Publicado originalmente em O Estado do Piauí por Vitória Pilar e edição de Luana Sena. Para acessar, clique aqui.
Flores brancas e amarelas, cartazes e muitas lágrimas davam o tom do entardecer desta segunda-feira (30), em frente à Reitoria da Universidade Federal do Piauí (UFPI). A poucos metros do local, a estudante de jornalismo Janaína da Silva Bezerra, de 22 anos, foi estuprada e morta em uma sala por Thiago Mayson Barbosa, 28 anos, também estudante da instituição. Velas e cartazes, colocados na escadaria do órgão máximo da administração da instituição, demonstravam revolta: “Era para esse lugar acolher os anseios da Jana, e não ser a estrada final dos seus sonhos”, lamentava a servidora pública Ana Cleia. “Quando uma mulher é silenciada, todas gritam”.
Quem conhecia Janaína, pelos corredores da universidade ou da sala de aula, relembra que a menina era tímida e gostava de escrever. Os amigos mais próximos presentes na vigília, emocionados, não conseguiam falar sobre o ocorrido. “A gente foi invadido por uma avalanche, do nada, uma tragédia como essa afetou a vida de todos”, comentava um grupo de estudantes na vigília.
Em sala de aula, Juliana Teixeira guarda a lembrança e o palpite que a jovem poderia se tornar, assim como ela, professora. Desde 2021, motivada pela vontade de pesquisar e entender mais sobre o curso que escolheu, Janaína e outros estudantes pesquisaram sobre jornalismo, inovação e igualdade em um grupo de estudos do curso orientado pela docente. “O mais assustador é saber que essa jovem, como tantas outras, tinha sonhos que essa universidade poderia oferecer”, destaca a professora. “E agora, infelizmente, vivemos um pesadelo acontecendo diante dos nossos olhos”.
Em protesto, desde as nove horas da manhã, estudantes que formam os Centros Acadêmicos (CAs) ocuparam diferentes lugares da universidade, confeccionando cartazes para pedir justiça pela vida de Janaína. Entre a multidão, Maria Eduarda Araújo, de 21 anos, distribuía velas e margaridas para quem chegava no ponto de partida da vigília. “A universidade não pode ficar parada e sem fazer nada diante dessa tragédia”, relatou à reportagem. “Enquanto não houver justiça e os responsáveis pela insegurança do campus não se posicionarem, não deixaremos de lembrar que aqui morreu uma mulher vítima do machismo.”
Na manhã desta segunda, as aulas foram suspensas por todo o campus Ministro Petrônio Portela. Nas redes sociais da UFPI, estudantes questionaram que esvaziar a universidade é uma forma de abafar o caso e manter a responsabilidade longe da instituição. Estudantes, professores e servidores públicos presentes na vigília relataram que a falta de segurança na instituição faz parte do cotidiano da UFPI. A quantidade de guardas, diante do tamanho do campus, é irrisória e não abarca as necessidades e o tamanho da comunidade universitária. Para os estudantes, o corpo de segurança é meramente patrimonial.
Casos de assédios, medo e insegurança no campus são relatos comuns entre as mulheres que fazem parte da UFPI. “O que aconteceu com a Janaína foi o extremo das violências que nos assolam aqui dentro”, relata a estudante Clara Bispo, representante do Centro Acadêmico de Comunicação (Cacos). “São mulheres como Janaína, negras e periféricas, as mais vulneráveis dentro de um campus que não nos oferece o mínimo de segurança”.
Desde o ocorrido, a universidade declara que a festa da qual a vítima participava antes de sofrer a violência não tinha sido autorizada pela instituição. Porém, os estudantes afirmam que as calouradas e eventos universitários são promovidos semanalmente, por diferentes cursos, e não precisam de autorização para acontecer. Na calourada da última sexta-feira (27), a festa iria custear a viagem para a Bienal da União Nacional dos Estudantes (UNE), que começa nesta semana. “A gente precisa que a universidade se responsabilize pelos seus erros”, destaca Clara Bispo. “Nada justifica um estuprador violentar uma mulher aqui dentro”, complementa. “Janaína não é a culpada. Poderia ser qualquer uma de nós. Não estamos seguras.”
Ainda durante a vigília, mulheres de movimentos sociais, advogadas e ativistas prestaram as últimas homenagens à estudante assassinada. As mulheres foram uníssonas em afirmar que, mortes como a de Janaína, são provocadas pelo machismo. “Mulheres são estupradas e mortas dentro de sua própria casa, nas igrejas, nos hospitais, consultórios médicos e nos mais diferentes lugares. Vamos fechar todos esses lugares?”, destaca Fabíola Lemos. “Quem reforça o sexismo e a cultura de gênero tem responsabilidade em cada caso de feminicidio”, reforça a professora.
Nesta tarde, nem o reitor ou membros da reitoria compareceram à vigília. Como protesto, centenas de pessoas deixaram velas acesas na porta da administração superior da UFPI. “Respeito por Janaína”, gritaram antes de partir em direção ao Carretel, um espaço de convívio do curso no qual Janaína era matriculada, no Centro de Ciências da Educação (CCE). No local, um altar com fotos, flores e livros preferidos de Janaína foram deixados em homenagem à sua memória. Uma roda foi aberta para que fiéis do catolicismo, evangélicos, umbanda e candomblé pudessem prestar suas orações à jovem. “Nunca te esqueceremos”, chorou o pai de Janaína, Adão Bezerra, enquanto observava a multidão se aproximando do altar.
Há dois anos, Janaína tinha ingressado no curso de jornalismo, que concluiria no final de 2024. “Ela se dedicava a tudo o que fazia”, relembra a tia da vítima, Sílvia Gomes. “Nos últimos meses, queria juntar dinheiro para pagar a formatura”, contou emocionada. “Eu quero sempre ter essa imagem dela: uma filha carinhosa, uma estudante dedicada, uma pessoa capaz de realizar tudo o que queria”, completou. Sendo a primeira da família a ingressar no ensino superior, prometeu aos pais que iria arcar com os custos da comemoração do primeiro diploma. Após a formatura pela universidade pública, ela iria realizar um dos seus sonhos: publicar um livro com poesias autorais. “Anseio o que o futuro tem pra mim e mais ainda o que penso ter no presente instante”, publicou Janaína, pela última vez, nas suas redes sociais.
Nota da redação:
Procurados pela reportagem, funcionários da reitoria afirmaram que estiveram presentes quatro pró-reitores, diretores e e superintendentes da administração superior na vigília. Até o momento, não foi informado a presença do reitor durante as homenagens prestadas à Janaína Bezerra. (Atualizada às 08h18)