Após 10 dias, 76% dos posts golpistas denunciados seguem online nas redes

Publicado originalmente em Agência Lupa. Para acessar, clique aqui.

Dez dias não foram suficientes para que as principais redes sociais se mobilizassem para localizar em suas entranhas e retirar do ar postagens que violam suas próprias diretrizes e que foram usadas para incitar os ataques golpistas ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro. 

Desde a invasão do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto, a base de dados Lupa nos Golpistas recebeu ao menos 2.173 links únicos (não repetidos) que remetem a seis redes sociais: Instagram, Facebook, Twitter, YouTube, TikTok e Kwai. Todas essas URLs foram encaminhadas por conter material que serviu à organização e divulgação dos atos terroristas e/ou que incitaram o vandalismo.

  • Este conteúdo foi produzido pela Lupa a partir da base de dados colaborativa de postagens antidemocráticas. Viu ou recebeu posts incitando os atos golpistas? Clique aqui e mande para a Lupa.
  • Agradecemos pela colaboração e pela ajuda. Com o apoio de todos, continuamos com o projeto colaborativo que busca entender como foram organizados os atos de vandalismo no DF.

Nesta quarta-feira (18), um levantamento exclusivo feito pela Lagom Data a pedido da Lupa mostra que ao menos 1.651 – ou seja, 76% – dessas URLs seguiam ativas e podiam ser acessadas por qualquer internauta. 

Instagram, rede social gerida pela Meta, foi a plataforma mais denunciada à Lupa. Dos 1.124 links únicos apontados como golpistas, 683 permaneciam online. Um deles é um vídeo, postado no dia dos atos, mostrando um homem dentro de um carro defendendo a instauração do “caos no Brasil” para que os militares pudessem intervir “aplicando a Garantia da Lei e da Ordem”. A gravação acumulava mais de 12 mil curtidas até a tarde de quarta-feira.

Um segundo vídeo no Instagram, também feito no dia do fracassado golpe, mostra uma multidão caminhando em direção à Praça dos Três Poderes, carregando cartazes que pediam “intervenção militar” e gritando “Supremo é o povo”. 

Em um terceiro, observa-se a destruição do plenário do Supremo por dentro, acompanhado da frase “Povo acaba de entrar no STF, cadê os ‘iluministros’ e o cabeça de ovo?”, em uma referência crítica aos componentes da Corte. 

A permanência desses links no ar contradiz as diretrizes publicadas pelo próprio Instagram – a plataforma informa que seu espaço “não é um lugar para apoiar nem exaltar terrorismo, crime organizado ou grupos organizados de propagação de ódio” e estabelece que “não são permitidas (ali) ameaças reais de danos à segurança pública e pessoal”. 

Nas palavras da própria rede, isso inclui “tanto ameaças específicas de danos físicos quanto ameaças de roubos, vandalismo e outros danos financeiros”. No caso dos atos golpistas, também houve danos a bens públicos, como aponta um relatório preliminar do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 

Disseminação no Facebook

No Facebook, igualmente gerido pela Meta, a falta de moderação também é identificada. A plataforma tem políticas claras para seus usuários e, nelas, dedica um grande espaço à violência e à incitação a crimes. Entre as consequências listadas estão a remoção de conteúdo, desabilitação de contas e colaboração com as autoridades quando nota “um risco real de danos físicos ou ameaças diretas à segurança pública”. 

Com um total de 539 links golpistas denunciados à Lupa, a rede social havia tirado do ar ou restringido o acesso a apenas três deles – 536 seguiam ativos na quarta-feira. 

Ainda circulavam no Facebook posts do dia dos ataques que mostram, por exemplo, imagens de Brasília tomada. Em um dos conteúdos antidemocráticos, uma mulher escreveu em inglês que “milhões de brasileiros estão marchando agora para reconquistar o governo” e complementou: “Eles acamparão dentro do Congresso com o objetivo de erradicar o governo ilegítimo”.

Não há provas de que as eleições de 2022 tenham sido fraudadas, nem que o código-fonte das urnas possa ter sido corrompido para favorecer determinadas candidaturas — essas, inclusive, são apenas algumas das teorias conspiratórias compartilhadas por bolsonaristas após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em outubro.

