Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.
A comercialização dos frutos do açaí faz parte do cotidiano de comunidades tradicionais no estado do Pará. Em 2020, cerca de 92% da produção teve como origem as florestas ribeirinhas no entorno de Belém e outros municípios do estuário amazônico. Esta palmeira, por meio dos seus frutos e do palmito, representa o sustento alimentar e a renda de diversas pessoas na região norte do Brasil, com alcance, inclusive, no mercado internacional.
Um problema que ainda persiste é a mistura dos frutos do açaí, da espécie tipo, com os frutos de outras etnovariedades, ou seja, denominações locais de açaí por apresentarem algumas características morfológicas do fruto – cor, tamanho, consistência, rendimento e sabor da polpa – semelhantes a espécie tipo, enquanto outras são completamente diferentes em sua morfologia floral, como coloração, tamanho e quantidade de flores. De fato, existem 118 espécies do gênero Euterpe no mundo todo e, no Brasil, ocorrem inúmeras espécies distribuídas de norte a sul. A E.oleracea, conhecida como açaizeiro, uaçaí, açaí do Pará, açaí da mata e ocorre espontaneamente nos estados do Pará, Amapá, Tocantins e Maranhão principalmente em florestas alagadas.
Então, como reconhecer a identidade dos frutos de açaí comercializados? Para responder essa pergunta, o Museu Goeldi trabalha em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) desde 2016. A pesquisa “Identificação genética de amostras de açaí comercializadas no mercado brasileiro utilizando a técnica de DNA barcoding” mostrou quem é quem dos açaís comercializados, inclusive entre as outras espécies como E. precatoria e E.edulis, parentes geneticamente próximos de E.oleracea.
Analisamos 50 amostras comerciais com o código de barras do DNA, método eficiente para detectar adulterantes à base de plantas. Os resultados da pesquisa mostraram que 88,6% dos produtos derivados do suco de açaí foram originários de E.oleracea, enquanto 11,4% produtos continham misturas de espécies e foram considerados adulterados, trazendo preocupações quanto à correta identificação de espécies em alimentos e em relação à ocorrência de propaganda enganosa em produtos rotulados de açaí.
Com esse trabalho, conseguimos caracterizar com rapidez, eficiência e biossegurança a procedência do material genético da espécie Euterpe oleracea Mart – o que abre portas para que outras matérias-primas possam ser autenticadas. Isso é importante para o contexto da Amazônia, já que produtos como os frutos do açaí, do cacau, da castanha do Pará, látex, resina, entre outros sustentam a cadeia produtiva florestal. A partir do cuidado com a valoração e qualidade desses subprodutos, novos paradigmas podem ser estabelecidos nos mercados nacional e internacional. Assim, com bioempreendedorismo, as populações tradicionais envolvidas com essas culturas podem continuar a preservar e conservar a floresta amazônica.
Sobre o autor
Mário Augusto Gonçalves Jardim é engenheiro florestal, doutor em ciências biológicas e pesquisador titular do Museu Paraense Emilio Goeldi.