Academia e imprensa: uma parceria obrigatória na era digital

Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Carlos Castilho
Jornalista, doutor em Mídias do Conhecimento (UFSC) e pesquisador associado do objETHOS

O jornalismo autônomo e a imprensa têm um problema em comum: a sobrevivência financeira. É um dilema complicado porque, até agora, nem os profissionais independentes e nem os administradores de empresas jornalísticas conseguiram achar uma solução que garanta a sustentabilidade dos respectivos projetos. 

Em compensação, os pesquisadores acadêmicos avançam no sentido de buscar, no estudo da realidade social e dos comportamentos do público, os dados e fatos necessários para formular possíveis soluções para o dilema da sustentabilidade na era digital. Os projetos mais avançados acontecem nos Estados Unidos e em alguns países europeus, onde pesquisas já testam fórmulas práticas de busca da sustentabilidade. 

Parece óbvio que a soma de esforços seria a solução ideal, mas só que isto ainda não está acontecendo, por causa de uma histórica desconfiança e distanciamento mútuo entre acadêmicos, profissionais e empresários do jornalismo. Apesar disso, a academia procura a imprensa em busca de visibilidade para seus projetos e ações, enquanto jornais, emissoras de rádio e TV  recorrem à universidade para reforçar a credibilidade de notícias e reportagens sobre temas complexos ou controvertidos.

Quase sempre se trata de uma colaboração pontual sobre questões concretas, baseada no interesse e vantagens mútuas e imediatas. Raríssimos são os casos de colaboração institucionalizada e multidisciplinar de longo prazo, como é o do projeto #UseTheNews, iniciado em 2020, reunindo uma equipe de quatro pesquisadores acadêmicos, um educador e cinco jornalistas, com o objetivo de descobrir como os jovens se informam.   

Acontece que a era digital mudou a realidade da comunicação e da informação, criando desafios novos que começam a desestabilizar posturas corporativistas entranhadas no quotidiano tanto da academia como das redações. A crise no modelo de negócios das empresas jornalísticas coincide com o agravamento das dificuldades financeiras no ensino superior, tanto público como privado.

O mais lógico nessas circunstâncias seria a soma de esforços. As pesquisas desenvolvidas na universidade normalmente formulam hipóteses ou teorias inovadoras. Mas para que elas se tornem operacionais na imprensa é necessário que sejam testadas no ambiente do jornalismo profissional e das indústrias de comunicação. No momento, há uma convergência de interesses provocada pela necessidade de resolver o problema da sustentabilidade de projetos jornalísticos, especialmente o voltados para problemas locais ou temáticas específicas.

No meio acadêmico, consolidou-se a tendência aos estudos sobre comportamentos e valores do público consumidor de notícias. Nos Estados Unidos, o fenômeno foi batizado de audience turn e se expandiu para a maioria absoluta das universidades. É uma linha de pesquisas baseada na premissa de que a chave para os problemas atuais do jornalismo está na identificação, sem ideias pré-concebidas, das necessidades e desejos do público. E dentro dessa área de estudos e investigações, destaca-se o debate sobre a teoria da prática que propõe o uso de procedimentos metodológicos inspirados em disciplinas como etnografia e sociologia11.  

O estudo das audiências digitais é bem mais complexo e detalhado do que foi mencionado acima e os próprios pesquisadores admitem que o trabalho ainda está no começo. Por enquanto, o debate ainda é majoritariamente teórico, mas alguns projetos acadêmicos, em parceria com organizações não governamentais, já estão coletando dados empíricos sobre ecossistemas e necessidades informativas, ambos a nível local. É o caso do projeto do Center for Cooperative Media (Centro de Mídia Cooperativa), da Montclair State University, no estado norte-americano de Nova Jersey.

Mas tempo é tudo o que a imprensa não tem, conforme constatou o estudo2 feito por uma equipe de pesquisadores que incluiu a brasileira Germana Barata. O estudo constatou, entre outros fatores, que um jornalista integrado a uma redação “pode simplesmente não ter tempo para se manter atualizado com as pesquisas atuais em jornalismo e comunicação, bem como com o conhecimento teórico, conceitual e metodológico para interpretar os respectivos resultados da pesquisa”.3

O que se observa na rotina das redações é que, diante do ritmo industrial na produção de notícias, as pesquisas e projetos acadêmicos na área do jornalismo acabam quase sempre servindo como insumo para uma notícia e depois vão para o arquivo ou são utilizados como material para marketing da publicação.  Mas como cresce a profundidade e a urgência dos desafios enfrentados pelo jornalismo e pela imprensa, especialmente os vinculados à sustentabilidade financeira, torna-se cada vez mais essencial a criação de uma interface estrutural entre as áreas de pesquisa e prática do jornalismo. É uma necessidade que não afeta apenas a academia e a imprensa, e nem restabelece a lucratividade do negócio da notícia, mas envolve acima de tudo a revitalização do jornalismo, num momento histórico em que a informação se tornou mais importante do que nunca na vida das pessoas.  

  1. Para maiores detalhes sobre a teoria da prática consultar o texto em português A teoria na prática, de Pierre Bourdieu ou os textos em inglês Theorizing Media as Practice, de Nick Couldry e Practice Theory in Journalism Studies, de Laura Ahva. ↩︎
  2. Ver em Connecting science communication research and practice: challenges and ways forward, autoria de Liliann FischerGermana BarataAndreas M. Scheu e Ricarda Ziegler. ↩︎
  3. Traduzido do original  …” may  simply lack the time to stay up to date with current journalism and communication research as well as the theoretical, conceptual, and methodological knowledge to interpret the respective research results”.  ↩︎

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