Publicado originalmente em Ciência UFPR por Jéssica Tokarski. Para acessar, clique aqui.
Um estudo do Laboratório de Cronobiologia Humana (Labcrono) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) comparou a qualidade do sono de adolescentes antes e durante a pandemia de Covid-19, que alterou a rotina escolar e, consequentemente, os hábitos de sono desses jovens. Como resultado, foi possível observar redução da sonolência diurna e dos hábitos de cochilo e aumento das horas de sono.
Durante o período de quarentena, imposto pelo surto de coronavírus, houve mudanças significativa no formato e nos horários das atividades escolares. Os horários, por exemplo, tornaram-se mais flexíveis a partir da possibilidade de os alunos assistirem aulas de forma assíncrona, ou seja, em um momento diferente daquele em que o professor estava realmente lecionando e gravando a aula. “Desse modo, os adolescentes puderam alinhar seus padrões de sono com seus padrões circadianos endógenos, que se originam no organismo”, explica Fernando Mazzilli Louzada, professor do Departamento de Fisiologia e coordenador do Labcrono.
Em artigo recente, os pesquisadores do laboratório esclareceram que a propensão ao sono depende de dois processos: o homeostático, que é relacionado ao número de horas acordadas de uma pessoa, e o circadiano, que depende da hora do dia. Na adolescência, o aumento da propensão ao sono devido ao número de horas acordadas se acumula mais lentamente, por isso essa faixa etária precisa de mais horas acordadas para sentir sono.
Ao adequarem os padrões de sono conforme a necessidade fisiológica, os adolescentes sentiram-se menos sonolentos durante o dia e não precisaram recorrer a cochilos diurnos com tanta frequência.
De acordo com Louzada, a falta de pressão para acordar e ir à escola pela manhã pode explicar as melhorias percebidas no sono durante a pandemia. “Essa descoberta reforça que os horários de início escolar desempenham papel essencial para desencadear a restrição crônica do sono em adolescentes”.
Adolescentes passaram a dormir cerca de duas horas a mais
Para realizar o estudo, 259 adolescentes com idade média de 15 anos foram questionados a respeito de seus hábitos de sono em julho de 2020. Os dados coletados foram comparados com as respostas dadas pelos mesmos jovens entre março e junho de 2019.
A análise comparativa indicou que o tempo de permanência dormindo aumentou em mais de duas horas para esses indivíduos e que 80% deles alcançaram o tempo de sono recomendado para adolescentes, que gira entre oito e dez horas por noite. “Mais de dois terços da amostra dormiam menos que o necessário em 2019”, revela o estudo. Além disso, os jovens passaram a ir dormir cerca de uma hora mais tarde, conforme o processo circadiano característico dessa faixa etária.
Ao adequarem os padrões de sono conforme a necessidade fisiológica, os adolescentes sentiram-se menos sonolentos durante o dia e não precisaram recorrer a cochilos diurnos com tanta frequência. O professor afirma que os resultados tornam ainda mais urgente a necessidade de pais, educadores e formuladores de políticas discutirem a respeito de horários escolares mais viáveis, a fim de implementarem essas mudanças com o retorno da aprendizagem presencial.
Privação de sono afeta o aprendizado
A restrição de sono crônica, enfrentada por grande parte dos adolescentes, é causada por fatores sociais, como o horário de início das aulas; biorregulatórios, que dizem respeito à necessidade de sono exigida pelo organismo e ao ritmo circadiano atrasado; e psicossocial, que está relacionado com o exagero do uso de dispositivos tecnológicos durante a noite e com a maior autonomia sobre a hora de dormir.
Segundo os pesquisadores, a adolescência é considerada uma faixa etária marcante de mudanças físicas e mentais, o que reforça o papel essencial do sono adequado na manutenção da saúde e do bem-estar. Contudo, a necessidade de acordar cedo, para alunos do turno matutino, pode desencadear jet lag social (diferença nos horários de sono entre dias letivos e finais de semana), desempenho acadêmico ruim, deficiências emocionais e propensão a comportamentos de risco. “Isso resulta na adoção de diferentes estratégias para driblar a sonolência, como o consumo de cafeína, a ingestão de bebidas energéticas e os cochilos inadequados”, assinala o doutorando Jefferson Souza Santos, um dos autores do artigo.
Estudos apontam que cochilar oferece benefícios para atenção, concentração e consolidação da memória. Por outro lado, os pesquisadores indicam que cochilos prolongados têm o potencial de gerar o chamado “sono inércia”, que prejudica o desempenho físico e cognitivo e afeta o sono noturno subsequente.
Outros países apresentaram resultados parecidos
Pesquisadores chineses encontraram benefícios do período pandêmico para a saúde do sono em crianças com idade pré-escolar, entre quatro e seis anos de idade. Já nos Estados Unidos, melhorias na saúde do sono de estudantes universitários, com idade média de 22 anos, foram percebidas. No Canadá, cientistas observaram um cenário semelhante ao avaliar padrões de sono em adolescentes com idade média de 13 anos. “A diminuição dos episódios de cochilo tem sido recorrente em outras investigações recentes. Durante a pandemia, apenas 27,5% dos pré-escolares chineses cochilavam ao longo da semana, em comparação com 79,8% que cochilavam antes desse período”, destaca Santos.
Louzada reconhece que o estudo tem algumas limitações, como a falta da avaliação da saúde mental desses adolescentes durante a pandemia de Covid-19. Entretanto, para ele, a função principal da pesquisa foi coletar dados que permitiram identificar mudanças nos hábitos de sono dos entrevistados nesse período.
“Os resultados ajudaram a entender o quanto esses hábitos mudaram nesse momento atípico e as melhorias observadas revelam a inadequação dos horários de início das aulas”, pondera o pesquisador que lembra o quanto a duração adequada do sono é essencial para o desempenho mental e para a aprendizagem nesta fase crítica da vida. “Uma discussão sobre o reescalonamento do tempo escolar após essa experiência vivida na pandemia é um dos pontos-chave de um movimento para um sistema educacional mais inclusivo”.