Machado e Andrea Hofstaetter apresentam proposta de livro sobre a temática com o intuito de suprir lacunas no ensino das Artes Visuais
*Por Luisa Crepaldi Machado e Andrea Hofstaetter
*Ilustração: Luisa Crepaldi Machado/ Programa de Extensão Histórias e Práticas Artísticas, DAV-IA/UFRGS
Nos últimos tempos, vem se movimentando, em âmbito internacional, uma mudança no olhar da sociedade em relação ao que é diverso, plural. A diversidade étnica e racial é vista como uma riqueza, um patrimônio da humanidade que deve ser preservado e promovido em todos os âmbitos.
No Brasil, existe a Lei 11.645/2008, que trata da obrigatoriedade do ensino de História e Culturas Indígenas e Afro-brasileiras nas escolas do país, visando ampliar o conhecimento da população acerca da história do Brasil. A legislação evidencia que o ensino de tais conteúdos deve ser trabalhado nos diferentes componentes curriculares que compõem a Educação Básica.
Essa lei é uma grande conquista para os povos indígenas, assim como os afro-brasileiros, que sofrem com preconceitos da sociedade. Mesmo com essa legislação, criada em 2008, e a obrigatoriedade desse conteúdo integrar distintas áreas de ensino, são poucos os materiais didáticos que abordam tais assuntos – há poucos aprovados pelo Plano Nacional de Livros Didáticos – PNLD. Em se tratando das culturas indígenas, até 2018 eram apenas quatro livros e 61 páginas referentes ao tema.
Em meus estágios obrigatórios durante a graduação, presenciei aulas que tratavam da cultura indígena, mas que traziam atividades que reproduziam estereótipos, tais como produzir um cocar de papel ou pintar um “indiozinho”, ações que eram realizadas em data próxima ao dia 19 de abril, em que é comemorado o Dia dos povos originários. É importante ressaltar que as abordagens citadas foram consideradas atividades nas aulas de arte. Essas atividades são propostas, pelo menos, desde os anos 1990, quando eu estava na Educação Infantil. Na escola de minha filha de 8 anos, por exemplo, até a data da publicação deste artigo, a temática relacionada à legislação supracitada nem havia sido abordada.
Essas questões me fizeram refletir acerca da necessidade de um material educativo que abordasse a temática indígena, tendo como ênfase artistas e a arte indígena contemporânea.
A ideia era de algo que pudesse ser usado tanto por professores e professoras em sala de aula como também por mães e pais com seus filhos em casa. Além de tratar da arte indígena, esse material é pensando de modo integrado ao ensino de artes visuais, de forma que abrangesse o maior público possível.
Assim, quando chegou o momento de desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso, no curso de Licenciatura em Artes Visuais, com a ajuda de minha amiga pessoal e indígena Marcela Pardo, comecei meu caminho na produção desse material que considero fundamental, ou seja, o desenvolvimento de um livro de atividades para crianças inspiradas em artistas indígenas.
Para a elaboração desse livro, comecei fazendo uma curadoria de artistas e, desta, selecionei cinco artistas e um coletivo de artistas, sendo eles Arissana Pataxó, Carmézia Emiliano, Denilson Baniwa, Glicéria Tupinambá, Jaider Esbell, Juão Nyn, Xadalu e Coletivo Mahku. Para essa escolha, observei especialmente a variedade de povos aos quais pertencem, levando em consideração o parecer de Rita Potyguara acerca da Lei 11.645/2008, em que fala da importância de reconhecer a variedade de povos existentes no Brasil.
A partir disso, o livro foi estruturado em capítulos: cada um deles equivale a um artista selecionado. Cada capítulo traz na primeira página informações sobre o artista, na segunda página uma obra, que será a referência para a produção e experimentação em artes visuais, e detalhes sobre ela. Por fim, na terceira página, há a proposta de experimentação.
Nessas propostas de experimentação busca-se refletir sobre a produção observada e produzir algo que relacione a cultura do artista, sua obra e o cotidiano de quem a está realizando. Para as atividades, propus práticas artísticas que fossem fáceis de se reproduzir, com materiais acessíveis, como tinta guache e argila, e sempre pensando de que forma poderia se criar um material para o ensino das artes visuais com enfoque na arte indígena que fosse respeitoso e que aproximasse as crianças desses artistas e suas culturas. Além dos capítulos dos artistas, o livro ainda conta com informações sobre cada um dos povos mencionados, uma página com links úteis e um espaço para anotações.
Dessa forma, percebe-se que este não é apenas um livro de atividades, mas uma ferramenta para conhecer artistas indígenas contemporâneos e aproximar as crianças de algumas das culturas indígenas brasileiras através de uma produção que vai além da reprodução de suas obras, fazendo com que desenvolvam uma reflexão acerca de suas próprias vidas a partir das obras estudadas.
De acordo com o que os trabalhos apresentados no livro mostram, destaca-se a importância de preservar as memórias e os valores da ancestralidade, lutar pela conservação e respeito à natureza, e valorizar a vivência na coletividade. Na contemporaneidade, temos muito a aprender com as contribuições de povos que vivem, cuidam e resistem nessa terra há muitas e muitas gerações.
Espero que este trabalho sirva de inspiração para que outros colegas possam se sentir seguros para fazer suas pesquisas na mesma temática e assim teremos uma maior variedade de materiais didáticos pensados para a sensibilização das crianças em relação às culturas e arte indígenas.
Luisa Crepaldi Machado é professora, ilustradora e graduanda de Licenciatura em Artes Visuais pela UFRGS.
Andrea Hofstaetter é professora do Instituto de Artes da UFRGS e doutora em Artes Visuais pela UFRGS.