Administração Municipal e gestão hospitalar durante a pandemia de covid-19

Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.

Artigo | A mestranda em Políticas Públicas Marília Bruxel examina modelos de organização do sistema público de saúde e a sua capacidade de ação diante de situações emergenciais

*Por Marília Bruxel
*Foto: Cartaz em parede nos corredores do Hospital Santa Marta, no Centro Histórico de Porto Alegre, durante período de alta incidência da Covid-19 (Flávio Dutra/Arquivo JU 21 jan. 2021)

Você já se perguntou como a administração pública dos municípios pode estar atrelada à ampliação da capacidade de atendimento dos hospitais durante a pandemia de covid-19? Se o tipo de administração e a estabilidade e profissionalização dos servidores públicos fez diferença nesse contexto?

Neste trabalho, pretende-se demonstrar o desempenho da administração municipal no que tange à ampliação da sua capacidade de atendimento hospitalar frente à pandemia de covid-19. A ampliação da capacidade hospitalar foi traduzida pelos dados de “Ampliação de Número de Leitos” e “Instalação de Hospitais de Campanha”. 

Desde o período colonial, a administração pública brasileira tem se transformado de modo incremental, isto é, incorporando diferentes características acerca da seleção de seus servidores e o estabelecimento de relações com o setor privado. Em 1995, em âmbito nacional, implementou-se o Plano Diretor de Reforma do Estado, por meio do qual foram fortemente sugeridas adesões de normativas características de uma administração gerencial. Esse tipo de administração detém-se, principalmente, na possibilidade de aumento de eficiência, eficácia e efetividade da burocracia estatal com a introdução de ferramentas do setor privado dentro do setor público. Sendo assim, possui duas categorias de destaque: a presença de descentralização administrativa e de servidores públicos sem vínculo permanente (SVP). 

Descentralização administrativa pode ser entendida como a terceirização dos serviços de saúde prestados, por meio de administrações indiretas, pelos municípios. Ao mesmo tempo, SVPs referem-se a contratações temporárias, de consultores, estagiários, cargos eletivos e autônomos e sem obrigatoriedade de grau mínimo de formação profissional. Esses vínculos são mais flexíveis e facilitam a substituição e reposição de servidores frente a necessidades não previstas.

Sob esse contexto, adotou-se como perspectiva para este trabalho a flexibilização administrativa característica do modelo de administração gerencial. Nesse sentido, foi observado o grau de descentralização das administrações municipais e a proporção de servidores sem vínculo empregatício nessas administrações. Para interpretação dos dados, administrações indiretas foram analisadas por meio da presença de Organizações Sociais (OSs) – entidades jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que possuem autonomia financeira e administrativa, recebem recursos orçamentários, bem como podem obtê-los por outros meios. Já a medição da flexibilização dos vínculos de servidores nas administrações municipais ocorreu por meio da proporção de servidores SVP nas administrações diretas municipais. 

Em contrapartida aos elementos de administrações gerenciais, administrações diretas e servidores com vínculo permanente também foram observados. Nesse sentido, considerou-se a presença de serviço municipal de saúde de emergência (24h) como indicador de administração direta da saúde. Para medição de servidores com vínculo, avaliou-se a proporção de estatutários, isto é, selecionados por meio de concurso público e, desse modo, com formação superior e atuantes sob Regime Jurídico Único (RJU). 

Inicialmente, destaca-se que a presença de administrações indiretas é mais provável à medida que há um aumento do porte populacional dos municípios. Por outro lado, a identificação de maior proporção de SVP nas administrações diretas municipais ocorre em governos locais com porte populacional médio – 20 mil a 50 mil habitantes (IBGE/2018). Esse cenário pode ser interpretado em vista do caráter focal da prestação de serviços de baixa e média complexidade, o que acaba centralizando o atendimento de municípios do entorno, aumentando a demanda por servidores. 

Em relação às constatações quanto à influência da agenda gerencial, no que concerne a sua proposta de flexibilização administrativa, é possível apontar influência das categorias analisadas sobre a ampliação da capacidade de atendimento dos hospitais nos municípios. Inicialmente, infere-se que a presença de administrações diretas na prestação dos serviços de saúde aumentou em três vezes as razões de chance de haver “instalação de hospitais de campanha” e em 60% as razões de chance de “ampliação do número de leitos”. Em paralelo, administrações indiretas tiveram menor razão de chance para ocorrência dos indicadores de ampliação da capacidade de atendimento hospitalar. 

Em seguida, avaliando-se a influência dos vínculos de servidores, é possível pontuar que a maior proporção de servidores SVP aumenta em quatro vezes e em 49% as razões de chance de “instalação de hospitais de campanha” e “ampliação do número de leitos”, respectivamente. Ao mesmo tempo, a proporção de servidores estatutários teve resultado inferior no aumento das razões de chance de ampliação da capacidade dos atendimentos estudados quando comparado com proporção de servidores SVP. 

Desse modo, impõe-se que administrações diretas e com maior proporção de SVPs seriam a combinação de flexibilidade administrativa – descentralização e cargos mais maleáveis e menos engessados – mais favorável à ampliação da capacidade de atendimento hospitalar dos municípios. Assim, é interessante destacar que, conforme dados IBGE/2018, a composição das administrações diretas conta com a proporção de 19,6% de servidores SVP, superando dados de servidores celetistas e cargos comissionados. Por outro lado, nas administrações indiretas, cargos SVP representam 10% da composição de servidores. 

Não obstante, ainda que definida a presença de servidores flexibilizados – SVP – e administrações diretas como mais relevantes em relação à prestação de serviços de saúde, o contrário também foi importante em certa medida. Isto é, ainda que em menor proporção, administrações indiretas e servidores profissionais – estatutários – tiveram influência no aumento das razões de chance de ampliação de capacidade hospitalar.  


Marília Bruxel é graduada em Políticas Públicas pela UFRGS e mestranda em no PPG em Políticas Públicas.  

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