Outro exemplo de conteúdo publicado no Facebook denunciado ao Lupa nos Golpistas é um vídeo em que um homem, vestido com as cores verde e amarela, grita repetidamente: “Invadimos”. Além de dizer que a polícia “está do nosso lado”, ele ainda convocava outras pessoas a se juntarem aos atos: “Vem pra cá, precisamos de vocês”.

Outras redes

O Twitter teve 370 URLs únicas denunciadas à base de dados colaborativa da Lupa. Apenas três delas não estavam mais disponíveis dez dias depois. Do TikTok vieram pelo menos 75 denúncias e, até a tarde de quarta-feira, pelo menos cinco links seguiam ativos. Já no Kwai, todos os 14 links denunciados ainda eram acessíveis na quarta-feira. No YouTube, 46 dos 51 links estavam ativos.

No Twitter, por exemplo, um dos conteúdos ainda disponíveis é um vídeo de 2 minutos postado em 7 de janeiro. A gravação mostra um mapa com distâncias até a capital federal e faz um “convite” aos golpistas para a já denunciada “Festa da Selma”. 

No Kwai, pessoas ainda aparecem convocando caravanas de Rondônia para Brasília, dando instruções claras sobre como chegar à Esplanada dos Ministérios e noticiando sobre grupos que sairiam de outros estados. Em outro vídeo, um homem mostra a mobilização das Forças Armadas e comemora: “Que seja o começo do fim do comunismo”.

O Kwai diz em sua política eleitoral que defende a liberdade de expressão, mas que não tolera “conteúdo que tenha o potencial de prejudicar o processo democrático”.

No TikTok, por fim, ainda estão ativos vídeos que mostram trocas de mensagens em que um indivíduo saúda o outro com a expressão “Fala, terrorista”. E, em resposta, é informado de que há um suposto pacto dos golpistas com as forças de segurança do Distrito Federal para que elas não interferissem na ação do dia 8 de janeiro.

As diretrizes públicas do TikTok dizem que a plataforma não autoriza sua utilização para “ameaçar ou incitar violência, ou promover organizações, indivíduos ou atos de extremismo violento”. Ainda ressalta que, “quando há uma ameaça à segurança pública ou uma conta é utilizada para promover ou exaltar a violência fora da plataforma”, o conteúdo deve ser removido ou a conta banida. A plataforma acrescenta que “havendo motivos”, denunciará as ameaças às autoridades legais competentes.

Já no YouTube, em que apenas 10% dos links denunciados ao Lupa nos Golpistas estavam fora do ar, é possível encontrar conteúdos como uma live transmitida no dia dos atos com o título “Guerra em Brasília”. A publicação registrava mais de 83 mil visualizações até a tarde de quarta-feira.

Outro lado

Lupa procurou todas as plataformas citadas nesta reportagem, pedindo que elas comentassem os dados levantados e explicassem a razão da demora na remoção dos conteúdos antidemocráticos. Até a publicação desta reportagem, apenas Facebook, Instagram e Kwai haviam retornado. 

Em nota, a assessoria de imprensa do Kwai indicou que suas iniciativas para conter o avanço e a propagação de conteúdos que tenham o potencial de prejudicar o processo democrático “permanecem em andamento”. Também detalhou outras medidas para evitar a disseminação dos conteúdos, como mecanismos de denúncia.

Já a Meta – responsável por Instagram e Facebook – informou em nota que identificou o Brasil como “um local temporário de alto risco” antes das eleições e passou a “remover conteúdos que incentivam as pessoas a pegar em armas ou a invadir prédios públicos como o Congresso e o Palácio do Planalto”. A empresa ainda informou estar colaborando com as autoridades e que continuará removendo conteúdos que violam suas políticas. Reconheceu, contudo, que diante da “escala” de seus serviços, “proibir determinados conteúdos não significa incidência zero”.

Em decorrência dos ataques em Brasília, a Lupa pede a colaboração de seus seguidores para montar uma base de dados que reúna postagens antidemocráticas feitas em redes sociais ou aplicativos de mensagem. Este é um projeto colaborativo que busca entender como foram organizados os atos de vandalismo. Se você viu ou ouviu alguma postagem convocando para os ataques, colabore preenchendo este formulário. O conteúdo será usado para fins jornalísticos e/ou de pesquisa, e pode ajudar em futuras investigações sobre as invasões de 8 de janeiro de 2023.

Editado por

Bruno Nomura e Leandro Becker

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